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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

17
Mai22

Palavra que não

shark

É possível brincar com palavras. A sério. Todavia, é leviandade subestimar o poder destrutivo de uma palavra carregada. Uma vez disparada pode atingir o alvo com a precisão de um drone e o poder destrutivo de uma deflagração. Isto em sentido figurado, claro. Os defensores da livre circulação de armas entre civis diriam, a propósito: as palavras não matam pessoas, as pessoas matam pessoas. Com palavras, também. Por dentro.

 

Ao longo de uma existência é inevitável enfrentar-se um desses duelos de palavras que podem não matar pessoas, mas destroem relações. Mesmo as mais sólidas, abanam desde os alicerces quando atingidas por uma palavra certeira. Que até pode ser a palavra errada, mero estilhaço do rebentamento de uma discussão. Em cheio no coração, sentida como uma dor, a palavra errada, que o futuro até pode provar ser a palavra mais acertada, arrasa a pessoa atingida e nenhum pedido de desculpa estancará a hemorragia. É assim que as palavras matam: gravadas na memória, como feridas abertas, sangram emoções até a pessoa deixar de as sentir. Provavelmente porque entretanto morreu.

As palavras são armas de longo alcance, apesar de igualmente eficazes à queima-roupa. São corrosivas, para além de explosivas. Espalham-se como metástases no raciocínio, ecoam a cada lembrança de quem efectuou o disparo. Secam, como eucaliptos, tudo em seu redor, uma vez plantadas no solo fértil das más recordações. E sentem-se como bofetadas, quando aplicadas de forma inequívoca como uma carapuça perfeita para bons entendedores.

As palavras podem matar amores e isso é quase como matar as pessoas, se é mesmo de amor que se trata. Morre-se disso, dizem. E as palavras podem estar na origem da ocorrência, assassinas por interposta emoção.

É possível brincar com palavras. Mas desaconselhe-se o uso a quem não as saiba controlar.

26
Out13

A posta que vais cair do poleiro

shark

Aos poucos uma pessoa percebe que, na maioria dos casos, as palavras que lhe são dirigidas não passam de mera articulação de sons sem importância ou significado algum. Ou melhor, são proferidas, oralmente ou mesmo por escrito, com a leviandade típica de quem não sabe do que está a falar porque não entende a essência da sua própria mensagem.

Um caso flagrante é o das palavras que envolvem emoções. Mas todas as associadas a valores em desuso sofrem do mesmo padecimento: são parecidas com o som do vento no arvoredo e servem apenas para quebrar o silêncio com coisas giras de ouvir.

 

As pessoas falam das emoções com a mesma ligeireza com que mencionam tomadas eléctricas. E em ambos os casos são tão ignorantes na matéria que apanham um choque sempre que lhe metem a mão e descobrem a dura realidade dos perigos inerentes a mexer em coisas cujo teor só se conhece de ouvir falar.

Por entre as muitas frases começadas por “eu” sopram palavras sagradas como amor, amizade e outras do género, sem terem consciência do quanto nunca tiveram ou entretanto perderam a capacidade de entender os sentimentos (e os comprometimentos) em causa, excepto quando aplicados pelo próprio a si mesmo.

Fazem sempre má figura, essas pessoas, porque a ignorância ainda é motivo de embaraço e é estupidamente fácil tropeçar numa armadilha lógica quando não temos os pés bem assentes no conhecimento nem que apenas de causa.

 

O transtorno que essa utilização leviana das palavras provoca é o do respectivo efeito quando são dirigidas a pessoas desatentas o bastante para as levarem a sério. Temos uma tendência inata para a fé que contraria os factos que nos recomendam alguma prudência. E depois sentimos como uma estalada o despertar para a verdade inegável de que as palavras têm sempre forma, mas o conteúdo pode ser equivalente ao da palavra vazio.

É nisto que pessoas e papagaios revelam semelhanças extraordinárias.

 

Entender um papagaio não exige um esforço por aí além porque temos logo em conta que o pássaro limita-se a repetir algo que ouviu. Já com a pessoa precisamos de primeiro lhe identificar a penugem e só então estendemos o dedo da conversa fiada para que lá possam pousar o bico nas raras ocasiões em que se calam.

Saber lidar com estes bichos, as tais pessoas, requer alguma atenção. Nomeadamente porque corremos o risco de repetirem tudo quanto digamos, mas fora do contexto. É o problema da ignorância que atrás referi, as palavras podem funcionar como granadas e qualquer papagaio desconhece o propósito da cavilha que cuidará de retirar à primeira oportunidade.

 

Temos que ajustar a profundidade do raciocínio ao desempenho da ave diante de nós e limitarmos-nos a debitar algumas mensagens de encorajamento e a fazer que sim com a cabeça, fingindo acreditar que a pessoa até percebe o que está a dizer/repetir mas sem nunca, mesmo nunca, cair na esparrela de encontrar algum nexo entre as palavras e as emoções ou valores que representem.

Ou seja, de levar a conversa do animal a sério.

28
Nov12

A POSTA NUMA RELAÇÃO GOOGLE TRANSLATOR

shark

Olá Queridos,
Como você está hoje? e como é que as coisas se movendo com você? espero bem e você está
em nome de health.My bom é Miss cicilia, eu estou procurando um muito bom
pessoa de amor, carinho, sincero, vai fácil, amadureceu, e
compreender, depois de passar pelo seu perfil agora.
  i pegar interesse em você, então eu gosto de você para me escrever
através do meu endereço de e-mail que é a seguinte ("cicilia.fredxx@yahoo.co.uk") para
que eu vou dar-lhe a minha imagem para uma discussão mais aprofundada, porque eu sou
realmente ansioso para uma amizade séria com você,
Cicilia seu novo amigo.


Diabos me carreguem se este não foi o couro mais bizarro que já me bateram. Pelo menos entre os couros batidos por email.

19
Jul12

A POSTA NA CHAPA DE PAPEL

shark

Lembro-me de há uns anos o surgimento de um novo banco, nem me lembro de qual, ficar marcado pelo ponto mais forte da sua argumentação publicitária: não iriam existir as famosas chapas metálicas numeradas que nos permitiam adivinhar mais ou menos quanto tempo iríamos secar numa fila sempre comprida.

Foi uma novidade de peso, à época, por assinalar a entrada de novos players (acho que lhes chamam assim, e de forma apropriada) com uma postura competitiva cheia de amanhãs que lucram.

Presumo que a banca tradicional, monolítica, tenha ficado em choque (em cheque?) com o que esse fim inesperado das chapinhas implicava: mais pessoal ou, ainda pior, mais eficiência no atendimento.

Coisas que custam dinheiro. E como se sabe, essa é uma dor que banco algum consegue suportar.

 

Foi um prazer abrir conta nessa instituição bancária jovem e modernaça, livre do bafio que tresandava na concorrência entretanto às voltas com a contabilidade associada à adopção desse modelo revolucionário do cliente atendido à chegada, coisa nunca vista e que o tal banco (seria o BCP?) capitalizou como pedrada no charco num mercado do deixa andar.

A coisa funcionava, de facto, e funcionou por muitos e bons e alastrou à totalidade da banca e nós, consumidores, agradecemos a mudança.

Porém, e nas histórias que envolvam bancos existirá sempre um porém, a passagem do tempo foi degradando o número de dígitos antes da palavra milhões e chegou o dia em que a fila ordenada por um traço pintado no chão entrou em cena.

Sem chapa, é certo, mas quase tão demorada como nesses dias dos caixas sempre de trombas que vociferavam “chapa 53! chapa 53!... chapa 54” e um gajo ficava agarrado por perder um minuto a acabar de beber o café.

 

A verdade é que a pessoa habitua-se a estas alterações para pior e o tempo passa muito depressa nas mentes cifrónicas dos mentores do sistema bancário e algum iluminado não tardou a somar dois mais dois (que num banco é sempre igual a 3 na óptica do cliente e a 5 nas ambições da empresa).

Hoje em dia, décadas passadas sobre a tal iniciativa arrojada do banco novo a estrear, o sistema já encontrou no progresso tecnológico um substituto à altura das chapas metálicas de outrora que permitiam impor um ritmo de trabalho sem grandes acelerações a quadros de pessoal exagerados.

Agora servem para colmatar as lacunas em termos de recursos humanos ao mesmo tempo que poupam aos bancários dias inteiros a gritar o número da chapa, papel transferido para as maquinetas com botões que nos permitem escolher a fila mais adequada para secar.

 

Pelo menos foi o que me ocorreu quando, dejá vu, me vi a fazer contas aos números que faltavam para chegar ao que estava impresso no pequeno pedaço de papel que aquela máquina (do tempo) me disponibilizou.

12
Mai12

A POSTA NAS NOVAS OPORTUNIDADES EM TOM LARANJA

shark

A oposição de esquerda ao actual Executivo voltou a revelar enorme ingratidão e falta de sentido de Estado ao interpretar mal as declarações de Sua Excelência o Primeiro Ministro acerca dos inúmeros benefícios de que podem usufruir os desempregados deste país.

De resto, a esquerdalha (que só emporcalha as ideias geniais deste Governo Maravilha) vê-se mesmo que só sabe ser do contra e que se deixa mover pela dor de cotovelo por não ter na mão o controlo das rédeas deste puro-sangue selvagem que é Portugal e que nas visões pessimistas da oposição de esquerda não passará de uma pileca.

 

Já nem bato no ceguinho do consenso político que este constante desmancha-prazeirismo comuno-bloquista amarrota nas pontas, estragando de alguma forma o arranjinho para alemão ver. Avanço logo para o tratado de coerência implícito nas palavras do nosso jovem timoneiro, pois ninguém pode fazer de conta que não vê o empenho do PM e de toda a sua equipa em engrossar as fileiras da sua revolucionária versão do que afinal devem ser as novas oportunidades à maneira.

E é disso que se trata, pela boca de quem nos governa: o desemprego é uma janela de oportunidade ao alcance de todos (mas da qual, com enorme espírito de sacrifício e devoção à causa pública, os nossos generosos e abnegados governantes até abdicam).

 

Senão vejamos: o desemprego é um dos raros ofícios em contra-ciclo com a crise, pois aumentam as vagas para desempregados enquanto nas restantes ocupações diminuem. Além disso, o desempregado médio adquire uma panóplia imensa de conhecimentos e de experiências que lhe melhoram significativamente o desempenho pessoal. Com a vantagem, até ver, de ser uma função remunerada ao longo da vida inteira (de um exemplar adulto da ordem Ephemeropetra).

Por outro lado, um desempregado livra-se de despesas tão significativas como as quotas para o sindicato ou a comparticipação no seguro de saúde da empresa.

A poupança, ao fim de algum tempo no exercício da função, pode mesmo alargar-se a domínios tão amplos como à prestação do crédito à habitação (que não podia ser mais económica pois para os desempregados cedo ou tarde, com a intervenção da banca nesse particular, acaba por ficar de borla), ou mesmo à indumentária: depois de desempregada qualquer pessoa pode trajar informal e utilizar a roupa a partir daí disponível para partilhar o prazer de uma refeição com as traças, um piquenique no roupeiro que aproxima imenso a pessoa da natureza.

 

Agências de desemprego – o franshising do futuro

 

Os bafejados por esse estatuto tão em voga adquirem formação intensa em matérias importantes e com imensas saídas profissionais (a expressão não é a mais feliz neste contexto, eu sei...) como, por exemplo, a gestão financeira do caos. O desempregado é um técnico superior de gestão no vermelho, uma especialidade que irá abrir as portas ao desemprego em muitas empresas privadas e mesmo no sector público pelo excesso de oferta para a posição.

À experiência adquirida ao longo do tempo (que Sua Excelência o Primeiro Ministro tudo fará para prolongar) alia-se o bom aspecto de quem abraça uma existência saudável e ao ar livre (o ambiente é muito arejado sob o tabuleiro da maioria das pontes), bem como o traquejo para contornar desafios estimulantes e fora do alcance de quem prefira passar ao lado de uma grande carreira que só o desemprego proporciona.

 

Sua Excelência o Primeiro Ministro abriu com as suas declarações as portas a uma forma diferente de entender o desemprego, eliminando o estigma pelo efeito da proliferação pois até um gajo com emprego percebe que os estigmas aplicam-se sobretudo a realidades pequenas ou a grupos minoritários.

É essa a verdade que a oposição de esquerda não quer reconhecer nas sábias palavras de um homem que tudo tem feito para melhorar a imagem da Nação, nomeadamente junto dos credores, e até nesse esforço transmite o bom exemplo a seguir pelos nossos briosos desempregados, pobrezinhos mas honrados, que não devem alimentar o malparado a bem da saúde financeira de quem afinal faz girar o mundo com o dinamismo de uma russa (agora não me lembro se é uma montanha, uma roleta ou uma imigrante eslava em busca de um desemprego único no mundo como é, a partir de agora, o desemprego lusitano que, ponham os olhos nisto, é tão respeitado que o Governo fez questão de equiparar quando cortou em perfeita igualdade nos subsídios de férias como nos de desemprego.

 

E só agora, seus ingratos, se percebe o verdadeiro alcance de pérolas como o apoio tácito do PM à emigração por parte dos nossos jovens, visando criar uma maior quota de vagas disponíveis para futuros desempregados e, ainda antes do final da Legislatura, ultrapassar os próprios espanhóis na percentagem de felizardas e de felizardos com uma vida tão nova e a estrear como o apartamento ou o veículo penhorados para lhes garantir um ponto de partida perfeito, um início a partir do zero absoluto que assegura o crescimento a partir do primeiro cêntimo (ou escudo) de esmola!

29
Abr12

A POSTA POR EMAIL

shark

Your Email was given £1,000,000.00 by UNF send: Names...Nationality..Telephone....

 

É verdade, meus amigos. Foi com esta simplicidade que a Susan Patra (WTF?) me comunicou há cerca de quinze minutos o fim de todas as aflições e tormentas financeiras de que venho padecendo nos últimos tempos.

Para quem duvidava do milagre que a internet constitui, aqui está a prova que faltava, basta ter o email certo e a fortuna não tarda a acontecer.

Ainda não fiz contas para ver se o milhão de libras that was given to my email chega para atender às necessidades de todos os meus estimados credores, mas fico à partida sensibilizado com o gesto.

Por outro lado, também não falei ainda com o meu email (é ele o feliz contemplado, há que saber ler com atenção nas entrelinhas) para apurar da sua intenção de partilhar comigo o milagre com que foi obsequiado, mas o meu instinto diz-me que não trairá a confiança consolidada ao longo de anos numa relação próxima e intensa.

 

Seja como for, a verdade é que vale a pena a pessoa investir o seu tempo nisto da net. E mais provas vos faltem, basta somar o milhão de libras em apreço a todas as generosas comissões que de África nos acenam em troca de uma simples autorização para um movimento bancário. É fácil ser milionário neste mundo virtual, tal como só não tem um pénis mais enlarged quem não quer. Até mesmo a uma mulher é oferecida essa benesse só ao alcance de quem sabe aproveitar as oportunidades à mão de quem tem um email ganhador.

É o meu caso, como (mais) este milhão de libras acabadinhas de serem given ao meu email certificam.

 

Ainda não respondi à minha grande amiga Susan Patra, hoje é domingo e eu não tenho por hábito enriquecer neste dia da semana, mas estou a tentar vencer a inércia para garantir que na segunda logo lhe dou uma palavrinha mais o NIB da conta bancária do meu email para transferirem a quantia em causa, não quero interromper essa cadeia de vencedores armando-me em ingrato por achar que o meu email, tão apelativo, mereceria pelo menos dois milhões e em euros, para não ter que se preocupar com o câmbio.

 

Mas temos que focar a atenção naquilo que verdadeiramente interessa: Portugal não estaria na situação actual se os nossos Ministros tivessem o cuidado de manterem emails em condições!

Um milhão de libras por Ministro, duas ou três vezes por semana, mais um centímetro no pénis por mês e só ficava mesmo a faltar o enlarge your brain que todos aguardamos com enorme expectativa para resolver de vez o problema nacional.

É esse o problema de Portugal: a malta não ganha porque não joga. Eu, perdão, o meu email ganha cerca de dez milhões de libras por semana, livres de impostos (pelo menos ainda não os vi referidos em lado algum), só por ser um email esforçado, atento e montes de atraente para a sorte milionária de quem o criou.

 

Claro que um milhão de libras pouco representará para um Ministro do país onde existe um BPN ou uma Região Autónoma da Madeira, mas basta investir com rigor na abertura de emails e tal como os meus problemas se resolveram na boa, também a nação poderá contar com as Susan Patra deste mundo virtual tão generoso para se livrar do atrofio imposto pela troika.

É essa a mensagem que pretendo transmitir, não precisamos de penar quando podemos abraçar esta autêntica fábrica de excêntricos que faz corar de vergonha o próprio euromilhões, o email inevitavelmente premiado com libras, com euros ou com centímetros preciosos para contribuir para a felicidade das pessoas.

 

Se és leitor/a desta posta acabas de ganhar 1.000.000.000.000$ e para os receberes só precisas de me pedir o NIB para onde poderás transferir mil euros para os portes de envio.

Eu depois mando o prémio merecido, tax free, por e para o teu email...

27
Abr12

JÁ O MEU CÃO ERA COM AS ALMOFADAS DO SOFÁ...

shark

Dava gosto vê-lo acariciar com todo o empenho aquele objecto do seu carinho, puxando-lhe o lustro para brilhar ainda mais ao seu olhar embevecido. O cromo e os seus cromados, completamente moldados em peça única, o meu vizinho que raramente utilizava aquele seu amor como meio de transporte mas antes como um altar.

E como era grande a sua fé, balde no chão, pendurado no ombro o pano mais suave que conseguia encontrar e muita, muita dedicação ao seu magnífico automóvel como novo porque passava os dias ali, coberto por uma capa, protegido dos olhares ciumentos dos outros que só lhe punham a vista em cima na presença do dono, aos domingos a seguir ao almoço, por volta da hora a que tinha início o relato radiofónico dos jogos do campeonato nacional.

 

Por vezes ficava entretido a observá-lo à distância, estupefacto com a meticulosidade da busca por pequenas sujidades que parecia sentir como imperfeições inadmissíveis naquela luminosidade cristalina de uma pintura metalizada.

Ajoelhava em serena contemplação e depois mexia aqui e mexia ali e depois deitava-se e espreitava o chassis em busca de qualquer sinal de corrosão que combatia com a ferocidade de um leão, o pano embebido num produto caríssimo e só para profissionais como o amigo que o obtivera às escondidas do patrão, dono da oficina que aquele vizinho enfrentava com a ansiedade de um pai preocupado na sala de espera do hospital.

Estava sempre tudo bem, seis meses e trinta ou quarenta quilómetros depois, e ele lá estacionava o carro no lugar que ninguém lhe disputava. Até porque o marcava com quatro pesados bidões que arrastava a custo, o lugar cativo num ponto ao alcance da vista na sua janela.

 

Espantava-me aquela devoção num homem com aspecto abrutalhado, visivelmente obcecado com aquela máquina que era também o objecto de culto do fulano.

Limpava tudo de fio a pavio, os berros dos locutores da bola a ecoarem em redor, o mundo inteiro parado em redor daquela história de amor que era a única que lhe conhecia.

 

Apesar de morarmos no mesmo edifício há anos e de muitas vezes ter observado aquele vizinho na dedicação de tempo e de carinho para com o seu coche real nunca o vi tocar o rosto da vizinha, ou tentar sequer, tal como nunca lhe vi um sorriso como o que lançava ao carro em jeito de despedida, já perto do pôr do sol, quando finalmente cobria com a capa protectora o apelo sedutor de tão expressivos faróis.

05
Abr12

A POSTA QUE SE O MUNDO ACABAR EM 2012 CONFORME PREVISTO O PROBLEMA FICA RESOLVIDO

shark

Quando eu era um puto e o meu pai queria chutar para canto algum pedido meu mais inconveniente, ou seja, por não haver pilim disponível, contava-me a seguinte ladainha:

 

- Meu pai, dê-me dez escudos para comprar rebuçados...

- Dez escudos??? Para que queres os cinco escudos? Não te chegam vinte e cinco tostões? Toma lá 10 centavos, vai comprar rebuçados para ti e para o teu irmão e traz o troco ao pai.

 

Lembrei-me disto a propósito da polémica acerca do ano em que ocorrerá a reposição em vigor dos subsídios de férias e de Natal de que nos privaram.

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