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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

25
Jun22

A posta que está na hora

shark

Uma pessoa olha para os noticiários ou para as redes sociais e fica estarrecida. Como ainda existimos? Quantos milagres serão necessários para prevalecermos sobre todas as ameaças no horizonte? É aterrador, ponderar acerca do futuro que o presente nos promete. Sem qualquer espécie de foco de esperança, na capacidade colectiva, na liderança, olhamos em frente e não pensamos em avançar, apenas procuramos abrigo para o que aí vem. A alternativa é a da avestruz, a da esmagadora maioria, e não me soa agradável o que isso irá permitir.

Claro que o catastrofismo é uma opção fácil, neste contexto. A pessoa pensa no que pode ser feito e depois olha para os meios ao alcance. E a pessoa desanima um nadinha, sente-se tentada a baixar os braços e a alinhar no tradicional logo se vê. Mas depois a pessoa olha para o passado e acorda para a realidade que nos diz ser imprescindível agir, ser obrigatório intervir de alguma forma para desmentir o aparentemente inevitável.

Detesto inevitabilidades, admito. Só a morte é impossível de contrariar. Tudo o resto tem solução ou, pelo menos, qualquer alternativa que não o deixar andar que nos destrói aos bocadinhos, convictos de que nada há a fazer. Talvez nem haja, em termos globais. Contudo, a História é um viveiro de impossíveis que a vontade individual ou colectiva fez acontecer. Quase sempre em grupo, a união faz a força e sempre se revelou a única arma ao alcance dos que não têm acesso ao poder e o percebem incapaz de fazer o que dele se espera.

Um esforço colectivo, em torno de uma qualquer realidade comum, agiganta a possibilidade de sucesso num mundo feito para as minorias poderosas com maiorias apáticas e fáceis de manipular. Dividir para reinar, a receita ganhadora desde o início dos tempos. E nós alinhamos, nós pactuamos com a consciência dormente que nos impede de combater o que está mal e de renegar os destinos de merda que parecem estar reservados para uma Humanidade sem tino. O poder, ou quem o ambiciona, mobiliza-nos para um ódio por fascículos, direccionado para um "outro" que pode estar de acordo connosco em tudo menos naquilo que não der jeito a quem manda e que será tão mais apetecível quanto mais indefeso em teoria. Por fazer parte de uma minoria ou de um lote qualquer de indivíduos cuja visão do mundo, características físicas, tendências sexuais, convicções religiosas ou quaisquer outras fragilizem alguém aos olhos de quem simplesmente decida embirrar com a diferença.

Um mundo antigo, pestilento, que arrastamos ao longo de gerações e só nos promete sofrimentos desnecessários. Quando todos sabemos, ou pelo menos intuímos, que é possível conseguir melhor. E temos os meios ao nosso alcance, nas sociedades onde a democracia ainda prevalece, para o lograr. Basta despertar para a necessidade de intervir onde podemos, onde devemos, para fazer sobrepor a voz do bom senso ao silêncio cúmplice de quem ocupa os lugares por preencher.

Uma revolução necessária. Sem sangue nem dor. Inteligente, organizada, em torno de objectivos alheios a ideologias retrógradas ou a ganâncias descontroladas. Só para corrigir aquilo que já se provou ineficaz e nos atormenta e nos impede de rumar para um mundo melhor.

Não sei o que nos impede de a fazer acontecer. Ontem já era tarde demais.

 

14
Mai22

A posta a preto e branco

shark

De repente, todos os assuntos passaram a constituir meros pretextos para o assumir feroz de um qualquer lado das barricadas. Se há preto e há branco, a discussão elimina de imediato os tons de cinzento. A moderação, entendida como sinal de fraqueza, é dilacerada pelos extremos. És contra ou és a favor. És da minha tribo ou da outra. És meu amigo ou antes pelo contrário. Muitas relações estão a morrer assim, no plano virtual. Mas não só.

Existirão diversas formas de explicar este fenómeno. Contudo, mais do que as explicações interessam-me, por agora, as consequências. Numa altura do mundo em que as ameaças se multiplicam e até são repescadas das gerações anteriores, só a união poderia fazer a força. E verifica-se precisamente o contrário. Nem dentro de cada tribo, de cada colectivo em torno de um ou mais interesses comuns, a paz consegue prevalecer quando os extremos se revelam em qualquer matéria, ainda que alheia ao pólo agregador. 

Isto não prenuncia nada de bom.

06
Abr15

A posta no cavalo errado

shark

Já soam lá fora as pancadas da vida determinada em forçar a sua entrada pela porta das traseiras, uma vida sem maneiras quando entre a sorte e o azar decide, caprichosa, optar pelo mal que nos possa atingir.

A porta que não aceitamos abrir mas a vida arromba com aríetes poderosos, com acontecimentos dolorosos ou com a chave deixada sob o tapete para onde varremos as lágrimas clandestinas, a da porta de acesso ao sótão onde escondemos fragilidades que ela tão bem sabe explorar.

A chuva aproxima-se das janelas com ganas de as esbofetear, ajudada pelo vento que é cúmplice de circunstância, deixado na ignorância acerca do que a vida decidiu seja para quem for. O vento nem sabe se a vida quer acabar com um grande amor só porque sim. A própria vida tem um fim e não se compadece de ilusões de eternidade, vai moldando a realidade de acordo com os seus humores.

As pancadas aumentam os temores e vão quebrando a resistência, a vida tem consciência do quanto dita as regras do jogo no tabuleiro que disponibiliza. É assim que confraterniza com as pessoas que entende como peões. Um passo em falso, pequenas hesitações, escolhas impossíveis como respostas exigidas sem perguntas que as suscitem.

A vida não gosta que a piquem com uma felicidade excessiva, torna-se muito agressiva e pode mesmo perder o controlo. Nas suas leis não existe dolo porque quase tudo acontece sem explicação plausível, a vida pode ser terrível mas não tem maldade intrínseca e por isso todas as vidas morrem solteiras na culpa. Sem maneiras, à bruta, uma vida invade o seu território e impõe o recolher obrigatório das emoções positivas.

A vida está sempre à espreita de pessoas que se acreditam felizes para sempre, de espaço preenchido por gente que sem sentido se confia ao que o destino determinar.

Sob os escombros das certezas arrogantes jazem as ruínas fumegantes de muitas ilusões construídas afinal sobre o que parecia um quintal e se tratava de areia movediça.

E a vida construtora é também demolidora quando se arma em metediça.  

19
Fev15

Numa palavra só

shark

Por quem te tomas?

Onde vais tu buscar essa ilusão de relevância? Às palavras que julgas saber transformar em algo de significativo quando afinal só tu as acreditas assim?

Explica-me devagar porque para mim é um mistério por desvendar, essa tua certeza. Os factos estão à vista, não passas de um contrabandista de emoções em segunda mão. Armado em poeta para imitares os verdadeiros e especiais, com as tuas palavras normais arrumadas de forma vulgar, convicto de que irás angariar alguma espécie de atenção daquela que sempre dão a quem é de facto importante.

Julgas-te relevante e não entendes algo de tão simples como as reacções que não suscitas, os corações que não agitas com a tua escrita boçal.

Por quem te tomas? Por alguém da elite intelectual, capaz de prender a atenção de quem valoriza a inteligência? Mas tu não tens consciência do quanto é patética essa ilusão? Não consegues encarar a realidade, persistes nessa ridícula vaidade e alimentas esperanças imbecis. Nem sentido de humor à altura das pessoas que preferem a juventude brincalhona à postura cinzentona das tuas piadas grisalhas consegues reunir.

Não passas de um verbo de encher e julgas-te um poço de predicados, fantasias olhares apaixonados na merda das palavras que deixas ao pó.

Defino-te numa palavra só.

 

Tristeza…

20
Abr14

A posta numa traição à tua medida.

shark

Traição é um conceito medonho. Tanto pelo que implica como pela sua evolução enquanto metástase de algo ruim que germina em quem trai.

É como uma erva daninha filha da puta que é uma outra bem enraizada no que alguém tem em si de pior. É descendente directa da cobardia, como se comprova pela sua tendência para acontecer de surpresa. Ou melhor, pela inevitabilidade do seu sucesso por via da maior vulnerabilidade das vítimas desse autêntico golpe de estado numa relação próxima.

No entanto, nem sempre a traição (como qualquer outro crime, que o é) compensa. Muitas vezes a pessoa que trai aponta para as costas dos outros mas o karma dirige a seta para os seus próprios pés, pois até uma besta aprende facilmente a trair.

 

Como qualquer das evidências das múltiplas falhas no carácter de muitos de nós e respectivas aplicações práticas na arte de prejudicar outrem, a traição expõe na autoria os medíocres e no resultado, quando menos bom, desmascara os imbecis.

De resto, esta combinação imbatível de rabos de palha (ring a bell, isto da palha?) na personalidade arrasta o/a pequeno/a traidor/a para um nível ainda mais rasteiro do que possa presumir quando quase se esvai na congeminação de um esquema traiçoeiro para torpedear alguém.

 

A pessoa, já de si pequena na intenção, vai trilhando um rasto enquanto serpenteia pelo areal e acaba por se denunciar de forma involuntária, sem capacidade para abarcar tudo o que um plano inteligente engloba, acabando por reduzir o seu gesto malévolo ao estatuto infame da pequena traição.

A pequena traição, assumidamente a mais óbvia na mesquinhez de entre o alargado leque de opções na matéria, é quase um rótulo de “estúpido/a” na testa seja de quem for que a pratique. Se é traição é indigna, se ainda por cima é pequena (quando se caracteriza pelo efeito bombinha de Carnaval – só assusta um nadinha e em nada interfere com o rumo dos acontecimentos senão pelo facto de irritar a pessoa pequeno-traída) então ficamos perante uma triste figurinha que se vê exposta na dura realidade da sua irrelevância até no âmbito da malvadez.

 

Uma pequena traição pode assumir muitas formas e nem sempre nasce de um impulso hostil. Pode traduzir medo, despeito, insegurança e outras fraquezas que se somam à do cérebro limitado em apreço, como é natural despontar como dano colateral da inveja, do ciúme ou simplesmente de um complexo de inferioridade mais extrovertido nas suas manifestações. Nunca implica ódio sequer, de tão modesta nas emoções. É uma espécie de desabafo encharcado pela impotência de quem falha porque não tem por hábito tentar (em sentido lato). E quando a pessoa arrisca não sabe nem consegue aprender como se faz.

De facto não se faz, a ninguém, porque é feio e é mau e tem uma hipótese de sucesso proporcional à da inteligência de quem escolhe trair pequeno porque não chega lá (seja onde for) e instintivamente reconhece a menor valia que o espelho só disfarça no reino da fantasia que é o mundo como gostam de o pintar consigo na pele de protagonistas.

E são, mas de um filme marado, categoria B, tão ilusório que só atrai nuvens de ridículo para cima das cabeças vazias das actrizes e dos actores, ou mesmo o desprezo de quem às tantas já não lhes suporta a representação.

 

É desconfortável constatar a dimensão exígua de uma traição quando a pessoa é alvo da mesma. Isto porque no conflito pela primazia entre sentimentos negativos que tal inspira é sempre a ligeira náusea que acaba por se sobrepor.

05
Mar14

As cruzes da ribalta

shark

Por vezes desacreditamos personagens de filmes, incapazes de acreditarmos que existam pessoas assim. Isso aplica-se tanto às pessoas demasiado boas como às antes pelo contrário e nem precisamos de recorrer a exemplos extremos, incapazes que somos de aceitar alguns desvios de personalidade como possíveis.

Contudo, a vida vai-nos confrontando com uma realidade na qual existem de facto personagens de filme. Pessoas aparentemente normais mas capazes de protagonizarem situações impensáveis, para o bem ou para o mal, numa versão bipolar mansa que apanha de surpresa quem nunca está a contar. Gente estranha ou mesmo perigosa, pelas repercussões das suas iniciativas nas vidas que possam directa ou indirectamente afectar.

 

Imagine-se aquele cidadão que toda a vida ajudou velhinhas a atravessar a estrada e um dia empurra a anciã para debaixo de um camião. Coisa de filme, claro. Mas depois abrimos um jornal e lá está o facto insólito, mais os vizinhos surpreendidos por aquele gesto de quem afinal sempre foi boa pessoa.

Este conceito da boa pessoa é dos mais escorregadios nos dias que correm. Tanto pela ausência de valores determinantes para orientarem a conduta como pelo excesso de factores de perturbação capazes de desequilibrarem qualquer um/a.

O problema reside na facilidade com que a pessoa veste a pele de gente de bem, bastando alguma paciência na gestão da imagem. O objectivo final é obter aos olhos dos outros o tal estatuto de boa pessoa que dá trunfos para o jogo de influências tão em voga desde o dia em que alguém reparou na galinha da vizinha ou apenas na superioridade da dimensão humana de alguém que, apenas por isso, se constitui um estorvo, um embaraço potencial pela ameaça da comparação.

 

A falsa boa pessoa tem o condão de levar à certa quem prefere sempre acreditar no melhor cenário ou apenas naquele que é descrito à revelia de um alvo qualquer, sem contraditório. Se é uma boa pessoa que diz mal, é verdade com toda a certeza. E pelo menos a dúvida fica instalada até prova em contrário difícil de surgir quando a suspeita já manda no guião.

É assim que algumas personagens se constroem, história a história, mesmo sobre os escombros dos vilões inventados para justificarem a sempre rentável condição de vítima ou simplesmente porque sim.

E as encenações resultam, pelo menos enquanto das palavras não se passa às acções. É aí que torce o rabo a porca da verdade de um carácter moldado de forma tosca, baseado no recitar infindável de ladainhas ou de mentiras que contadas mil vezes transformam qualquer sapo num príncipe de fachada que desaba ao primeiro abanão na fantasia de Carnaval.

 

Estas coisas parecem inocentes, mas não são. Precisamente porque se nos filmes podemos atribuir à dramatização algum exagero na postura da pessoa a fingir, na vida a sério não existem atenuantes para as palavras ou as acções indignas quando acontecem sem justificação possível ou, ainda pior, quando servem claramente um propósito indecente que desmascara o actor ou a actriz.

E depois há o impacto negativo nos outros, muito mal no boneco da trama em carne viva, as consequências nefastas a empurrarem galãs de plástico e divas de silicone para fora do pedestal que nunca souberam merecer.

 

Há todo um karma ao qual nem as boas pessoas dignas de um Oscar conseguem fugir.

01
Abr13

A posta que agora envelheci

shark

Existem emoções tão fortes, tão inconvenientes ou simplesmente tão despropositadas que em dados momentos quase nos obrigamos a anestesiá-las.

A vida, sobretudo quando se complica, confronta-nos com essa necessidade absoluta de, no mínimo, aprendermos a dosear qualquer exibição do sangue que nos ferve por dentro e precisamos conter na sua sede de explosão.

E a vida sabe como criar as condições para nos deixar no colo as situações, boas e más, que moldam algo a que se convencionou chamar de experiência de vida ou maturidade ou qualquer outra alternativa ao macaco e respectivo calo no cu.

 

Tempos atrás entraria em detalhes. Numa primeira fase por acreditar de forma ingénua que isso interessaria a alguém e depois por me ter convencido, de forma imbecil, que a exposição pública seria argumento determinante de entre os que, à época, trazia gente a este espaço.

Agora dispenso-os, tanto pela irrelevância para os outros como pelo respeito para comigo mesmo.

De resto, do quanto os dramas pessoais de terceiros provocam algum tipo de reacção nos chamados seguidores das redes sociais (e eu também visto essa pele) fiquei recentemente conversado em episódio que me ilustrou o quanto não existem atenuantes para os maus momentos, em quaisquer circunstâncias, quase pelo mesmo motivo que leva os bons momentos a não implicarem quaisquer troféus.

 

Somos aquilo que somos e não vale a pena o esforço investido na maquilhagem dessa essência que acaba por transbordar, bastando uma cedência ligeira a uma ou mais pressões que nos diminuam a resistência e/ou a concentração indispensáveis para conseguirmos distinguir os dias inapropriados para a interacção e lá estamos, de costas no chão, à mercê da implacável punição. E essa pode vir sob a forma de uma consequência negativa na nossa relação com os assuntos como com as pessoas, na vida lá fora como nestes ambientes virtuais que cada vez menos me prendem a atenção.

 

Por isso nos vemos forçados a limitar ao máximo a informação acerca de quem somos e ainda mais qualquer demonstração das nossas lacunas e fraquezas, sendo certo que dos fracos não reza a história e que em tempo de crise resta de nós muito pouco para oferecer aos outros, nomeadamente no que respeita à sensibilidade, à paciência ou apenas ao saco para aturar dramas alheios ou apenas para tê-los em conta num contexto infeliz de alguém.

Por isso vou aos poucos deixando morrer a minha intervenção neste blogue como, aliás, o faço em qualquer outro meio. Não tenho vontade de dizer demais nem a vida me autoriza a fazê-lo, desarmado que me encontro perante as consequências possíveis de um momento demasiado revelador. E não tenho energia para buscar alternativa (e consolo) na criatividade da ficção que me ofereceria de bandeja um meio de expurgar os meus medos, os meus anseios, as minhas aflições, mas também de extravasar as minhas esperanças, as minhas vontades ou, acima de tudo, as minhas emoções.

 

Isto para dizer o seguinte, assumindo a aparente cobardia implícita mas que, bem vistas as coisas, não passa de um mecanismo de defesa próprio de quem não quer nem precisa de maçar os outros e estes a mim, nesta fase complexa que preciso de enfrentar com o máximo de solidez: sempre que se imponham pedidos de desculpa meus, é quase certo que implicam igualmente algum tipo de adeus. 

19
Jan13

Um sentimento de alegoria

shark

Tudo na vida tão dependente de um qualquer detalhe insignificante como o entendemos, ou não acabaríamos por o negligenciar. Um passo em falso depois de quilómetros de caminhada e tombamos no vazio, naquilo que se revela como o fim da estrada com o qual nunca queremos contar.

Queremos apenas caminhar para diante, às cegas, tentando adivinhar o percurso ideal por apalpação do quente ou do frio, do muito duro ou demasiado macio, tacteamos as opções quase de raspão enquanto alimentamos a ilusão de uma viagem sem fim.

Tropeçamos vezes sem conta e outras tantas precisamos de reunir a força necessária para manter de pé a esperança que nos move sempre rumo ao que ambicionamos melhor.

Decisões tomadas à pressa, sob a pressão dos dias que se tornam horas e depois são minutos, tanto tempo investido que em segundos deitamos a perder com algo de tão aparentemente inofensivo como uma reacção despropositada, uma liberdade exagerada que concedemos ao feitio que julgamos, ingénuos, ser obrigação dos outros aceitar nas suas limitações.

 

Alimentamos ilusões como se fossem filhas que nos compete criar, inventamos-lhes sustento na imaginação, sem adivinharmos o quanto podem não passar de mais um pedaço de chão que nos foge debaixo dos pés como cada dia que nos prova a inevitabilidade do envelhecer, o tempo que acabará por se esgotar connosco perdidos no meio do caminho escolhido, na maioria do percurso, pelos empurrões com que a vida nos desvia para os seus atalhos que nunca encurtam a caminhada e tantas vezes nos afastam de vez da rota traçada no mapa em papel fantasia quando o tempo parece todo o do mundo para lá se chegar.

Queremos apenas perseguir a linha do horizonte, sem tréguas, tentando acreditar que um dia conseguiremos de facto agarrar aquele sol teimoso que todos os dias se escapa e se esconde e nos obriga a reunir a fé indispensável para voltarmos a tentar, depois de tanto esforço investido nas farsas que aceitamos como um mal menor, como meios para atingir os fins que nos surpreendem nessa condição.

 

Porque nunca parecem aquilo que são.

19
Jun12

A POSTA NUMA BOSTA PROTEGIDA PELA FÉ (EM CINEMASCOPE)

shark

Nunca deve ter passado pela cabeça dos dinossauros que um dia iriam extinguir-se. Eram grandes, eram fortes e o planeta parecia feito à medida para nada lhes faltar (tirando uma ou outra alteração climática mais acentuada que lhes podia dar cabo das hortas e da criação).

Ainda não sabemos bem como, mas a maioria aponta para o céu a explicação. Terá sido intervenção divina, um calhau grande o bastante para virar a superfície da Terra do avesso e cobrir a atmosfera com o pó que os privou da luz do sol e abriu caminho ao império dos mamíferos dos quais nos destacámos depois de uns tempos a estagiar com o resto do macacal.

 

Os dinossauros, coitados, foram apanhados com as calças na mão e acrescentaram um saber que de pouco lhes valeu na altura: tamanho não é documento.

E lá andaram os antepassados das ratazanas a disputar território e recursos com o resto da bicharada estranha desses dias e algures surgiram os símios e os dinossauros devem dar duas voltas no fóssil quando constatam os minorcas que lhes sucederam na fila para uma calhauzada qualquer. Ou uns mísseis bem ogivados, também se chega lá assim.

Tal como os anteriores inquilinos desta esfera azul enquanto não acabamos de a pintar de outras cores, não nos passa pela cabeça que a extinção seja uma possibilidade a considerar.

Soa quase herética tal profecia pois qualquer religião com bom senso soma dois mais dois e arranja sempre forma de haver sobreviventes no dia do Juízo Final.

Os dinossauros perderam-se pela falta de fé, no fundo...

 

Nós, antes pelo contrário, até já fazemos filmes nos quais enfrentamos telescópios nos olhos os calhaus enormes que nos possam ameaçar e ganhamos!

A esperança é a última a morrer e mesmo o seu funeral será filmado pela Paramount Pictures (os tais sobreviventes que a fé cuidará de salvar, lembram-se?), pelo que os inventores dos coletes à prova de bala nada terão a temer, pelo menos na sua minoria.

Nisso, os dinossauros não tinham o que lhes valer. O perigo caiu-lhes em cima sem que tivessem sequer tomado consciência da ameaça que a grande fisga cósmica lhes catapultou. E os mais agnósticos poderão até arriscar que nem a fé lhes valeria em tais circunstâncias e se calhar nessa até têm razão.

Claro que nós, tão eternos e tão alegadamente únicos seres vivos do universo e arredores, criados à semelhança de Deus (aí, os dinossauros e a Lili Caneças não poderiam competir), temos uma fé à prova de imprevistos e já temos as ameaças possíveis todas catalogadas. Ainda elas mal acabam de se manifestar e já alguém está a proceder ao registo, análise e comentário detalhado em horário nobre nas televisões. Nada nos surpreende, pois acreditamos piamente na inevitabilidade da sobrevivência de mais do que (logo elas) as baratas mesmo em caso de holocausto nuclear.

Aliás, Hollywwod já previu a ocorrência em películas como o famoso The Day After, tudo sob controlo no reino dos cenários.

 

Tudo isto a propósito da fanfarronice com que todos percorremos o nosso tempo no nosso espaço, certos de que por muita trampa que produzamos jamais ficaremos soterrados (enterrados?) sob a mesma como o Samuel (Beckett) tão bem teatralizou.

Podemos envenenar os rios, abater as árvores todas, intoxicar a atmosfera com todos os dejectos gasosos que conseguirmos soltar como lastro, como um rasto que o progresso justifica e a nossa magnificente e esplendorosa existência impõe. O medo não nos assiste nem relativamente aos calhaus caídos sobre o toutiço (a todos? Não, uma pequena mas irredutível aldeia gaulesa...) nem aos holocaustos nucleares, nem às alterações climáticas.

Somos invulneráveis, insubstituíveis, todo-poderosos senhores do planeta que Deus limpou de lagartos de maiores dimensões para nos oferecer um paraíso para pintarmos de fresco com a nossa natureza de térmitas talhadas para roer os próprios pilares de sustentação da vida.

 

Toda a bicharada do Mesozóico, mesmo que defecasse em simultâneo, não conseguiria melhores resultados na transformação disto tudo numa gigantesca (à nossa pequena escala) instalação sanitária a céu aberto por mais que se tente esconder.

Chamamos-lhe evolução, mas eu não vejo grande diferença entre a bosta imensa de um brontossauro do jurássico e a merda produzida pelos actuais broncosauros de um período que a indústria cinematográfica e a Ciência só poderão, no futuro dos amanhãs que sorriem na tela, retratar como a era do patético.

Inferior.

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