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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

22
Mai21

Dois Mundos

shark

Da semana que passou, retive a imagem da voluntária da Cruz Vermelha que abraça um refugiado senegalês.

Uma imagem poderosa do que de melhor ainda conseguimos produzir em matéria de Humanidade. Uma pessoa a transmitir calor humano a outra pessoa fragilizada. Sem olhar a quaisquer critérios que não os do instinto protector que todos deveríamos cultivar uns pelos outros, aquilo que nos conduziu até aqui e nos permitiu fintar a extinção ao longo de uma história de competição por um lugar entre o resto da bicharada.

Contudo, se o que quero reter é o que acima refiro, não me inibo de constatar a reacção furiosa de hienas feitas gente que, de tão agressivas, obrigaram a voluntária a fechar a sua conta nas redes sociais. Naquilo em que li, como, espero, a maioria, um gesto bonito que a todos enobrece, uma multidão de grunhos lê algo que os enfurece, que os enoja, que os catapulta para a agressividade latente que é subjacente a ideias racistas e outras que pressupõem o primado da lei do mais forte. Daqueles que definem hierarquias entre seres humanos em função da raça, do credo, da nacionalidade ou de outro detalhe qualquer que os distinga dos arautos de uma supremacia tão absurda quanto boçal.

Desprezo aberrações assim, capazes de hostilizarem seres humanos em aflição, depois de lhes avaliarem o tom da pele ou a proveniência e os identificarem na condição de indesejáveis, de descartáveis ou mesmo de alvos a abater. Capazes de deixarem de ser pessoas ao ponto de não reconhecerem outras pessoas enquanto tal.

A imagem da semana, esta que retive, reforça tanto a minha esperança na existência de muita gente extraordinária, capaz de nos oferecer um mundo melhor, quanto alimenta, nas reacções antagónicas, o meu receio de que roçamos perigosamente o ponto a partir do qual essa gente extraordinária sucumbirá à maioria.

04
Abr17

Um luxo de condição

shark

Num país “de Esquerda”, um residente em Sacavém viu-se obrigado a dirigir-se a Loures para se inscrever no centro de emprego (o de Sacavém foi encerrado tempos atrás).

Um desempregado, sobretudo sem direito ao subsídio de desemprego, pode não possuir um meio de transporte próprio, pelo que tem de recorrer aos transportes ditos públicos. Custa 3,30€ a ida e outro tanto a volta, pois fazer tantos quilómetros a pé com uma serra de permeio é coisa para dar cabo do único par de sapatos em condições da pessoa.

Ou seja, o desempregado paga 6,60€ (parece pouco, mas em certas condições não são trocos) para aguardar cerca de uma hora a ouvir os dramas pessoais de outros inúteis presentes na sala, enquanto aguarda que saia o seu número na rifa. É um espectáculo caro, tendo em conta.

No final desse mergulho no que a sociedade tem de mais desanimado, o desempregado de Sacavém fica a saber que, desde Fevereiro, para se inscrever na qualidade precisa de fazer marcação prévia.

Fica também a saber que vai ficar mais uma semana sem soluções à vista, finda a qual terá de pagar mais 6,60€ de viagem para proceder à referida inscrição que, de resto, não lhe garante coisa alguma.

São 13,20€ ao todo, num país “de Esquerda”, só para alimentar uma pequena esperança.

E depois os cidadãos com emprego dizem que é caro ir ao cinema.

21
Out15

A posta no nacionalismo sem tretas

shark

Detesto quando algum português fala mal do seu país. Enoja-me.

Um país não é uma realidade instantânea e está, como cada um dos seus cidadãos em cada um dos grupos em que se integram, à mercê dos erros de quem gere os seus (nossos) destinos ou apenas os partilha e pode, em dado instante do tempo, padecer das consequências desses erros ou omissões.

Contudo, uma Pátria não é feita de instantes mas de todo um percurso que, no nosso caso concreto, tem muito mais do que nos orgulhemos do que o contrário.

 

Portugal não é uma merda, como leio e ouço com demasiada frequência. Pode estar uma merda, em determinados períodos da sua História, devido ao desacerto das suas lideranças temporárias, mas isso não é a mesma coisa. Isso é um problema pontual que devemos identificar e utilizar os meios ao nosso alcance para corrigir se entendemos o país como o nosso.

 

Não é, por vezes está.

 

E se para quem afirma que está existe a obrigação moral de lutar para o devolver à sua devida condição, para quem afirma que é só resta a porta de saída para as mais de duas centenas de alternativas.

02
Mar15

A posta na questão dos princípios

shark

Todos temos limites para o que estamos dispostos a aceitar. Sendo uns mais flexíveis que outros, tentamos ainda assim preservar intactas algumas fronteiras que nos protejam das agressões do exterior como as entendemos quando violam de forma grosseira a tal linha que separa o aceitável do impossível de tolerar.

É um direito que temos por adquirido, o de impormos um ponto a partir do qual não estamos dispostos a ceder por nada e por ninguém. Sob pena de abdicarmos de nós mesmos num processo de cedências excessivas.

 

Raramente os outros sabem respeitar esses limites, preferindo esticar os seus até para lá da linha invisível a partir do qual nos perturbam. É comum e só não assume proporções desastrosas quando quem vai longe demais reconhece o seu lapso ou abuso e repara o mal feito. Com um simples pedido de desculpas, depois de corrigido o erro assumido, qualquer pessoa acaba por esquecer o sucedido.

Todavia, não é esse o caminho seguido pela maioria. Fingem não entender o que está em causa, preferindo defender a bonomia das suas intenções. Nada de mais errado, pois ao fazê-lo pretendem legitimar, por exemplo, faltas de respeito que alguns não encaixam.

Essas pessoas negligentes só percebem a dimensão do equívoco quando sentem na pele o mesmo ferrão que antes tentaram desvalorizar por ser o seu.

 

Esse esfregar da realidade dos factos na cara de quem os subestima quando lhe convém não é uma vingança mas uma reposição do equilíbrio necessário nas relações. Os limites passam a ficar claros nas palavras e nos actos de quem fingia não perceber a dimensão da sua asneira. Ou então as relações soçobram por falta de sustento, por falta do respeito que deve presidir em qualquer domínio das relações humanas.

A leviandade na atenção a estes detalhes que a todos nos compõem tem sempre um preço: a humilhação da pessoa desrespeitada nos seus limites mais sensíveis. E depois há quem engula em seco e se deixe ir adulterando no carácter, pelo amor a algo ou a alguém ou apenas por obrigação, como há quem reaja de forma mais enérgica.

Há aqui uma relação clara de causa-efeito cuja ordem não é arbitrária: há quem lança a primeira pedra e quem leva com ela e a devolve como troco.

 

No cerne da questão está a dificuldade em alinhar comportamentos com a tolerância de quem pretende fazer parte de uma outra existência que não a sua. E o equilíbrio é sempre a resposta.

E quando essa falha só restam perguntas difíceis e, logicamente, relações muito mais desequilibradas.

 

Ou nenhumas.

20
Abr14

A posta numa traição à tua medida.

shark

Traição é um conceito medonho. Tanto pelo que implica como pela sua evolução enquanto metástase de algo ruim que germina em quem trai.

É como uma erva daninha filha da puta que é uma outra bem enraizada no que alguém tem em si de pior. É descendente directa da cobardia, como se comprova pela sua tendência para acontecer de surpresa. Ou melhor, pela inevitabilidade do seu sucesso por via da maior vulnerabilidade das vítimas desse autêntico golpe de estado numa relação próxima.

No entanto, nem sempre a traição (como qualquer outro crime, que o é) compensa. Muitas vezes a pessoa que trai aponta para as costas dos outros mas o karma dirige a seta para os seus próprios pés, pois até uma besta aprende facilmente a trair.

 

Como qualquer das evidências das múltiplas falhas no carácter de muitos de nós e respectivas aplicações práticas na arte de prejudicar outrem, a traição expõe na autoria os medíocres e no resultado, quando menos bom, desmascara os imbecis.

De resto, esta combinação imbatível de rabos de palha (ring a bell, isto da palha?) na personalidade arrasta o/a pequeno/a traidor/a para um nível ainda mais rasteiro do que possa presumir quando quase se esvai na congeminação de um esquema traiçoeiro para torpedear alguém.

 

A pessoa, já de si pequena na intenção, vai trilhando um rasto enquanto serpenteia pelo areal e acaba por se denunciar de forma involuntária, sem capacidade para abarcar tudo o que um plano inteligente engloba, acabando por reduzir o seu gesto malévolo ao estatuto infame da pequena traição.

A pequena traição, assumidamente a mais óbvia na mesquinhez de entre o alargado leque de opções na matéria, é quase um rótulo de “estúpido/a” na testa seja de quem for que a pratique. Se é traição é indigna, se ainda por cima é pequena (quando se caracteriza pelo efeito bombinha de Carnaval – só assusta um nadinha e em nada interfere com o rumo dos acontecimentos senão pelo facto de irritar a pessoa pequeno-traída) então ficamos perante uma triste figurinha que se vê exposta na dura realidade da sua irrelevância até no âmbito da malvadez.

 

Uma pequena traição pode assumir muitas formas e nem sempre nasce de um impulso hostil. Pode traduzir medo, despeito, insegurança e outras fraquezas que se somam à do cérebro limitado em apreço, como é natural despontar como dano colateral da inveja, do ciúme ou simplesmente de um complexo de inferioridade mais extrovertido nas suas manifestações. Nunca implica ódio sequer, de tão modesta nas emoções. É uma espécie de desabafo encharcado pela impotência de quem falha porque não tem por hábito tentar (em sentido lato). E quando a pessoa arrisca não sabe nem consegue aprender como se faz.

De facto não se faz, a ninguém, porque é feio e é mau e tem uma hipótese de sucesso proporcional à da inteligência de quem escolhe trair pequeno porque não chega lá (seja onde for) e instintivamente reconhece a menor valia que o espelho só disfarça no reino da fantasia que é o mundo como gostam de o pintar consigo na pele de protagonistas.

E são, mas de um filme marado, categoria B, tão ilusório que só atrai nuvens de ridículo para cima das cabeças vazias das actrizes e dos actores, ou mesmo o desprezo de quem às tantas já não lhes suporta a representação.

 

É desconfortável constatar a dimensão exígua de uma traição quando a pessoa é alvo da mesma. Isto porque no conflito pela primazia entre sentimentos negativos que tal inspira é sempre a ligeira náusea que acaba por se sobrepor.

03
Nov13

A posta na proliferação dos maus sinais

shark

Desde pequeno ensinaram-me que o dinheiro dos impostos serve, entre outras coisas, para pagar a construção de infra-estruturas vitais como, por exemplo, as estradas.

Essa aprendizagem servia para me preparar para vir a ser, à semelhança das gerações anteriores, um contribuinte exemplar e só isso explica a necessidade de ensinarem tal coisa a um adolescente nas escolas.

 

Aprendi a respeitar essa forma de organização do Estado, da Nação que igualmente me ensinaram a amar, sobretudo antes do 25 de Abril, como uma Pátria pela qual valia a pena morrer nas colónias ultramarinas.

Contudo, existiu de facto uma Revolução que, entre outras coisas, me ofereceu a liberdade de questionar a forma como são conduzidos os destinos no meu Portugal democrático mas nem por isso menos vulnerável a um retrocesso radical ao tempo em que teria que pagar sem um pio tudo quanto o Estado considerasse legítimo para o seu sustento.

E é nesse contexto que abracei a hipótese que me foi dada de pertencer a uma geração livre dos espartilhos próprios de uma ditadura e de poder contestar aquilo que me pareça susceptível de violar os limites da intervenção dessa máquina poderosa à qual confiamos a gestão do essencial no funcionamento do país.

 

A extorsão institucionalizada

 

Voltando ao exemplo dos impostos e das estradas que acima refiro, um exemplo daquilo que considero abusivo é o dos sistemas de controlo de parqueamento na via pública, vulgo parquímetros, precisamente por se tratarem de uma dupla tributação.

O pavimento que todos custeamos permite duas utilizações: a circulação de viaturas e o respectivo estacionamento. Tarifar o mesmo é algo de absurdo e só um lorpa aceita a coisa com base na argumentação hipócrita do controlo do estacionamento abusivo (os impostos também suportam a vigilância nas ruas) e, ainda mais nojenta, a que invoca a protecção do ambiente que, sendo assim tão prioritária, bastaria incidir na própria motorização dos veículos impondo-lhe regras simples mas firmes de limitação do seu efeito poluente.

 

Essa é a minha perspectiva enquanto cidadão quase falido e ainda assim sem fugas aos impostos e por isso sem pés de barro na base das minhas afirmações. Os parquímetros não são mais do que uma indevida fonte complementar de financiamento das maiores autarquias que, sendo legal, não possui qualquer tipo de moralidade ou de ética subjacente. Chamo-lhe mecanismo de extorsão.

Por isso aqui há dias, quando fui prestar a assistência possível a alguém acamado por cerca de quinze minutos e me deparei com uma pequena multidão reunida em torno do meu carro já com um reboque preparado e uma carrinha/escritório da Polícia Municipal a postos para o saque, fiquei indignado e não o escondi e por isso não obtive perdão para os 141 euros que me exigiram para impedir que me levassem o carro para um parque qualquer.

Acabei, no entanto, por me perceber estúpido na atitude para com a meia dúzia de operacionais ali destacados para o raid ao automobilista incauto.

 

Em causa está um troço da rua Maria Brown, perto do Colombo, que possui estacionamento reservado a residentes identificados por um dístico nos seus carros, facto de que eu deveria ter tomado conhecimento através de um sinal de trânsito plantado ao lado de uma árvore cujos ramos o cobrem de forma parcial e muito conveniente para a brigada cuja rapidez denuncia a sua proximidade do local transformado numa ratoeira ignóbil.

 

O povo é quem mais abusa

 

Porém, a minha contestação foi mal direccionada quando por fim me explicaram que aquela situação fora exigida pelos próprios residentes, gente fina em apartamentos dispendiosos que se sentia incomodada com as enchentes em dias de bola ou nas épocas altas da área comercial vizinha.

Ou seja, foi um grupo de cidadãos com poder económico e social que impôs ao município a criação daquela armadilha, legitimando o esquema de uma forma que me deixou esclarecido quanto à reeleição de um indivíduo como Cavaco Silva para chefe de um Estado que os cidadãos parece quererem direccionado para caminhos que colidem em absoluto com os que eu preconizaria.

 

Agora reparem: se eu desenvolvi para com os parquímetros um asco especial, como posso ter numa conta decente qualquer tipo de gente capaz de utilizar a sua influência para defender o conforto do seu feudo local à custa de um esquema tão óbvio na distorção que representa de valores simples como o da partilha do espaço público e que afinal entendem como seu, ao ponto de reclamarem a imposição de um privilégio tão mesquinho?

 

A minha desilusão, semelhante à que enfrentarão alguns bem intencionados da nossa classe política quando confrontados com estas hordas de ovelhas com tiques de lobo no meio do rebanho, tirou-me a força para contestar no momento em que teria de tomar uma decisão relativamente ao pagamento da coima em causa. Paguei e parei de refilar porque me senti envergonhado pelos meus concidadãos daquela artéria da capital.

 

E desde então tenho tentado reparar em mim os estragos em matéria de confiança e de respeito pelos outros que, queiramos ou não, são a maioria reflectida a cada novo pleito eleitoral e que tem confiado de forma desastrosa o leme de um navio que, enquanto passageiro da classe económica, não consigo deixar de temer apontado a icebergues tão ameaçadores como o da entrega do poder a crápulas capazes de aplicarem o mesmo critério, o mesmo princípio medonho em causa neste exemplo da rua Maria Brown a todo o território nacional e com ramificações bem mais complicadas ao nível da relação que queremos manter com quem manda demais e afinal deveria, acima de tudo, apenas organizar.

20
Mai13

A posta que o desculpo na boa e até lhe pagava um café.

shark

O Carlos Abreu Amorim, no que me respeita, é uma pessoa como outra qualquer das muitas que só entram no meu quotidiano através da Comunicação Social ou pelo computador. Não é um amigo, nem um conhecido sequer. E carrega a dupla cruz de ser laranjinha e portista, o que abre enormes perspectivas de antagonismo em qualquer tipo de contacto que algum dia pudéssemos manter.

 

Esse contacto, a acontecer, poderia resultar de uma troca mais ou menos azeda no Twitter, provavelmente acerca de política ou de futebol.

Foi este último o mote para uma tirada imprópria do CAA, um tweet onde apelidava os benfiquistas de magrebinos a quem mandava curvar perante o poder do Grande Dragão em pleno rescaldo de mais esse desgosto lampião.

Deu o corpo às balas, o Amorim. Errou no momento e ainda mais nos termos. Sobretudo por não ser um Carlos qualquer mas sim um cidadão com cargos políticos relevantes e prestes a enfrentar uma prova de fogo eleitoral.

 

No vespeiro em que as redes sociais se tornaram, implacáveis no triturar da imagem de quem meta o pé em falso, a tirada eufórica do CAA suscitou de imediato reacções coléricas que arrastaram outras reacções indignadas e a partir daí tornou-se no alvo fácil da turba.

Eu também manifestei a minha ira perante o insulto nortenho como o senti, benfiquista, agarrando-me à fragilidade da sua condição de figura pública que, como todos nas redes sociais bem sabemos, torna implacáveis os que pousem a vista num qualquer momento infeliz dessas pessoas com responsabilidades e com um estatuto que parecem (e se calhar até são) a todo o tempo obrigados por inerência a justificar.

 

Não tardei a hesitar nas minhas invectivas quando o tom das críticas começou a descambar para o deboche, o insulto fácil com base na característica física mais evidente do CAA. Da minha fúria lampiona fui recuando até quase à solidariedade para com alguém a quem a multidão perdeu o respeito ao ponto de enveredar pela baixeza, como a sinto, de pegar pelo ponto fraco como o entendem de forma cruel e imbecil, o gordo, o trinca-espinhas, o zarolho, a meia-leca.

 

E agora que o Carlos Abreu Amorim, laranjinha e portista, teve a dignidade suficiente para publicar um pedido de desculpa pelo seu impulso palerma mais uma justificação para o mesmo, gesto de que a esmagadora maioria das pessoas que acompanho nas redes sociais seria incapaz, já olho com desprezo para as hienas que se revelam demasiado estúpidas e insensíveis para pararem de tentar morder os calcanhares a um homem que não é meu amigo, nem meu conhecido, mas soube merecer de mim pelo mea culpa em causa um respeito que a canalha mesquinha e embirrenta jamais me conquistará.

13
Mai13

A posta no ponto de não retorno

shark

“Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem obedecer a leis injustas, nenhuma tirania pode escravizá-lo.” – Mohandas Ghandi

 

Embora as tiranias sejam, grosso modo, caracterizadas e identificadas pelos abusos de poder de índole política, de acção governativa alheia aos princípios democráticos que subscrevemos, elas podem acontecer sob outras formas, sob pretextos diferentes dos tradicionais, e até desenhar-se nos bastidores das ideologias, à revelia das mesmas, que se constituem como simples linhas de rumo para a imposição de um sistema prepotente, hostil ou mesmo desumano de gestão dos recursos para além das pessoas, das populações que na prática os geram.

 

É esse o meu retrato da situação vivida em Portugal, como na Grécia, ou em qualquer país cujas circunstâncias o subordinem em demasia a um pulso de ferro financeiro que estrangula a economia até a exaurir e acaba a saquear os cidadãos, sem qualquer nojo perante a ruptura de pressupostos de confiança entre estes e os seus Estados que deveriam ser tidos como sagrados pelos seus eleitos e mesmo pelos seus credores em dado momento da História.

 

Na verdade, uma tirania pressupõe um governo instituído de forma ilegal, o que, é certo, não se verifica por ter sido eleito, ou que seja ilegítimo, o que nesta altura é uma realidade factual perante o evidente divórcio entre eleitos e seus eleitores.

Porém, o abuso de poder torna-se cada vez mais evidente e vai aos poucos revelando os contornos da sua motivação, o móbil de uma actuação mais do que impopular: a inflexibilidade de um poder financeiro aparentemente insensível ao impacto das suas regras conjunturais na vida do cidadão comum e, numa fase a que agora assistimos, na própria essência do Estado que só faz sentido enquanto espelho de uma realidade colectiva e nunca como uma ameaça a direitos individuais que dela brotaram.

 

A legislação que, em desespero de causa, um Governo manietado por acordos e compromissos que parecem sobrepor-se aos legítimos interesses da população entende aplicar pode constituir, aos olhos dos governados, uma verdadeira traição quando viola os pressupostos de confiança que acima refiro e transforma o país numa fonte de pesadelo que já roubou o emprego a quase um quinto da sua força de trabalho e empurrou para o estrangeiro mais de um por cento da sua população em poucos anos.

E não há margem para flores: é de tirania que se fala, quando se priva alguém de rendimentos tidos como certos, as pensões de reforma, no final de vida de pessoas que cumpriram a sua parte no contrato com o Estado sem temerem que este, em qualquer circunstância, o pudesse renegar. Sobretudo numa altura em que para lá da sua subsistência a geração mais idosa se vê obrigada a acudir à da geração que a sucedeu.

 

Envergonha-me, esta falta de honra, esta privação da dignidade imposta a quem acreditou que uma vida honesta de trabalho lhe garantiria um futuro de merecido sossego.

E sinto-a, não há volta a dar, como uma ditadura mansa, imposta pelo poder financeiro, que destrói pedra por pedra as bases do sistema democrático e do próprio Estado, corroendo-o com o descrédito das instituições, conspurcando-o com o desprezo pelas suas obrigações, impondo regras sem respeito pelas pessoas que fazem uma Nação como se esta pudesse dispensá-las.

 

Acredito cada vez mais que estamos já no ponto sem retorno, nomeadamente pela ausência de perspectivas de um futuro melhor a curto prazo.

E tal como na citação com que abro esta posta, estou receptivo a meios cada vez mais radicais que não apenas para combater esta forma de escravatura moderna, mas mesmo para aboli-la.

02
Abr13

Obsolescência planeada: o lucro fácil undercover

shark

É impossível não reparar no facto de a minha máquina de lavar roupa, com mais de 20 anos, ainda cumprir o seu papel na perfeição enquanto a da louça, a caminho do seu terceiro aniversário, já ter precisado de várias intervenções técnicas para manter o seu desempenho medíocre.

Isto a propósito também de um documentário ontem transmitido pela SIC Notícias a uma hora de baixa audiência acerca de um fenómeno chamado obsolescência planeada que, de resto, é apenas mais um indicador do quanto as empresas se tornam aos poucos numa ameaça séria. E já não somente para o bom senso.

 

A obsolescência planeada, resumindo, é um expediente utilizado no fabrico de equipamentos de grande consumo para que estes durem menos tempo do que poderiam e deveriam. Dos exemplos oferecidos no dito documentário destaco um de um condensador xpto alegadamente inventado pela Samsung para em simultâneo reduzir o tempo de funcionamento dos seus LCD e impedir a respectiva reparação (por se tratar de componente exclusivo e impossível de substituir). Mas parecem não faltar exemplos desta iniquidade que para muitos se compreende à luz do funcionamento da economia, embora eu não consiga interpretar a coisa como algo diferente de um gigantesco embuste para rentabilizar a inércia dos consumidores papalvos em que o mercado é fértil.

 

Quando falo em ameaça, tendo em conta os milhões em causa, recordo a atitude cada vez mais hostil por parte das grandes corporações quando instadas a propósito destes esquemas marados de pura intrujice. Se forem consumidores atentos e persistentes ao ponto de recorrerem a tribunais com as evidências do logro, as empresas compram-lhes as almas para assim os dissuadirem. Mas a coisa engrossa quando se trata de jornalistas e disso o tal documentário dá bem conta (deixando de fora a pressão que os gigantes da indústria podem exercer sobre as redacções quando possuem um estatuto de anunciantes poderosos nos media que os submetam a trabalhos de investigação comprometedores para a imagem de glamour que a publicidade se esforça por criar).

 

E quando falo de embuste falo de ameaça também, pois o consumidor acaba por esmifrar a existência para sustentar os vícios de um tecido empresarial mal habituado a lucrar com base no pressuposto de que os fins justificam os meios e determinado em enraizar o conceito de que tudo isso é normal no regular funcionamento do mercado que, como se sabe, é cada vez mais voraz nos seus apetites

Escrúpulos, ética ou moral são termos de um passado empresarial já quase perdido no tempo, tornados obsoletos pela combinação da falta de brio e de vergonha de empresários obrigados a satisfazerem accionistas ou apenas para sustentarem os seus próprios excessos sem olhar à indignidade subjacente a esta vigarice global que mesmo estando na moda não podemos permitir branqueada na sua essência ignóbil.

19
Fev13

A posta que não é só fogo de vista

shark

Embora tudo pareça desenhado para banalizar os muitos horrores que as pessoas protagonizam por esse mundo fora, numa discreta mutação das emoções feita à conta da paulada mediática, continuam a brotar aqui e além nesse terreno fértil da insanidade generalizada alguns episódios capazes de nos obrigarem a transcender a estupefacção (a derradeira etapa antes da indiferença) e a redescobrir o choque emocional que alguns dramas, felizmente, ainda provocam.

 

Só quem sente ou sentiu na cabeça a pressão que um colapso financeiro individual implica pode ter uma ideia do destrambelhamento que isso pode causar a uma pessoa mais sensível ou debilitada.

São vários os pesadelos associados à queda no mundo canalha do incumprimento, um sítio estranho e hostil no qual uma pessoa cuja matriz é a do cidadão certinho e cumpridor descobre de repente o quanto a vida pode mudar quando as contas entram no vermelho por um motivo qualquer ou por uma mera sucessão de imponderáveis.

 

As instituições financeiras são as primeiras a sinalizar essa mudança para pior no estatuto social. Do oitenta de um tratamento VIP com cartão gold ao menos oito de uma frieza a roçar o desprezo com que se distinguem os párias do sistema, do sorriso hipócrita ao franzir do sobrolho, vai uma distância tão curta quanto uma prestação em atraso de um crédito qualquer. Esse sinal de alarme dos engravatados sem alma nem vontade para simpatia, paciência ou mesmo comiseração desencadeia um furor de cobrança que, em pouco tempo, se converte numa estratégia desenhada para enxotar o mau pagador em causa sem apelo nem agravo, depois de esgotados os seus recursos para adiar o problema.

É embaraçoso e é, para quem leva a sério a cena das relações sociais, uma tremenda desilusão para quem se supunha resguardado por um passado isento de mácula e recheado de momentos lucrativos para a mesma instituição que lhe tira o tapete debaixo dos pés.

 

E depois, impossível evitar, o calvário das portas fechadas na cara por aqueles que se tinham por próximos e que afinal apenas somam a uma variante do hoje não pode ser, tenha paciência a divulgação de um problema que se queria confinado ao círculo mais chegado.

Esgotado o roteiro da pedincha, o cidadão entalado percebe-se a sós no centro do furacão e soma ao pânico as raízes de um desespero que cresce em função dos contornos da bronca e do grau de debilidade entretanto atingido.

Telefonemas insistentes, mesmo em horas impróprias. Mensagens repetidas no telemóvel. Cartas frias e ameaçadoras no meio da publicidade a coisas que já não se podem comprar. Isso mais o silêncio de cada vez mais gente de confiança total que se revela relativa quando está em causa essa doença contagiosa da aflição.

 

Dia após dia, semana após semana, os meses contados pelo número de prestações em atraso, a vida cada vez mais vivida numa solidão imposta pelos outros que preferem evitar a maçada e pelo próprio sem forças para reagir.

As consequências, a apropriação compulsiva de tudo quanto possam os credores deitar a mão, fazem-se sentir na perda da dignidade, na vergonha de cruzar o olhar com os vizinhos que lêem o drama afixado na porta do edifício sob a forma de aviso de execução da penhora que, depois de levada a cabo, empurra seja quem for para a rua sem que alguém pergunte se a pessoa dispõe de um tecto alternativo para se abrigar.

 

É este, em resumo, pois pode envolver por acréscimo a degradação do ambiente familiar, o percurso das pessoas apanhadas pelo cilindro compressor da cobrança difícil.

Esmagadas, sim.

 

Tão espalmadas contra o chão que deu uvas, tão pisadas no orgulho, tão privadas de esperança em dias melhores que são capazes de coisas como imolarem-se no interior de uma dependência bancária, como tibetanos.

 

E isso, por quantas vezes se repita nas parangonas, será sempre para mim uma tragédia alheia que sentirei com a tristeza profunda e a revolta solidária de quem jamais perdoará uma sociedade capaz de tolerar que um dos seus possa ser conduzido a um desfecho assim.

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