Para além de desconchavarem as finanças às pessoas, as crises provocam um dano colateral que é o de desconchavarem as próprias pessoas. Isso é fácil de constatar em dois ou três dias de maior atenção às conversas de café, nas quais se expurgam as emoções violentas provocadas pela dificuldade em escolher o destino de férias ou em jantar todos os dias ou em encher por completo os recintos de diversão, nomeadamente os centros comerciais e os estádios de futebol.
Se a pobreza envergonhada é constantemente denunciada por tudo quanto é organização de índole humanitária presume-se que os mais aflitos não falam da crise, antes a calam bem fundo e tentam disfarçá-la a custo perante os olhares atentos da vizinhança habituada a topar esses indicadores de oscilação no estatuto social que tanto pesam nos moldes de relacionamento a adoptar.
Quer isto dizer que as conversas de café são alimentadas precisamente por quem não faz ideia do que é a falta de dinheiro para pagar a prestação ou a renda da casa, apenas ouve falar, e não quer dar nas vistas pela positiva.
Quem fala da crise acaba sempre por denunciar o seu alheamento às respectivas consequências. Claro que não falta por onde pegar, os dramas do quotidiano nos telejornais, o problema dos outros, e o inevitável malandro do Sócrates que provavelmente foi o responsável até pela crise financeira mundial.
E um gajo fica calado a mexer o açúcar na chávena, a ouvir a multidão de entendidos acerca disto das crises, gente de gerações recentes, de camadas da população que não fazem ideia da dimensão que a coisa assume no quotidiano de quem precisa de pedir batatinhas na mercearia porque no hiper ninguém as fia.
É gente que numa altura em que a Pátria mais precisa de força e de coragem para dar a volta prefere rosnar que mais valia entregarmos esta merda aos espanhóis (ou aos filipinos, tanto faz desde que sejam mais abastados).
E um gajo continua calado a mexer o açúcar na bica que já é um luxo enquanto os entendidos nesta coisas das dificuldades de uma pessoa, a prestação do leasing do carrão, a reparação do plasma, a mensalidade do colégio privado, as férias que já não podem ser na Tailândia mas, a muito custo, talvez no Peru ou assim.
E só dá ganas de um gajo romper o silêncio com algo mais do que a pancada da colher na chávena, de lhes chamar estúpidos com as letras todas por não saberem do que falam e por exibirem a estupidez numa coisa tão óbvia como virarem-se para Espanha, preguiçosos, quando toda a gente sabe, ignorantes, que não faltam argumentos para justificar como melhor escolha para a entrega do país, sobretudo em termos de futuro na única preocupação que os move, uma potência emergente como a China.
Ou, na que seria a minha alternativa de eleição (para aproveitarmos o acordo ortográfico e assim, sua gente burra e sem visão estratégica global), o mais ensolarado dos novos-ricos, o nosso irmão Brasil…