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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

11
Jul21

A posta na pandemonia.

shark

Era fácil de perceber, ainda antes da pandemia. Dizia-se que "está tudo doido". Multiplicavam-se os episódios mais ou menos graves, mais ou menos bizarros, que denunciavam isso mesmo: uma parte significativa da população parecia já estar "do outro lado".

A pandemia, com todas as pressões associadas, não só parece ter agravado o problema pré-existente como ter também feito engrossar as fileiras dos que parecem viver numa realidade paralela. E não me refiro apenas às tontinhas e aos tontinhos que defendem coisas mirabolantes como a Terra plana, mas a cidadãos comuns, com uma vida aparentemente normal, com uma postura sem alarido, subitamente a revelarem-se sem respeito por convenções, por valores, por regras elementares de uma coexistência pacífica.

E depois ainda há os suficientemente desequilibrados para defenderem arrufos fascizóides e a alinharem com o discurso autoritário de palermas sem norte que, hoje como no passado, apenas vêem na lei dos mais forte a sua única possibilidade de experimentarem alguma forma de poder, tão básicos se revelam. Tudo chanfrado, como se existisse uma avaria colectiva e contagiosa nos cérebros de cada vez mais pessoas.

A lógica é a primeira a sucumbir, afogada em falsos pretextos, falsas notícias, desinformação destinada a abrir os portões do caos às mentes mais fragilizadas, incapazes de discernirem o deserto terrível para lá da miragem policial, dominadora, segregadora de grupos sociais e agitadora da respectiva revolta que alimenta os medos fantasiados, num ciclo perfeito de alucinação daquelas que destroem aos poucos o tecido social de qualquer democracia à mercê.

Depois começam a morrer os princípios universais, substituídos pela loucura dos valores prepotentes que anestesiam a consciência de quem ainda a possua. Sempre assim foi, sempre assim será. Não é coisa de que o tempo nos salve, de que o progresso nos possa proteger. 

Vemos a loucura a crescer a cada dia que passa, disfarçada de rebeldia contra um imaginário opressor que nos quer impor confinamentos, vacinas, condicionalismos à liberdade como a interpretam os malucos, os irresponsáveis e os que precisam do pandemónio como do pão para a boca para sustentarem ideias mal pensadas, acusações mal fundamentadas e assim poderem surgir no meio do caos como salvadores da Pátria que trataram de destruir, explorando-lhe as fraquezas que andaram a semear.

Vejo apenas mais uma forma de loucura, mais esperta, mais sabida, mais experimentada na arte da mobilização de tiranetes e aspirantes a ditadores, a comandantes dos modos de vida alheios. Com terreno fértil na ressaca de um problema que a todos afecta e a todos surpreendeu.

Com o manicómio de portas abertas, pela dificuldade em distinguir quem joga com a equipa toda e quem, sem dar por isso, anda a perder parafusos a cada passo sem tino numa sociedade que, como outras, acabará por evidenciar sinais cada vez mais evidentes de uma indisfarçável desagregação.

24
Mai21

A posta na bielobronca

shark

Intimidar, perseguir, prender, esquartejar. Tudo o que for preciso para silenciar jornalistas, é a marca d'água de qualquer regime alheio ao conceito de democracia propriamente dito. E a coisa só varia em função do nível de degradação democrática em cada país. Nas democracias ocidentais "apenas" os tornam reféns do poder financeiro, mas em muitas das outras, assumidamente de fachada, os jornalistas são alvos a abater. Porque a verdade é sempre a maior inimiga de qualquer ditadura.

 

O recente episódio protagonizado pelos bielobrutos ilustra o quanto é importante para os regimes fascizóides transmitirem uma mensagem clara: a verdade é uma ameaça que não estão dispostos a tolerar. E para isso contam com as reacções frouxas de decisores menos descarados, mas igualmente perturbados no exercício do poder pelas vozes incómodas, pelas palavras inconvenientes que se preferiam pintadas de outra cor, a sua. Mas a liberdade não dispensa as mordomias inerentes à exposição pública da realidade como ela deve ser contada, tal e qual, enquanto expressão e testemunho do que verdadeiramente representa.

Privar da liberdade jornalistas por cumprirem o seu papel equivale a punir a prática de tudo aquilo que nos resta para garantir a sobrevivência dos valores democráticos. Equivale a minar a última barreira aos poderes autocráticos que não resistem à divulgação dos seus excessos, dos seus esquemas perversos, da lei do mais forte que é o único sustentáculo das suas ambições.

Diversas democracias europeias foram abandonadas à sua sorte quando, nos anos 30 do século passado, uma ditadura deixou de rosnar para passar a morder países inteiros. A própria democracia era então questionada enquanto regime por demasiados cidadãos europeus, Áustria e Checoslováquia foram entregues sem luta como moeda de troca para evitar males maiores. A Polónia, à bruta, invalidaria a eficácia dos paninhos quentes, do erro colossal em que as democracias modernas não podem dar-se ao luxo de insistir.

O sinal que não se pode transmitir é o da cedência que rapidamente se traduz no abdicar de valores que precisamos defender de forma intransigente. Se não quisermos ver a História repetida.

 

 

 

25
Jul14

A posta que mais vale a culpa morrer solteira

shark

Sempre que troco impressões com alguém acerca do que se passa (mais uma vez) em Gaza percebo que poucos conseguem abraçar algum tipo de isenção neste tipo de assunto, tão trágico quanto inquinado de contra-informação destinada a baralhar as mentes simples e permeáveis do cidadão comum.

No meio do debate, ninguém recorda que o efeito da sucessão de asneiras geopolíticas que originaram conflitos sangrentos que, por sua vez, alimentaram ódios difíceis de dissipar faz-se sentir, também, sobre pessoas sem qualquer tipo de intervenção ou mesmo de inclinação para qualquer dos extremos desta corda esticada demais.

Algumas delas demasiado jovens para entenderem o que se passa à sua volta sequer.

 

Na dificuldade de manter o tino nas acesas discussões, invariavelmente caídas no beco sem saída que resulta da preocupação em desmascarar um “culpado”, consigo ter uma visão, um pequeno indicador, do quanto será fácil incendiar corações no seio de quem se apanha enredado nos erros da História.

De repente, a questão da Palestina é de esquerda e a de Israel é de direita. Ou uma é apenas mais uma prova da maldade muçulmana enquanto a outra, vista do lado oposto, não passa de uma evidência da natureza malévola dos israelitas que por acaso até são judeus. E ainda existe o argumento, válido para as partes em confronto, da permanente legítima defesa contra um ataque acontecido há mais tempo do que alguém consegue lembrar e que, por si só, constitui garantia de que se irá repetir no futuro endiabrado que assim se constrói.

 

É uma pescadinha de rabo na boca, feita de autocarros escolares cobardemente armadilhados ou de mísseis canalhas enviados por engano para hospitais. É o mal sem controlo, legitimado por alianças de conveniência, por interesses obscuros e pelo radicalismo dos que nada se preocupam com o destino das suas populações. É política, depois é religião e no fim é aquela sensação de impotência perante a contagem dos corpos inertes no chão.

De pouco valem os argumentos em abono de um ou do outro lado, ambos mergulhados na cegueira militarista que lhes tira qualquer razão quando os inocentes pagam a factura e certamente prefeririam, sobretudo os vivos, qualquer outra opção que lhes permitisse sonhar uma vida sem tanto medo, quase normal (há outros problemas prementes em tempo de paz).

 

É difícil racionalizar um conflito marcado pela ausência de escrúpulos de quem se sente, por vingança, por sede de poder ou apenas por erro dramático de raciocínio, legitimado para matar por pátrias, por deuses ou por outro cliché dos que sempre alimentam estas chacinas que ninguém parece conseguir travar até alguém já ter ido longe demais.

Em causa estão duas nações cuja população, cada vez maior parte dela, preferiria ver erradicado o inimigo do outro lado da vedação entre os bons e os maus, consoante a perspectiva de cada um.

 

Contudo, é fácil de adivinhar o desfecho de uma guerra tão suja assim, e recordem-se os inocentes - a maioria dos que já morreram e dos que morrerão, se o resto do mundo não conseguir controlar as partes em disputa até ao dia famigerado em que o lado mais fraco desta quezília equilibrar a parada em matéria de capacidade para a aparentemente ansiada aniquilação total.

28
Abr14

Ucrânia, Europa - A nova tragédia eslava do Velho (in)Continente

shark

Se um dia, e o tempo passa a correr, na vizinha Espanha se instalasse (de novo) um poder fascista ou apenas expansionista que entendesse cobiçar o território português?

E se esse poder dispusesse de um arsenal nuclear e aproveitasse um momento conturbado, como por exemplo a destituição forçada de um governo daqueles que os povos são incentivados a derrubarem, para somar a Olivença mais umas generosas fatias aquém fronteira recorrendo para isso a violentos soldados mascarados?

E se da chamada comunidade internacional pouco mais viesse do que o apoio moral, sanções em pequena escala, devidamente balizado pelo peso castelhano em diversas economias de aliados potenciais e ficássemos, na prática, entregues a nós mesmos e com o poder em parte confiado a extremistas?

 

A caldeirada acima parece tão ficcionada como pareceria poucos anos atrás a qualquer cidadão ucraniano aquilo que está a acontecer no seu país, num tão Velho Continente que já se revela quase senil.

O exemplo da Ucrânia, olhado com relativa indiferença pelos restantes europeus (ainda que a nível institucional assim não pareça), é o mais recente exemplo do quanto a História nem sempre vira páginas de um mesmo capítulo. As surpresas, os aparentes impossíveis, explodem nos rostos incrédulos dos eternos optimistas (um clássico) como fruto dos contorcionismos a que mesmo numa democracia normal o poder se presta ou apenas como consequência de um desastre natural de maior dimensão.

É num instante que se esboroam os laços entre vizinhos, a estabilidade, a paz que julgamos sempre eterna e depois é o que se vê.

 

A montanha russa

 

Agora é a Ucrânia o epicentro de mais um tornado de acontecimentos que resultam em mudanças que produzem alterações radicais e, em última análise, destroem os equilíbrios precários entre nações ou entre regiões e instalam um inferno na vida de pessoas como nós.

A relevância dos enquadramentos históricos, das justificações de circunstância e de todas as patranhas que adornam este tipo de intervenções externas nos destinos de outrem (sim, as dos nossos aliados americanos cabem neste pacote) é quase nenhuma.

Importante é o facto de um povo europeu estar refém do espectro de uma guerra civil que seria o prelúdio de uma invasão anunciada por quem tenta dividir para reinar. Uma população deste mesmo continente que um dia quis domesticar o mundo inteiro, com a vida em risco, com o futuro comprometido, com a pátria por um fio.

 

A roleta ucraniana

 

É esse o aspecto que me parece sobrepor-se aos demais. Nenhum argumento cola para branquear a hostilidade russa ou a hipocrisia da UE e do grande polícia mundial que, oportunista, entendeu meter o bedelho onde nem a própria aliança a que pertencemos deveria ter intervido sem absoluta certeza dos passos a dar a seguir. No meio de um novo braço de ferro ao bom velho estilo da guerra que também se serve fria está mais uma nação a caminho de se ver tão devastada como quaisquer outras apanhadas no centro do furacão que se formou sem ninguém o prever.

É a população da Ucrânia quem sairá a perder, na ressaca do que julgava ser uma bonita revolução em defesa de um modo de vida que parece agradar à maioria mas foi votado diferente nas urnas que elegeram o presidente que entenderam depor.

 

E é esse para mim o único assunto que importa, o único interesse que urge salvaguardar.

Se o banho de sangue acontecer, a União Europeia que ladra alto em euros mas, pela debilidade da sua coordenação e mesmo da sua comunhão de interesses, não morde sem a anuência ou mesmo a intervenção do poderio militar norte-americano poderá tentar lavar as mãos como Pilatos mas nunca formatar a consciência colectiva que registará desta trapalhada, como a História, apenas mais um episódio triste na novela do seu processo de inevitável desagregação.

05
Out13

No lado de cá

shark

Nunca primei pelo optimismo, admito. Perante alguns factos que me chocam opto sempre pela preocupação inerente às minhas previsões (quase sempre) catastrofistas.

Quando tento entender o funcionamento desse mecanismo interno que me conduz para os receios pelo pior, apenas um dos desfechos possíveis em qualquer situação, percebo que a lógica assume um papel relevante.

Essa lógica é a que me diz ser absurdo não vaticinar um pesadelo quando, à face das evidências, estão reunidos todos os ingredientes para o mesmo se verificar.

 

Lampedusa, uma localidade italiana que bem dispensaria a associação sinistra impossível de evitar, é apenas uma face visível dessa tragédia que está a acontecer com cada vez maior frequência, o êxodo em massa por parte das populações aterrorizadas e famintas de boa parte do hemisfério sul.

E na minha visão pessimista do futuro, a fortaleza em que se estão a transformar muitos países ocidentais da zona mediterrânica mas também nos EUA no que respeita à sua fronteira com o México, por exemplo, vai progredir para uma barreira instransponível futura que, na prática, assumirá esta vergonhosa divisão do planeta em dois.

 

Nunca conheceremos a verdadeira dimensão deste horror, nos números como nos contornos tenebrosos da jornada dos emigrantes africanos no mar feito estrada para um paraíso como naturalmente o entenderão.

É desumano, é assustador e, face à reacção hostil que acaba por marcar a actuação das autoridades nos países confrontados com o problema, é descaradamente cruel.

É de pessoas que se trata. Com peles diferentes, com culturas distintas, com o azar de terem nascido no local e no tempo errados para quem ambicione a felicidade de coisas tão simples como uma terra em paz. Mas são gente, gente que arrisca a morte com filhos nos braços depois de pagar fortunas por uma viagem sem retorno nas piores condições que conseguimos imaginar.

Essa é a realidade tal como está a acontecer e envolve números na casa das dezenas de milhar, todos os anos. E não estamos a falar de gnus.

 

O dilema com que deste lado dourado do mundo, por estranho que isso possa soar, nos confrontamos passa pela luta interna entre o humanismo elementar que nos impele a acudir a estas pessoas em aflição, com culpas no cartório para a Europa colonialista, e o pragmatismo financeiro dos que têm optado pela via da fortificação, no sentido de impedir o afluxo de gente de fora que custa dinheiro só pelo facto de ter que se reparti-lo.

Numa balança com um dos pratos ocupados pelo dinheiro já sabemos para que lado os pratos, as decisões, penderão, somando-lhe a xenofobia, o racismo, a ganância, a desumanidade de uns quantos que, quando todos em sintonia, são demasiados e até há exemplos de como conseguem chegar ao poder em eleições nestas democracias cada vez mais bizarras.

 

É esse, sem dúvida, o rumo que italianos, espanhóis, turcos e todos quantos, na Europa, sentem mais de perto e com maior intensidade o problema têm optado por seguir. Mais vigilância nas fronteiras, mais repressão dos clandestinos, repatriamento na ponta da língua para a maioria dos que conseguem capturar com vida.

É essa a barreira intransponível que estamos todos a construir, passo a passo, até à tal visão pessimista do futuro como o prevejo para um mundo inteiro em convulsão. Um planeta armado até aos dentes e dotado de tecnologia superior, a norte, com os seus recursos empenhados na manutenção dessa fronteira global pouco acima do equador. Interdito para todos aqueles que, dessa forma, serão abertamente declarados inferiores.

E um outro planeta, a sul, faminto e desesperado, sem recursos ou com os mesmos esgotados pelas alterações climáticas ou pela rapina ocidental, a alimentarem os ódios que se converterão naquilo a que chamaremos terrorismo mas não deixará por isso de ser na realidade uma luta pela sobrevivência, a exigência de um equilíbrio que, por este caminho que lhes oferecemos, é fácil concluir dos dois lados da barricada que só à bruta poderão algum dia alcançar.  

16
Set13

Deplorável

shark

A mudança em nós acontece todos os dias, com o envelhecimento e mesmo com as repercussões dos acontecimentos que qualquer existência implica.

No entanto, não damos por isso a curto prazo. Precisamos que passe mais tempo, que exista uma maior distância entre os momentos em que avaliamos os termos de comparação, como uma foto que nos permite comparar a diferença e perceber a marca do tempo a passar.

Com o mundo as coisas também acontecem assim.

As coisas mudam, mais depressa ou mais devagar, e não nos apercebemos da maior parte dessa mudança permanente a que os mais optimistas gostam de chamar evolução, progresso ou qualquer outro termo capaz de exprimir a enganosa sensação de que tudo se transforma num sentido positivo, de que andamos em frente e quase sempre para melhor.

Contudo, de vez em quando paramos para olhar a “foto” de uns tempos atrás, olhamos para as lições que a História nos dá e percebemos o quanto se repetem tantos capítulos desse livro que, cada um/a à sua maneira, com maior ou menor impacto, vamos escrevendo para gerações futuras poderem tirar as suas conclusões acerca dos marcos assinalados num determinado lapso de tempo pelas gentes que os produziram, no sentido de saberem que tipo de pessoas havia quando determinado acontecimento, quando determinada mudança se produziu.

É assim que olhamos para a Idade Média como um período sinistro, da mesma forma que lamentamos a época do Feudalismo ou realidades medonhas como a escravatura ou as guerras devastadoras que invariavelmente afectam a vida das populações em dada altura e constituem, a par com cataclismos naturais, descobertas científicas ou inovações tecnológicas perniciosas, factores de mudança nem sempre para melhor.

E é assim que rotulamos períodos da História mais as pessoas que os fizeram acontecer, da mesma forma que criámos relógios e calendários para nos servirem de pontos artificiais de orientação.

 

Quando tento encaixar o meu tempo sob esta perspectiva e esboço um qualquer cenário futuro para o qual a minha geração esteja a contribuir agora, enquanto o meu país definha à mercê dos abusos e dos desleixos que também eu deixei acontecer e o mundo inteiro parece caminhar sobre as brasas de uma economia titubeante, de uma tensão permanente, de uma hipoteca da maioria dos valores que definem as pessoas e as nações de bem, de um ambiente em profunda e alarmante degradação, de toda uma corda bamba cada vez mais próxima de partir, só consigo antever o pior.

E quando olho para o espelho e percebo as diferenças que o tempo vai pintando na minha carcaça irrelevante, penso nas que se produzem no mundo de que faço parte, na herança que os que partilham este momento específico da existência num espaço comum que construímos (destruímos?) e cada vez mais me preocupo e envergonho com o rasto que iremos deixar.

11
Mai13

A posta que isto já lá não vai com falinhas mansas

shark

No visível desespero dos próprios apoiantes dos partidos da coligação que nos governa, cada vez mais desarmados para acudirem em seu auxílio e com a perda de audiências da presença televisiva de Sócrates a privá-los do renascer das cinzas de um culpado mesmo a jeito para a argumentação fácil, percebe-se o quanto as sondagens até acabam por não reflectir na sua verdadeira dimensão o esboroar absoluto da base de legitimação do actual Executivo.

 

Sejamos claros: já nem a malta de Direita acredita nas hipóteses de sucesso deste grupo heterogéneo de pessoas a quem o poder foi confiado nas circunstâncias que se sabe e de entre a mesma falta de alternativas que nos aguarda em futuros plebiscitos.

Falha-lhes o talento para o jogo político, a credibilidade para a mobilização popular em torno das suas medidas bizarras e, em muitos casos, simplesmente cruéis, a consistência para consolidar uma imagem de força que colmate as várias debilidades da sua forma de controlar o poder e, acima de tudo (e nem quatro Poiares bem maduros conseguem apagar o rasto de imbecilidade deixado pelo inenarrável Relvas), falta-lhes a inteligência que nos poderia valer.

 

Depois de assente o pó da desilusão inicial, os portugueses agitaram-se e quase roçaram a revolta chegando a haver quem temesse uma nova Grécia nas nossas ruas. Claro que foi sol de pouca dura e depressa a população acabou enfraquecida pelo próprio efeito de uma governação desastrada e desastrosa que nos obriga a centrar atenções nas questões mais elementares da sobrevivência. Quase um milhão de desempregados mais outro milhão de reformados (com pensões sistematicamente alvejadas pelos snipers da rapina estatal) a sustentarem famílias inteiras deixam pouca margem de manobra para a contestação.

Agora, encravados entre um Governo muito incapaz e uma oposição pouco convincente, oscilamos no quotidiano entre o encolher de ombros resignado, a gestão in extremis de recursos financeiros depauperados e os fenómenos quase diários de estupefação perante as asneiras, as tiradas idiotas e as medidas controversas (ou mesmo inconstitucionais) de que a Comunicação Social e o seu batalhão de notáveis desertores analistas, maioritariamente da mesma área política da quadrilha liderada por Passos Coelho, nos dão conta.

 

O banana no topo do bolo é uma velha glória dos dias felizes do esbanjamento dos milhões que a Europa nos ofereceu como contrapartida para abdicarmos de boa parte do controlo económico sobre o país. O Presidente da República, esse colosso do anedotário político, deveria constituir a maior esperança para uma solução mas acaba por ser uma das faces mais evidentes do problema: a triste realidade de um poder meio senil que ameaça a Democracia, destruindo-a aos poucos neste caldo em lume brando, num banho-maria de impunidade despudorada, de desorientação mal disfarçada e de um esforço concertado de estupidificação das massas por todos os meios ao alcance da seita de chicos-espertos e de palermas instalados nos diversos poderes.

 

Entregues a uma corja de oportunistas e de mercenários, mergulhamos aos poucos nas trevas da lei da selva, do salve-se quem puder.

E ninguém faz a mínima ideia do quanto neste período negro Portugal já deitou a perder.

23
Mar13

A posta nos mal A(r)mados

shark

É tudo muito bonito quando pensamos a Democracia e a queremos acreditar indestrutível por ser o mais perfeito dos regimes que conhecemos ou experimentámos na pele até à data. Contudo, seja democrático ou ditatorial, qualquer regime só perdura não enquanto tiver o controlo da respectiva população mas sim durante o tempo que durar o seu estado de graça junto das estruturas militares ou militarizadas que o possam assegurar.

 

Quando Otelo Saraiva de Carvalho, Vasco Lourenço e outras figuras de menor destaque mediático ligadas à s hierarquias militares engrossam o discurso e agitam o papão do golpe militar, da tomada do poder à bruta, a maioria das reacções são de escárnio perante as pessoas e suas aptidões e não de análise acerca das respectivas motivações.

Os militares fizeram o 25 de Abril de 1974 ou ainda estaríamos hoje, povo de indecisos, a ponderar essa opção para derrubar um regime caduco qualquer.

Sim, havia uma resistência, uma minoria de antifascistas que se submetia à clandestinidade, ao exílio, à tortura ou apenas à indiferença dos seus pares num poder nada democrático que lhes dava voz apenas por comiseração ou por dar jeito um grupelho dissonante para transmitir uma fragrância de liberdade ideológica e de expressão.

Contudo, a maioria silenciosa, o rebanho, aturava como uma lei fundamental todos os abusos que o formato do Estado Novo fomentava com a imposição de uma estrutura assente em hierarquias sociais bem definidas, a um esquema quase feudal de gestão de um colectivo feito de indivíduos dependentes da sorte ou do azar no berço e, acima de tudo, da sua habilidade para se tornarem úteis à implementação de um qualquer modelo de autoridade que pudesse beneficiá-los e/ou aos seus.

 

Agora passo à parte da definição de prioridades de um novo rebanho, mais instruído mas nem por isso necessariamente mais esperto ou mais capaz de distinguir o certo e o errado, aquele que passa ao lado de episódios como o que motiva esta posta.

Um tenente do Exército Português foi detido por ter levado ao Laboratório Militar, para análise, uma amostra de comida estragada que alguns soldados se recusaram comer. Podem ler os detalhes aqui.

A decisão do Tribunal Administrativo que confirmou o acerto de tal punição assenta na pretensa deslealdade do tenente Gonçalo Corceiro perante os seus superiores.

Tomou a atitude certa mas não respeitou os códigos internos, a hierarquia, as regras que no entender daquele tribunal prevalecem sobre a constatação pura e simples dos factos: o tenente fez aquilo que tinha que ser feito, algo que a lógica diz dever prevalecer sobre quaisquer imposições de feudos mais ou menos institucionais e quem aplica as leis entendeu sobrepor a isso a violação dos tais preceituados militares.

O rebanho, tão lesto a peticionar contra a liberdade de expressão ou o abate de animais assassinos, nem reparou.

 

Se no parágrafo inicial fiz alusão ao mal-estar de que alguns militares vão sendo porta-voz e no segundo referencio o efectivo poder de que aquela estrutura usufrui para intervir, bem ou mal, sobre os nossos destinos, no terceiro chamo a vossa atenção para o facto de o absurdo poder gerar as condições para uma revolta que, acontecida no seio de quem detém as armas, nunca se sabe as proporções que pode assumir. Esse absurdo tanto pode provir de uma decisão judicial, porquanto acertada do ponto de vista formal, como do somatório de decisões absurdas por parte de um poder político legítimo do ponto de vista dos procedimentos democráticos mas tão errado como a História, portuguesa e mundial, já provou ser passível de acontecer.

O medo de uma intervenção militar, quiçá oportuna no entender de alguns mais desesperados mas sempre de último recurso para quem abraça a democracia e teme a imposição seja do que for pela força das armas, acaba por ser secundário perante as consequências da falta de razoabilidade nas decisões tomadas, a nível político ou judicial, a dissonância entre estas e a lógica que preside ao modelo de sociedade que (quase) todos defendemos e, acima de tudo, à indiferença generalizada para com todos estes sinais de uma insanidade colectiva que está a contribuir sobremaneira para um verdadeiro livre arbítrio por parte da elite com acesso a qualquer poder.

 

E agora esse desgoverno está a atingir patamares tão baixos que já destruiu a consciência crítica dos cidadãos, incapazes na sua maioria de prestarem sequer atenção aos sinais da demência que nos corrói a Nação pelos seus alicerces que incluem, na minha opinião, coisas tão elementares como um conceito de justiça universal que se sobreponha sem hesitar às regras de qualquer instituição que dela faça parte quando estas contrariem, em questões tão elementares como a saúde pública dos cidadãos, a ética e decência de que tantos suspiram a ausência e a apontam como um mal mas muitos mais (e tantas vezes os mesmos) tornam irrelevantes por não lhes prestarem a devida atenção.

 

Rendo aqui homenagem ao tenente Corceiro, ao cidadão Gonçalo, na proporção inversa ao que me apeteceria aqui dizer acerca dos que viram a cara para outro lado neste tipo de injustiças quando esse outro lado não passa de um conjunto de miragens e de fugas superficiais vocacionadas para entreter os cobardes e os acéfalos que preferem fazer de conta que nada há a fazer de concreto para combater a decadência moral que está a matar pela raiz a própria civilização ocidental e, sem dúvida, o seu próprio país.

27
Fev13

A posta que o futuro imediato é uma desconcertante incógnita

shark

Sempre que se coloca a questão de como dar a volta à situação que o país atravessa esbarro numa parede que o raciocínio impõe e dou comigo num beco sem saída.

Em causa está a relação entre a dimensão do problema, nomeadamente do ponto de vista financeiro, e o leque de alternativas disponíveis num cenário eleitoral.

Quando vejo cidadãos mobilizados para as diferentes formas de luta que uma democracia digna desse nome nos faculta entendo perfeitamente as suas razões e, em mais do que um momento, sinto-me compelido a também fazer qualquer coisa.

O problema, e é aqui que de repente me vejo no tal dilema, está na nítida sensação de que derrubar o actual governo (e é esse o mote de todas as manifestações populares acontecidas ou por acontecer) pode confrontar-nos apenas com cenários ainda mais complicados no contexto da aflição generalizada, como o exemplo italiano cuidará de comprovar.

 

Cruzar os braços é sempre uma opção impossível perante a progressiva degradação do tecido empresarial e respectivo impacto no número de gente desempregada que pode apenas recorrer aos mais próximos para se valer e também a maioria desses sente na pele o efeito da austeridade. O consequente efeito bola de neve arrasta até a geração dos avós para o turbilhão e a em termos sociais o país começa a acumular tensões indisfarçáveis que só não eclodiram ainda como o caos nas ruas porque olhamos para os gregos e percebemos que nem essa hipótese resolve seja o que for.

Porém, todos sentimos que urge fazer algo e com a máxima urgência.

 

As opções que nos restam limitam-se a males maiores. A desordem não serve. Eleições antecipadas não resolvem. Não há dinheiro e devemos milhares de milhões, pelo que a dependência externa é total e não é realista equacionar a saída do Euro ou a desresponsabilização relativamente aos compromissos assumidos.

Perante isto, o que fazer?

É aqui que ninguém apresenta sugestões minimamente consensuais. Toda a gente consegue apontar culpados e exigir a respectiva responsabilização. Contudo, nesse lote incluem-se os maiores partidos e só uma minoria leva a sério as opções que restam.

 

Um novo partido, alheio aos já existentes e livre das várias cargas pejorativas, surge no horizonte como a única hipótese no âmbito do sistema democrático que o bom senso recomenda e a racionalidade impõe. Uma alternativa distinta das já existentes, capaz de congregar vontades em torno de um projecto simultaneamente realista e milagreiro, seria nas conjecturas de muitos de nós a aposta ganhadora.

Mas no meio do furor demagogo que a desorientação facilita, quem nos garante que não estaremos a investir numa solução sem pernas para andar ou que, como no exemplo italiano que acima referi, não consiga mais do que tornar-se num estorvo à possibilidade de constituição de uma maioria parlamentar capaz de sustentar uma solução governativa estável?

 

Como baratas tontas, acabamos quase todos paralisados perante tantas dúvidas (legítimas) e o tempo esgota-se ao sabor dos caprichos de cada um dos países de uma União Europeia refém de si própria e do efeito dominó de uma crise em roda livre, sem o amparo federalista.

Ainda assim, e caso queiramos insistir na democracia como opção (não existe outra), só mesmo através da criação de novos partidos, movimentos de cidadãos e quaisquer formas de mobilização organizada de cidadãos poderemos alimentar a esperança no surgimento de uma nova ideologia com propostas exequíveis ou, no mínimo, de alternativas credíveis de liderança.

29
Jan13

A posta num aumento de pressão

shark

No espaço de dias um pai português disparou sobre a cabeça de um filho e uma mãe portuguesa envenenou dois. Estes dois exemplos mais recentes somam-se a outros que sempre chocam a opinião pública e que, para horror da maioria, tendem a proliferar.

Existe um denominador comum em boa parte destes casos e que obriga a uma reflexão séria acerca da forma como a sociedade está a lidar com o problema: a estas tragédias costuma estar associada uma doença mental, a depressão, que tem provocado outros exemplos similares um pouco por todo o mundo.

 

A depressão é um daqueles problemas cuja visibilidade só parece explodir na sequência dos episódios mediáticos protagonizados por quem, mesmo tendo sido diagnosticado na condição, não teve o acompanhamento devido e acabou por perder por completo o controlo de ideias e de acções.

Fala-se da depressão com a ligeireza de quem pretende justificar tristezas várias ou, quando as pessoas afectadas exibem de forma mais evidente o seu completo desnorte, evitam falar de todo sob o espectro do rótulo de malucos que se cola como um estigma definitivo na imagem de a quem talvez bastasse a medicação adequada para equilibrar a química em desacerto.

 

A emergência de um plano concreto de acção, até no domínio legislativo, que permita uma intervenção mais directa e actuante por parte dos organismos já existentes no âmbito do SNS, em conjugação com as autoridades policiais, junto de adultos a quem seja evidente a necessidade de tratamentos que quantas vezes se recusam a aceitar, faz-se sentir no quotidiano de muitas pessoas que lidam dia a dia com casos de depressão e respectivas consequências sobre a vida de quem padece e de quem tenta cuidar.

O reverso dessa alteração de mentalidades e tomada de consciência da crescente gravidade do problema será a proliferação destes dramas nas primeiras páginas dos jornais e na abertura dos noticiários radiofónicos ou televisivos.

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