Dois Mundos
Da semana que passou, retive a imagem da voluntária da Cruz Vermelha que abraça um refugiado senegalês.
Uma imagem poderosa do que de melhor ainda conseguimos produzir em matéria de Humanidade. Uma pessoa a transmitir calor humano a outra pessoa fragilizada. Sem olhar a quaisquer critérios que não os do instinto protector que todos deveríamos cultivar uns pelos outros, aquilo que nos conduziu até aqui e nos permitiu fintar a extinção ao longo de uma história de competição por um lugar entre o resto da bicharada.
Contudo, se o que quero reter é o que acima refiro, não me inibo de constatar a reacção furiosa de hienas feitas gente que, de tão agressivas, obrigaram a voluntária a fechar a sua conta nas redes sociais. Naquilo em que li, como, espero, a maioria, um gesto bonito que a todos enobrece, uma multidão de grunhos lê algo que os enfurece, que os enoja, que os catapulta para a agressividade latente que é subjacente a ideias racistas e outras que pressupõem o primado da lei do mais forte. Daqueles que definem hierarquias entre seres humanos em função da raça, do credo, da nacionalidade ou de outro detalhe qualquer que os distinga dos arautos de uma supremacia tão absurda quanto boçal.
Desprezo aberrações assim, capazes de hostilizarem seres humanos em aflição, depois de lhes avaliarem o tom da pele ou a proveniência e os identificarem na condição de indesejáveis, de descartáveis ou mesmo de alvos a abater. Capazes de deixarem de ser pessoas ao ponto de não reconhecerem outras pessoas enquanto tal.
A imagem da semana, esta que retive, reforça tanto a minha esperança na existência de muita gente extraordinária, capaz de nos oferecer um mundo melhor, quanto alimenta, nas reacções antagónicas, o meu receio de que roçamos perigosamente o ponto a partir do qual essa gente extraordinária sucumbirá à maioria.