A posta no cavalo errado
Já soam lá fora as pancadas da vida determinada em forçar a sua entrada pela porta das traseiras, uma vida sem maneiras quando entre a sorte e o azar decide, caprichosa, optar pelo mal que nos possa atingir.
A porta que não aceitamos abrir mas a vida arromba com aríetes poderosos, com acontecimentos dolorosos ou com a chave deixada sob o tapete para onde varremos as lágrimas clandestinas, a da porta de acesso ao sótão onde escondemos fragilidades que ela tão bem sabe explorar.
A chuva aproxima-se das janelas com ganas de as esbofetear, ajudada pelo vento que é cúmplice de circunstância, deixado na ignorância acerca do que a vida decidiu seja para quem for. O vento nem sabe se a vida quer acabar com um grande amor só porque sim. A própria vida tem um fim e não se compadece de ilusões de eternidade, vai moldando a realidade de acordo com os seus humores.
As pancadas aumentam os temores e vão quebrando a resistência, a vida tem consciência do quanto dita as regras do jogo no tabuleiro que disponibiliza. É assim que confraterniza com as pessoas que entende como peões. Um passo em falso, pequenas hesitações, escolhas impossíveis como respostas exigidas sem perguntas que as suscitem.
A vida não gosta que a piquem com uma felicidade excessiva, torna-se muito agressiva e pode mesmo perder o controlo. Nas suas leis não existe dolo porque quase tudo acontece sem explicação plausível, a vida pode ser terrível mas não tem maldade intrínseca e por isso todas as vidas morrem solteiras na culpa. Sem maneiras, à bruta, uma vida invade o seu território e impõe o recolher obrigatório das emoções positivas.
A vida está sempre à espreita de pessoas que se acreditam felizes para sempre, de espaço preenchido por gente que sem sentido se confia ao que o destino determinar.
Sob os escombros das certezas arrogantes jazem as ruínas fumegantes de muitas ilusões construídas afinal sobre o que parecia um quintal e se tratava de areia movediça.
E a vida construtora é também demolidora quando se arma em metediça.