A posta na bielobronca
Intimidar, perseguir, prender, esquartejar. Tudo o que for preciso para silenciar jornalistas, é a marca d'água de qualquer regime alheio ao conceito de democracia propriamente dito. E a coisa só varia em função do nível de degradação democrática em cada país. Nas democracias ocidentais "apenas" os tornam reféns do poder financeiro, mas em muitas das outras, assumidamente de fachada, os jornalistas são alvos a abater. Porque a verdade é sempre a maior inimiga de qualquer ditadura.
O recente episódio protagonizado pelos bielobrutos ilustra o quanto é importante para os regimes fascizóides transmitirem uma mensagem clara: a verdade é uma ameaça que não estão dispostos a tolerar. E para isso contam com as reacções frouxas de decisores menos descarados, mas igualmente perturbados no exercício do poder pelas vozes incómodas, pelas palavras inconvenientes que se preferiam pintadas de outra cor, a sua. Mas a liberdade não dispensa as mordomias inerentes à exposição pública da realidade como ela deve ser contada, tal e qual, enquanto expressão e testemunho do que verdadeiramente representa.
Privar da liberdade jornalistas por cumprirem o seu papel equivale a punir a prática de tudo aquilo que nos resta para garantir a sobrevivência dos valores democráticos. Equivale a minar a última barreira aos poderes autocráticos que não resistem à divulgação dos seus excessos, dos seus esquemas perversos, da lei do mais forte que é o único sustentáculo das suas ambições.
Diversas democracias europeias foram abandonadas à sua sorte quando, nos anos 30 do século passado, uma ditadura deixou de rosnar para passar a morder países inteiros. A própria democracia era então questionada enquanto regime por demasiados cidadãos europeus, Áustria e Checoslováquia foram entregues sem luta como moeda de troca para evitar males maiores. A Polónia, à bruta, invalidaria a eficácia dos paninhos quentes, do erro colossal em que as democracias modernas não podem dar-se ao luxo de insistir.
O sinal que não se pode transmitir é o da cedência que rapidamente se traduz no abdicar de valores que precisamos defender de forma intransigente. Se não quisermos ver a História repetida.