A REVOLUÇÃO PRECIPITADA
Basta uma visita à versão portuguesa da coisa para notar a presença do habitual calcanhar de aquiles deste tipo de iniciativas: o avanço para a acção sem estar acabada a construção do que as pode sustentar em termos práticos.
Porém, o rosto de Eric Cantona, futebolista famoso por mais aspectos do que o talento que evidenciou, dá projecção ao movimento de cidadãos que mesmo não alcançando o objectivo principal, o levantamento colectivo e simultâneo de dinheiro dos bancos que em última análise levaria os mesmos à falência imediata, ficará decerto registado como um sinal de alarme para os bancos e outras instituições financeiras relativamente ao que os poderá esperar caso não encontrem rapidamente uma solução para o problema global por si criado. Ou pelo menos permitido com a sua incúria.
A reacção do sistema a esta ameaça que o envolvimento de uma figura pública de nível mundial catapultou para a atenção dos media é hostil mas prudente, como se conclui pelo tom dos que já arriscaram dar a cara pelo outro lado da questão. E o simples facto de existir quem sinta a necessidade de reagir, naturalmente para tentar descredibilizar e esvaziar de sentido, é uma prova concludente de como Cantona meteu o dedo na ferida e de como o sistema seria de facto atingido onde mais lhe dói se um movimento desta natureza obtiver algum dia o sucesso no recrutamento de militantes para a causa. E se esta parece inquestionável na essência e na motivação, peca pela precipitação dos seus mentores no toque a reunir, quando muita gente não faz a mínima ideia do que se trata e não foram acautelados pela organização os mecanismos de mobilização efectiva de um grupo numeroso o bastante para fazer a mossa necessária.
Claro que neste caso, mais do que noutros, o tempo é mesmo dinheiro e as coisas estão a atingir um ponto insustentável a partir do qual será difícil se não impossível ao cidadão comum agir na defesa dos seus interesses, quer de forma individual quer a partir deste ou de outros movimentos colectivos.
Contudo, quem já percebeu o potencial da internet em termos de divulgação das mais variadas causas ainda não aprendeu com os flops do passado a lição de que as pessoas não agem por impulso quando não possuem informação suficiente acerca dos riscos a correr. No caso concreto, a iniciativa a que Cantona dá rosto envolve o colapso potencial do que ainda resta do sistema financeiro que faz girar o mundo.
Mas se é fácil aproveitar o crescente desespero que se apodera de boa parte da população, nomeadamente a classe média que tem a faca e o queijo na mão para aproveitar a vulnerabilidade do sistema, essa facilidade aparente esvai-se quando os promotores das iniciativas relegam para segundo plano a apresentação e sustentação teórica das indispensáveis alternativas.