Se há questão que se mantém em aberto entre os seres humanos, embora numa espécie de banho Maria morno, é a da escolha entre a Monarquia e a República. Volta e meia, monárquicos e republicanos esgrimem argumentos na defesa da sua dama (com mais entusiasmo destes últimos porque o seu ícone até tem as maminhas ao léu), o modelo de liderança dos subgrupos, das tribos a que chamamos nações. A coisa até já descambou em conflitos armados entre as pessoas.
Contudo, no reino animal a discussão é mais feroz e espanta-me ainda não ter assumido proporções alarmantes.
Ao que vi no meu percurso pela fauna portuga, o binómio Monarquia/República não existe e isso acontece pelo mesmo motivo que deixa de fora a democracia como opção. A bicharada não quer votar e prefere tratar o seu líder por Vossa Alteza.
Porém, o consenso acaba aí. Nas ruas é fácil de perceber a disputa acesa pelo trono no seio de diversas espécies do reino animal, sendo públicas tais divergências.
Em poucas centenas de metros é possível, por exemplo, encontrar dois reis dos caracóis.
E a avaliar pela dimensão das respectivas cortes, orgulhosamente expostas à vista de qualquer plebeu, não será pelo número que a questão ficará decidida. Os analistas chamam a atenção para a enorme influência dos orégãos de comunicação social neste particular.
Mas existe uma outra espécie onde são ainda mais os galos para um só poleiro: os reis dos frangos multiplicam-se pela cidade e os respectivos súbditos, fanáticos, fazem-se imolar pelo fogo (pela brasa, mais concretamente) em quantidades astronómicas na luta encarniçada pelo poder que se faz sentir pelas redondezas num macabro odor a churrasqueira a que nenhum transeunte parece ficar alheio.
Consta até que alguns frangos mais leais ao seu monarca se fazem empalar num estranho ritual que vi mencionado como espeto e que deixa clara a coragem e o espírito de sacrifício que são incutidos desde o berço nos aviários deste país.
Um trono cuja disputa dá sempre porcaria é o dos leitões. Talvez por se tratar de um movimento juvenil de apoio à causa, o empenho dos jovens suínos no reclamar do ceptro atinge foros de uma irreverência descontrolada, ao ponto de o conflito estar já a estender-se ao reino das sandochas e sendo de prever também aí o surgimento de herdeiros de uma das coroas mais ambicionadas, sobretudo na região centro do país.
No chiqueiro agitado por esta luta fratricida a esperança é imensa e a confiança traduz-se numa lógica simples: vença quem vencer, o triunfo será sempre dos porcos.
O Fim da História ou a Última Amêijoa
Esta tensão permanente entre as monarquias animais já produziu episódios deploráveis. De acordo com fontes próximas das várias realezas, os interesses em causa são tão importantes que está a eclodir uma guerra surda entre as monarquias das diferentes espécies, sedentas de projecção. É esse fenómeno, ainda de acordo com as mesmas fontes, que estará na origem daquilo a que apelidam de boatos sem fundamento como o da gripe das aves (ninguém viu um único frango espirrar) e o contra-ataque da peste suína, havendo quem sugira que só por lapso ficaram alegadamente loucas as vacas e não os caracóis.
De resto, diversos anónimos destacam como mais um exemplo dessas formas de subversão a que está a afectar os inúmeros pretendentes ao trono de reis do marisco, o papão das toxinas que, citando fontes próximas das principais marisqueiras, não passará de mais um simples rumor. Em declarações que não quis gravadas, um anónimo exaltado afirmou à minha reportagem: Isso não passa de propaganda falsa. Dizem que algum marisco tem toxinas? É mentira. Desafio toda a gente a olhar atentamente para uma travessa de amêijoa à Bulhão Pato, qualquer travessa, mesmo que afirmem estar cheia de toxinas. E depois digam-me na cara que viram lá alguma toxina, uma que fosse!”
Toda esta celeuma em nada afectou as monarquias mais sólidas, apesar de alguns pontos fracos beliscarem aqui e além a imagem do soberano incontestado. Contactámos o rei da selva que nos confirmou não existir de facto qualquer tipo de contestação ao seu poder, acrescentando um desabafo: “O único ponto fraco na minha imagem enquanto soberano incontestado é mesmo o Sporting, mas felizmente a malta daqui ainda só ouviu falar do Eusébio…”.
Sua Majestade igualmente sacudiu a juba em tom de reprovação relativamente à péssima conduta de outros monarcas e que tanto enfraquece as coroas, fazendo alusão a um alegado rei dos burros que por ali andou a matar elefantes.
Também no reino dos mares o líder é absoluto e ninguém ousa disputar o trono do tubarão, nem existe alguém que para o futuro próximo o preveja.
A chatice é que ele já foi por diversas vezes avistado a desbundar no regaço de uma República: a da Cerveja.