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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

25
Jun22

A posta que está na hora

shark

Uma pessoa olha para os noticiários ou para as redes sociais e fica estarrecida. Como ainda existimos? Quantos milagres serão necessários para prevalecermos sobre todas as ameaças no horizonte? É aterrador, ponderar acerca do futuro que o presente nos promete. Sem qualquer espécie de foco de esperança, na capacidade colectiva, na liderança, olhamos em frente e não pensamos em avançar, apenas procuramos abrigo para o que aí vem. A alternativa é a da avestruz, a da esmagadora maioria, e não me soa agradável o que isso irá permitir.

Claro que o catastrofismo é uma opção fácil, neste contexto. A pessoa pensa no que pode ser feito e depois olha para os meios ao alcance. E a pessoa desanima um nadinha, sente-se tentada a baixar os braços e a alinhar no tradicional logo se vê. Mas depois a pessoa olha para o passado e acorda para a realidade que nos diz ser imprescindível agir, ser obrigatório intervir de alguma forma para desmentir o aparentemente inevitável.

Detesto inevitabilidades, admito. Só a morte é impossível de contrariar. Tudo o resto tem solução ou, pelo menos, qualquer alternativa que não o deixar andar que nos destrói aos bocadinhos, convictos de que nada há a fazer. Talvez nem haja, em termos globais. Contudo, a História é um viveiro de impossíveis que a vontade individual ou colectiva fez acontecer. Quase sempre em grupo, a união faz a força e sempre se revelou a única arma ao alcance dos que não têm acesso ao poder e o percebem incapaz de fazer o que dele se espera.

Um esforço colectivo, em torno de uma qualquer realidade comum, agiganta a possibilidade de sucesso num mundo feito para as minorias poderosas com maiorias apáticas e fáceis de manipular. Dividir para reinar, a receita ganhadora desde o início dos tempos. E nós alinhamos, nós pactuamos com a consciência dormente que nos impede de combater o que está mal e de renegar os destinos de merda que parecem estar reservados para uma Humanidade sem tino. O poder, ou quem o ambiciona, mobiliza-nos para um ódio por fascículos, direccionado para um "outro" que pode estar de acordo connosco em tudo menos naquilo que não der jeito a quem manda e que será tão mais apetecível quanto mais indefeso em teoria. Por fazer parte de uma minoria ou de um lote qualquer de indivíduos cuja visão do mundo, características físicas, tendências sexuais, convicções religiosas ou quaisquer outras fragilizem alguém aos olhos de quem simplesmente decida embirrar com a diferença.

Um mundo antigo, pestilento, que arrastamos ao longo de gerações e só nos promete sofrimentos desnecessários. Quando todos sabemos, ou pelo menos intuímos, que é possível conseguir melhor. E temos os meios ao nosso alcance, nas sociedades onde a democracia ainda prevalece, para o lograr. Basta despertar para a necessidade de intervir onde podemos, onde devemos, para fazer sobrepor a voz do bom senso ao silêncio cúmplice de quem ocupa os lugares por preencher.

Uma revolução necessária. Sem sangue nem dor. Inteligente, organizada, em torno de objectivos alheios a ideologias retrógradas ou a ganâncias descontroladas. Só para corrigir aquilo que já se provou ineficaz e nos atormenta e nos impede de rumar para um mundo melhor.

Não sei o que nos impede de a fazer acontecer. Ontem já era tarde demais.

 

23
Fev17

Imóvel

shark

Cada saída uma miragem. Como numa espécie de labirinto em circuito fechado. Caminhar sem saber onde, respirar sem saber como, percorrer caminhos sem chão.

Uma estranha sensação de anestesia inoculada gota a gota, dia após dia, no frémito inicial da barata tonta buscando a salvação à cabeçada.

Cada saída uma entrada. No mesmo ponto de partida. Sem a ilusão de uma chegada.

28
Out16

Em águas de bacalhau

shark

Ao contrário dos peixes, nós humanos possuímos os mecanismos de defesa necessários para evitarmos o anzol. Ou melhor, temos apenas um: a inteligência. Mas coadjuvada pela memória que nos permite aprender lições pela lembrança dos nossos erros (ou dos outros), pela intuição que nos alerta para as ameaças latentes e pelo bom senso que, por exemplo, nos diz que não há almoços grátis e recomenda cautela antes de fincar o dente nas ofertas inesperadas.

Todavia, à semelhança dos peixes, nós humanos somos inevitavelmente atraídos por engodos de todo o género. Mesmo do género dos que já antes nos tramaram ou a alguém próximo. A inteligência que deveria proibir-nos o mergulho na asneira (ou mesmo na sua repetição) nada pode fazer contra a força tremenda dos iscos concretos ou imaginários que a vida nos proporciona.

Nem só as criaturas marinhas morrem pela boca. E os humanos somam à irreflectida dentada na minhoca milagrosa, estranhamente ali pendurada pelo acaso ou por um deus, o uso complementar da boca para, por exemplo, falarem demais. Ou seja, não é ao fecharem a boca mas sim ao abri-la que o anzol os apanha.

Nos seus momentos de lazer, ao destino basta sentar-se na margem com uma cesta e os peixes com pernas nela se enfiam mesmo sem se revelar necessária uma cana. De resto, o destino também pesca com rede, a social, como este blogue é prova. Quem não deixa que apelos como a tentação, a ganância, ou mesmo a estupidez conduzam ao anzol acaba muitas vezes por ser apanhado nas redes que são feitas de palavras e constituem por isso águas traiçoeiras para a maioria.

As palavras são um isco irresistível, mesmo para as pessoas avisadas. E têm a temível característica de funcionarem como uma armadilha bidireccional, funcionando com idêntica eficácia quando são cuspidas como quando são engolidas. Num caso ou no outro, até o peixe graúdo se deixa ludibriar e acaba a dar à barbatana em seco na doca da incoerência ou no cais do disparate.

Contudo, e ao contrário dos peixes, depois de apanhados não vamos parar ao tacho ou à frigideira e, salvo raras excepções, voltamos a mergulhar de cabeça na vida que, como o mar, tem correntes e tem ondas e tem marés.

E por vezes só nessa altura, com a cara esparramada na areia, percebemos que do arrojo da natação nas águas revoltas e mais profundas, sejam do mar ou de um rio, pode resultar darmos connosco encalhados num imenso baixio.

29
Jul16

Visto de fora

shark

Os outros, cada vez mais ininteligíveis, optam invariavelmente pelo excesso nas reacções estapafúrdias ou pelo defeito na ausência de quaisquer umas.

Quase todos os outros, na quase totalidade das circunstâncias, parecem empenhados em surpreenderem pela negativa quem lhes cumpre fazerem sentir-se alienígena. E são bons nisso.

Quando, na fase imbecil da sede de integração a qualquer preço, participava sem questionar, sem prestar atenção, os outros pareciam iguais a mim. Ou eu a eles. Cada qual com as suas peculiaridades, mas capazes de orientarmos as condutas, os hábitos e até as opiniões que não arriscávamos extremar nesse esforço para preservar os elos de ligação. A ilusão da pertença.

Contudo, às tantas os outros, quase todos, começam a revelar a tal propensão para a atitude inexplicável ou para o desleixo implícito na respectiva omissão. E a pessoa sente o apelo, a tentação desastrosa, para tentar ver de fora. O risco imenso de observar e em seguida racionalizar o que se vê, agora sob outra perspectiva.

Está tudo doido, conclui-se.

E esse é o primeiro passo na construção daquilo que entendemos como barreiras protectoras. Para evitarmos a ameaça dos outros, aparentemente capazes de nos arrastarem para o turbilhão dessa loucura que pela proliferação assume contornos de generalizada, aumentamos a distância, restringimos a tolerância, entrincheiramos as emoções nesse lado de fora daquilo que, dia após dia, sentimos como uma agressão.

Simulamos a integração na teimosia dos rituais e das ligações cada vez mais apenas obrigatórias. Aturo-te isso porque és da família, desculpo-te aquilo porque és um amigo, vou ao funeral da tua tia que nunca conheci porque trabalhamos em secretárias contíguas.

Fazemos parte assim. Na encenação de uma aceitação do outro porque tem de ser ou ficamos isolados numa vida tantas vezes hostil. E depois os outros reagem mal nessas péssimas alturas ou nem se dignam reagir. Não observamos isso de forma imparcial e isenta, porque fazemos parte da mesma realidade que o acaso cruzou e porque tentamos sem sucesso entender os porquês com base naquilo que queremos ou acreditamos ser e na nossa percepção dos outros cada vez mais desfocada. Ingénuos, ainda fingimos fazer parte nesse momento em que nos provam que já só conseguimos ver de fora.

A partir do interior de uma fortaleza construída com paredes e telhados de vidro, assente num chão frio e opaco que mantenha oculta a precariedade das suas fundações.

05
Jun15

A posta no saber de experiência feito

shark

Ao longo da vida aprendemos, entre outras informações inúteis, que é possível existirem crápulas com bom fundo. Claro que é bem fundo e coberto pelo lodo resultante da acumulação, permanente, de uma forma ignóbil de estar na vida. Mas é bom. Enfim, suficiente para distinguir os crápulas num espectro que vai desde o imbecil incapaz de discernir o bem do mal ao maquiavélico capaz de dar cabo da vida de alguém só porque sim.

 

Conheci imensos crápulas ao longo do caminho e nem posso certificar-me alheio a esta camada cada vez mais numerosa de uma população desprovida de valores que a protejam do abastardar do comportamento.

Partindo do pressuposto de que ninguém é absolutamente mau, podemos quase desculpar os momentos menos bons de alguém caracterizando-os como excepções.

Mas não são. O crápula típico reincide, por muitas velhinhas que ajude a atravessarem estradas para gáudio dos mirones que lhe possam atestar a bonomia. Ser crápula pode ser fruto das circunstâncias, mas na maioria dos casos é mesmo uma característica da pessoa e impossível de controlar.

 

Um dos mecanismos de defesa de um/a crápula é o branqueamento artificial do seu carácter, estendido depois às suas acções. Sim, a pessoa acha-se sempre intrinsecamente boa e consegue invariavelmente colorir os actos e palavras mais ignóbeis com o manto piedoso da mentira, do encobrimento e da distorção. O crápula molda a realidade aos seus olhos porque é também demasiado cobarde para se assumir na condição.

E claro, as vítimas das suas indignidades são sempre pessoas más. É fundamental para o crápula comum posicionar-se do lado certo, o do bem, na sua mente incapaz de processar verdades incómodas. Ou pessoas melhores.

 

Conversa de merda sem aditivos

 

A única medida de protecção cem por cento eficaz contra um/a crápula é a distância (leia-se saída abrupta e definitiva da vida dessa pessoa), pelo que o maior terror de quem rodeia essa gente é ficar sua refém. Um crápula em condições nunca desperdiça um bom flanco desguarnecido para exercer a sua arte.

Em desespero de causa, muitos alvos dos crápulas optam pela aprendizagem da coisa para eventualmente combaterem o filho da puta com filho da puta e meio. Mas isso é como alimentar uma discussão idiota com uma pessoa burra: esta última arrasta-nos para o seu palco natural e não tardamos a sentir crescerem-nos as orelhas.

 

Por isso os entendidos na matéria recomendam, no lidar com o crápula mais comum – a pessoa apenas estúpida demais para perceber o que se passa à sua volta - o desprezo, puro e simples. Nada pior para um/a crápula do que ver-se desprovido de atenção para com as suas exibições de brilhantismo mesquinho, de poder oportunista ou apenas de apelo interior para a má onda. Só mesmo a ausência de relevância desarma o crápula pela escassez de motivação. O crápula gosta que lhe dêem luta, não é um necrófago.

E aprecia imenso que lhe dêem conversa, para recolher dados que possam conferir mais tarde realismo às suas elaborações mentais tão difíceis de defecar pelo exagero de esterco acumulado nas suas presunções.

 

O único combustível para a locomoção das ideias e das iniciativas de um/a crápula é a conversa de merda que alguém lhe alimentar.

E mesmo um crápula acaba por tornar-se inofensivo quando a conversa com as paredes lhe acarreta a tomada de consciência da sua estupidez e da dimensão do seu equívoco e consequente solidão.

 

Quando a soma dos vários desprezos lhe matam a má onda pela subnutrição.

11
Abr15

Da cobardia e outros pretextos da treta

shark

Existem situações criadas por terceiros que me fazem hesitar entre o reconhecimento de uma limitação conjuntural (a cobardia que se sobrepõe ao paleio, por exemplo) e o diagnóstico leigo mas perfeitamente justificado de alguma forma de perturbação mental.

Das poucas pessoas que permitimos próximas esperamos, em condições normais, uma atitude inspiradora de confiança, que transmita a segurança que só os mais chegados nos podem garantir. E isto aplica-se qualquer que seja a natureza do vínculo estabelecido.

É precisamente esse detalhe no estatuto das pessoas (ditas) próximas que nos apanha sempre de surpresa quando é desmentido: se dos “de fora” esperamos tudo, dos “nossos” sabemos com o que contamos. E qualquer falha grave nesse pressuposto é quase sempre entendida como nada menos do que uma traição.

 

Para garantirmos alguma estabilidade emocional e até a valiosa sanidade mental tão ameaçada por hordas de gente chanfrada, se queremos de facto poder contar com alguém, há dois tipos de pessoa que devemos manter à distância: os cobardes, porque desertam; os malucos, porque são imprevisíveis. Pior de tudo, o misto destas duas categorias que garante, ao virar da esquina, uma reacção cobarde, deselegante e por isso hostil e, por via da loucura implícita, quando uma pessoa menos a espera.

 

É difícil identificar um/a cobarde, pois são sempre muito dados a pintarem-se capazes deste mundo e do outro e só se desmascaram quando confrontados/as com uma dificuldade ou um aumento da pressão.

Porém, uma pessoa desequilibrada acaba sempre por dar eco das suas perturbações. Aí o nosso mal está em acharmos sempre que a ligação alegadamente próxima nos permite dar a volta ao problema. Pois, tem um discurso incoerente com a acção e parece andar ao sabor do vento. Mas como gosto muito da pessoa vou ignorar esse sinal de demência e acreditar que a pessoa não negligencia a medicação. Erro crasso.

 

A pessoa que não joga com a equipa toda não controla as emoções, da mesma forma que não tem mão sobre os instintos e os raciocínios. É capaz do melhor e, cedo ou tarde, do muito pior. Se ainda por cima é cobarde, é garantido que à primeira contrariedade se esgueira para debaixo de uma pedra qualquer no sentido de escapar ao excesso de pressão. É esse o apelo natural num/a cobarde, o da deserção. E fazem-no sempre à bruta, de surpresa, de uma forma invariavelmente deselegante e estapafúrdia.

 

Ao longo de quase cinquenta anos de vida, várias pessoas com o perfil e os actos acima descritos cruzaram o meu caminho e, sem excepção, traíram-me no que mais valorizo: a confiança nas poucas pessoas em quem a deposito. E quase sempre associaram, na deselegância da sua fuga mal justificada, a absoluta falta de respeito pelo tal estatuto de pessoa próxima que, posso afiançar, não garante coisa alguma em matéria de certezas.

 

Garante, isso sim, a combinação perfeita para que nunca mais queiramos ver essas pessoas pela frente enquanto ficamos, desilusão somada, entretidos a cicatrizar aquilo que nos deixaram nas costas.

01
Jun13

A posta no nacionalismo induzido

shark

Num país em queda livre os paradoxos multiplicam-se e as piruetas nos destinos de quem fica mais à mercê dos humores económicos criam lógicas de raciocínio tão distorcidas ao ponto de se criarem cenários de aparente esquizofrenia colectiva.

Em causa está um ponto de viragem que parece ter apanhado toda a gente com as calças na mão. A crise, como a chamamos, que parece ter-se instalado confortavelmente no ponto mais flat da onda sinusoidal dos ciclos económicos que dantes funcionavam como as montanhas-russas ou como os interruptores, escaqueirou isto tudo e parece eternizar-se em boa medida pelo desacerto dos decisores.

 

É impossível olhar este país no estado em que se encontra e reconhecê-lo nas proezas impensáveis que nos ensinavam nas escolas antes de acontecer Abril. Afonso Henriques demolidor, um condestável que até era santo, uma padeira de Aljubarrota indómita, caravelas de partida para um mundo enorme por descobrir.

Éramos nós, sim. Os garbosos herdeiros do sangue lusitano, a Metrópole de um império colonial, um país pequeno sobrelotado de heróis, de patriotas, de conquistadores. Até tínhamos o Camões, para dar o toque intelectual a uma nação de campónios como a quiseram e fizeram ao longo de 48 anos, mais o orgulho pela Pátria capaz de impressionar-se a si própria na falta de reconhecimento dos que nos olhavam com indisfarçável desdém.

 

Veio Abril e veio a Europa a seguir, na ressaca do lado menos bom de uma liberdade que também serve para desgovernar. Foi uma reviravolta de sonho e de repente já sonhávamos olhar para países como a França ou a Alemanha de igual para igual.

E depois alguém meteu água e começaram a surgir à tona maroscas, disparates, alarvidades inconscientes daqueles a quem entregámos o poder e, pior ainda, daqueles a quem eles o renderam depois.

De repente, o sonho esboroou-se como uma miragem para uma generosa fatia da população.

 

Leve já, a gente empresta, tudo aquilo que pagará bem caro depois

 

É assim que se destrói uma ilusão. Com ela abate-se sobre muitos uma realidade tão crua como a passagem súbita para uma outra dimensão. Avós reformados a sustentarem os netos e os filhos desempregados sem saberem como liquidarem uma catrefada de prestações. Era inimaginável poucos anos atrás, enquanto os mais poderosos desbaratavam milhões em seu benefício num equilibrismo sem rede para as camadas mais desfavorecidas da população, esta inversão dos papéis.

E depois o anúncio mil vezes repetido da iminência de uma catástrofe tão imensa como a falência cujo espectro se instalou sobre todo um país.

 

É complicado lidar com estas quedas abruptas depois de crescermos a ouvir contar as histórias dos nossos avós emigrados ou mesmo dos que por cá ficaram a construir as lendas familiares de self made men. Parecemos tartarugas tombadas de costas, incapazes de reagir à pressão deste fracasso em câmara lenta que vai arrastando aos poucos cada vez mais de nós, pelo efeito dominó de uma conjuntura aziaga amplificada pela ganância de uns poucos e pela inépcia dos líderes que elegemos para a enfrentar.

Parecemos baratas tontas no cimo de um icebergue em pleno hemisfério sul para o qual, surpresa, a Europa antes generosa anfitriã do nosso pequeno mercado nos quer empurrar.

 

Uma soma de traições muito acima das nossas possibilidades

 

Somos nós como o país. Acusados de preguiça, de desleixo, de incapacidade para gerirmos os nossos destinos, de desgoverno, de falta de tudo aquilo que enchia de orgulho patriota a geração que sabia o que a deixavam de um passado sem mácula, historicamente expurgado de tudo quanto o pudesse questionar. Um fracasso, como nos querem pintar, enquanto povo no seio de uma Europa dos ricos e dos louros e dos sempre melhores que todos os outros burros e calões.

É difícil de engolir um rótulo assim, depois de tantos de nós terem investido umas décadas em carreiras ou em negócios que acabaram hipotecados por malabarismos na alta finança que lhes competia também, a esses europeus bem sucedidos à nossa custa, os europeus de segunda com salários de gente inferior, controlar.

 

Assistimos assim ao desfalecimento colectivo de um país com séculos de História, impotente para travar uma decadência provocada a meias por factores tão externos como uma bolha imobiliária e tão internos como o pontapé eleitoral em falso que a maioria deu nuns alegados arrogantes e incompetentes para confiar o poder a uns comprovados incapazes e imbecis.

 

Arriscamos assim o nome gravado nos anais como fazendo parte de um grupo de portugueses de merda que algures num ponto do tempo permitiram que uma conjuntura marada mais a soma resultante de uma caótica conjugação de factores, nomeadamente as motivações interesseiras aquém e além fronteiras, nos arrasasse o que de mais nos pode valer nesta fase para darmos a volta à situação, os meios de produção indispensáveis para a recuperação, quase a partir do zero em caso de desagregação do projecto europeu, da soberania, do controlo efectivo do nosso país.

 

Neste contexto que acima desabafo, sinto-me preparado para enfrentar a saída da moeda única mais o diabo que carregue quem nos deixou atolar assim.

15
Mai13

A posta que pró ano é que é

shark

Ser adepto deste ou daquele clube é resultado de tantos factores aleatórios e acontece em tão tenra idade que raramente nos lembramos do momento, do tempo e das circunstâncias, em que decidimos abraçar para a vida um emblema e uma cor.

Não nascemos adeptos, mesmo quando nos inscrevem como sócios ainda antes de nos imporem outra canga que é a do baptismo. Fazem-nos adeptos ou apenas embicamos para este ou aquele amor à camisola porque sim.

 

Podemos questionar ou mesmo alterar a nossa opção partidária, a nossa relação amorosa e repensar inúmeras escolhas de caminhos ao longo da vida. Porém, o clube que é o nosso agarra-se à pessoa como uma cor de olhos ou um sinal de nascença.

Perca ou ganhe, é o nosso clube. Por ele gritamos, por ele choramos, por ele torcemos uma vida inteira. E a cada novo jogo, a cada nova época, a cada nova etapa, a esperança de vencer é renovada e não existe martírio suficiente para nos vergar nessa paixão.

 

É impossível de explicar este apego a uma colectividade de forma racional. É mesmo de um amor que se trata, braço dado com uma fé tão inquebrantável que mais facilmente a pessoa deixa de acreditar em Deus. Sobretudo quando este último nos prega partidas tão dolorosas como as duas seguidas que o meu Benfica sofreu.

Tivemos dois pássaros na mão e ambos os casos a ave, mesmo à beira de uma daqueles voos dignos de uma águia, morreu.

Dói imenso, por quão ridículo possa soar a quem passe ao lado destes fenómenos tão estranhos como a loucura da paixão por um clube e acima de tudo, numa hierarquia inquestionável, pela sua equipa de futebol. É coisa para fazer um homem chorar, de alegria como de tristeza, sem que alguém ouse questionar por isso a sua dureza e masculinidade como ainda acontece e muito quando essa manifestação surge associada a outro tipo de emoções.

 

Ser benfiquista, o meu drama pessoal, é coisa de uma intensidade quase insuportável de tão perturbadora do estado normal de consciência de uma pessoa. É toda uma montanha russa de emoções arrebatadoras, jornada após jornada, taça após taça, títulos conquistados e outros, sempre demasiados, a escaparem para um qualquer dos rivais do costume.

 

Ser benfiquista é uma pessoa deitar as mãos à cabeça mergulhada num desalento esmagador quando se enfrenta uma derrota.

Mas também é uma constante renovação desse amor que tanto nos trai, é um renascer das cinzas, permanente, depois de perdoados todos os desgostos, de ultrapassadas todas as arrelias. Cerramos os punhos numa gana danada de pró ano é que é e defendemos a nossa dama contra tudo e contra todos, sem ponderar sequer a hipótese de uma desistência por muitas que sejam as ocasiões em que saímos a perder.

 

Há casamentos que resistem com muito menos do que isto para dizer.

17
Set12

A POSTA NO ESTADO TRAIDOR

shark

Mais por inerência do ofício do que por vontade própria, sou daqueles profissionais a quem é retido o IRS na fonte e infelizmente sou daqueles que têm sempre algo a receber de volta.

Isto implica que o Estado utiliza dinheiro meu durante uns meses, pois é retida sempre uma quantia superior à que o meu rendimento implica tributar. Por mim, tudo bem. A coisa funciona assim há anos e nunca foi minha intenção fugir ao fisco, pela paz de espírito que isso implica mas também porque sempre considerei ser meu dever cumprir com as obrigações fiscais.

Contudo, em tempo de crise cada cêntimo conta. E este ano, pela primeira vez, percebo o que implica ficar refém do Estado quando este entende aplicar a máquina trituradora nos números de contribuinte sem ter em conta que cada um desses números equivale a uma pessoa.

 

Quando se entra no estranho mundo das dificuldades financeiras a primeira constatação, a primeira emoção associada, é a da vulnerabilidade. Percebemos de imediato o quanto o sistema está pensado apenas em função das pessoas bem sucedidas quando vestimos a pele das excepções que o sistema afinal pretende apenas expurgar, como a um grão de areia no mecanismo. Essa vulnerabilidade sentimo-la perante as multas, as taxas, as penalizações que são aplicadas a quem está numa aflição, agravando ainda mais a situação de quem a viva.

A segunda emoção que nos suscita, o aperto financeiro, é a de impotência. Depressa aprendemos que tudo está feito e pensado no sentido de nos arrastar para becos sem saída ainda mais esconsos do que aquele em que nos sabemos de antemão.

 

Essa foi uma lição que na repartição de Finanças da minha área de residência reaprendi, agora que percebi que quando o Estado quer o Estado consegue. E para meu galo o Estado quer ficar com o meu reembolso de IRS deste ano.

Não adianta protestar. É a Lei que manda e a Lei diz que o contribuinte tem que esperar, sem prazo marcado, sempre que o Estado entende adiar a devolução do que não lhe pertence de facto.

Calhou-me ser um dos apanhados pela tal máquina trituradora e agora não posso honrar compromissos porque o Estado decidiu não honrar o seu para comigo, com base num expediente legal e na dificuldade de comunicação com quem decide, os todo-poderosos a quem nem mesmo uma chefe de repartição pode colocar uma dúvida pertinente. Apenas o contribuinte, mediante requerimento que provavelmente nenhuma resposta obterá.

 

É assim que o Estado nos convida a sair do sistema, a preferir as soluções da economia paralela que nos livram de uma despesa cada vez mais elevada e ainda nos poupam estas pequenas traições que em tempo de crise podem implicar o fim da vida normal de uma pessoa, depois de iniciada a espiral de contenciosos e por muito que se tente contrariar a queda.

 

É assim que o Estado, esse papão, tantas vezes se transforma no verdadeiro problema e raramente numa solução.

28
Ago12

A POSTA NO SORRISO AMARELO

shark

Encontro nas declarações de muitos figurões um humor daqueles que suscitam, nos que os rodeiam ou lhes prestam demasiada atenção, uma reacção muito semelhante à provocada pela flatulência: quase toda a gente se ri, mas ninguém sabe explicar onde está a piada.

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