A razão deu consigo aprisionada, para sua própria protecção. Deslocada para um espaço livre da perturbação que se apoderou daquele mundo interior. Vigiada a todo tempo como se fosse valiosa, algum tempo depois, quando algo lograsse a estabilização daquele lugar.
A razão tentava entender, como lhe competia, tudo o que estava a acontecer e não conseguia porque a loucura a galope na pressão demasiada espalhava informação que deixava desorientada a razão agora detida, para sua própria protecção, num derradeiro bastião de lucidez.
Cercada pela insanidade que acreditava temporária, a razão que restava era mantida isolada do caos que reinava em seu redor e que contagiava raciocínios até não fazerem sentido algum. Mas o sentido era único e obrigatório para a razão que de outra forma perderia a razão de ser, perdia o estatuto de fonte permanente de um saber mais organizado, quiçá mais controlado do que aquele pandemónio instalado no centro das emoções, em todo o lado, o pensamento arrastado para um ritmo impossível de processar em tempo útil para evitar decisões desastradas, iniciativas tresloucadas que a razão jamais poderia tolerar.
Porém, a razão parecia já não mandar e o controlo estava entregue a uma espécie de anarquia, pelas palavras que produzia e pelo comportamento anormal de tudo o resto que não a testemunha estarrecida, a razão que estava detida para sua própria protecção, perto da cabeça mas distante do coração demasiado acelerado nas curvas, salvaguardada do acidente inevitável que tamanho desnorte iria certamente provocar.
A razão não podia arriscar a sua integridade, era a última oportunidade de inversão para um rumo infeliz, para um regresso à lucidez infiltrada na multidão desorientada de fogos de artifício mentais, de pensamentos prejudiciais à estabilidade de todo o sistema.
Tentou ponderar um esquema de recuperação do poder, a razão forçada a aprender uma nova linguagem para a comunicação com toda aquela confusão que reinava onde a ordem deveria presidir.
A razão não podia deixar fugir nem mais um pedaço de si, já fragilizada pela força utilizada na sua providencial detenção, o presídio como salvação da lógica esgotada de argumentos, dos valores tão obsoletos que mais pareciam adequados à exposição num museu, da derradeira resistência à voz de uma consciência revolucionária, de uma insanidade que julgava temporária mas insistia em perdurar sem a razão conseguir criar os limites necessários, as barreiras que impediam os impulsos mais temerários de irem longe demais, para lá do território cartografado nos arquivos do conhecimento empírico e fora do alcance dos mecanismos de controlo impostos pela razão cada vez mais impotente e à mercê daquele motim.
A preocupação já não pensava assim, aparentemente aliviada da pressão pelo efeito da loucura que se apoderava aos poucos do juízo que restava e dessa forma baralhava por completo o raciocínio antes insuspeito daquela a quem competia a primeira linha de defesa contra as ameaças do exterior.
Parecia querer demitir-se das suas funções, livre das preocupações que a justificavam, relegada para segundo plano onde seria figurante na balbúrdia que as forças de segurança da razão tentavam a custo impedir de ultrapassar as fronteiras do senso comum, à solta num ambiente que era terreno hostil para a razão sem reforços nem protecção para lá daquela jaula onde não podia voar como os pensamentos enlouquecidos, como os humores descontrolados que tão má imagem forneciam de uma razão condecorada por tanta ameaça evitada no passado pela razoabilidade sua intervenção.
A razão, prisioneira da sua condição, observava à distância (como aconselhava a prudência) e percebia, aos poucos, que os sãos e os loucos já conseguiam conviver com a insanidade a prevalecer, enraizada ao ponto de parecer natural aquela loucura cada vez mais global que a razão, aprisionada numa masmorra de solidão, adivinhava vencedora a menos que acontecesse um milagre qualquer.
E esse conceito a razão nunca conseguiria entender, quanto mais acreditar...