26
Ago05
A POSTA NA DIFERENÇA
shark
Foto: sharkinho
Desde que me conheço passei a vida a gerir equilíbrios instáveis e outras aflições. É uma tendência minha, algo que me persegue sob as mais variadas formas. Sou chamado com frequência a atender a situações complicadas, nem sempre directamente relacionadas com a minha intervenção. Mas também.
Está na minha natureza mergulhar de cabeça na confusão. E depois logo se vê. Claro que nem sempre corre bem, mas tenho aprendido bastante ao longo destas caldeiradas que povoam as minhas memórias e o meu quotidiano. Tenho aprendido a gerir o caos.
Família e amigos sempre recorreram aos meus préstimos quando surgiu uma situação das mais complicadas de enfrentar. O raciocínio é óbvio: "se o gajo é forte e conseguiu dar a volta a tanto caldo, consegue de certeza encontrar uma solução para este (sempre tão mais simples de resolver)". O gajo sou eu e acumulei com a minha propensão para me meter em alhadas a "mística" própria de um veterano dessas situações.
E em boa verdade se diga que uma pessoa habitua-se aos filmes com argumentos mais complicados. Ao ponto de parecer encaminhar a vida para becos sem saida ou salganhadas fora do comum. Um excêntrico, como eu me defino quando me deparo com as estranhas linhas com que me cosi. Uma vida feita de originalidades, maluqueiras e imensas decisões polémicas. Em casa, na escola, nos ofícios que exerci, nas relações sociais ou no amor. Em todas as vertentes que a minha intervenção consegue fazer-se sentir. Cedo ou tarde, uma caldeirada no colo de alguém.
Sim, porque tipos como eu acabam por arrastar os mais próximos para o centro do furacão. Nem sempre se mantém controlada a gestão de um caos como deve ser. A desordem provocada pelos comportamentos não naturais, as extravagâncias que me caracterizam, pode ter um impacto terrível na vida dos que me rodeiam. É um preço adicional exigido a quem pretenda aproximar-se de mim. O preço das minhas aberrações peculiares.
Isto não implica de forma alguma que eu não consiga manter uma aparência normal e levar uma vida similar às de qualquer um de vós. Ou seja, não desato aos berros no meio do hipermercado nem me ponho em pelota na estação do metropolitano. Tenho apenas algumas reacções, ideias e comportamentos que destoam do que se convencionou apelidar de normal. E por isso me estampo nos caminhos da vida com alguma regularidade e precisão. Por fazer tudo ao contrário do que esperavam de mim, pessoa vulgar.
Mas não acredito que sou, por muito que isso me acarrete dissabores. Tenho meia dúzia de merdas que me distinguem da maioria das outras pessoas e gosto de cultivar esses sinais particulares. Fazem parte de mim, tal como sou, e são indissociáveis da minha forma de estar. E eu estou numa boa, sempre que não me privam de uma das seguintes coisas: paciência, respeito e liberdade de expressão (ou outras). A liberdade, como refiro sem cessar, é fundamental para mim. Faz parte da essência que me traduz. O respeito é uma obrigatoriedade que não dispenso, até para que às minhas doidices não se associem consequências foleiras na relação futura com as pessoas. E a paciência é um requisito indispensável para me conseguirem aturar. Sou um dependente do perdão dos outros, da sua capacidade para tolerarem algumas bizarrias e respectivas manifestações. Mas dou sempre em troca o melhor de mim e garanto que não me falta o que dar. Até porque faço questão de compensar quem me atura, de mostrar que existem em mim características capazes de compensarem as minhas parvoeiras.
A gestão de equilíbrios constitui, portanto, um estimulante desafio para mim. Gosto de os enfrentar, os desafios, e gosto de os obter, os equilíbrios. E acima de tudo gosto do gosto que só a vitória nos dá. A vitória sobre os eternos impossíveis, as proibições incontornáveis e as metas que ninguém consegue alcançar. Utopias, se quiserem. Persigo-as com ardor e às vezes espalho-me ao comprido no seu culto e tentativa de viabilização. Mas espalho-me feliz, a tentar.
Gosto de fazer a diferença. Na minha vida e nas das outras pessoas. Gosto de violar regras, de contrariar negas e de boicotar convenções. Sempre que isso me abre as portas a um mundo melhor, mais feito à minha maneira, mais ajustado ao homem que sou. A mim e a quem amo ou prezo o bastante para impor a minha excentricidade e a imprevisível variação nos humores que só um grupo muito restrito consegue aceitar.
A irreverência é uma das minhas obsessões. Cultivo-a para me sentir alerta a todo tempo para a necessidade de contrariar o poder sob qualquer das formas negativas que o transformam num viveiro de limitações.
E para saber presente no tubarão, em cada momento, a vontade irreprimível de combater a apatia, de hostilizar a cobardia e de espremer da vida o melhor que ela tiver para me dar.
Sumo de pessoas. Torrentes de memórias. Fluídos de paixão.