30
Out07
A POSTA NO JORNALISMO DE EXCELÊNCIA
shark
Confesso que me desagradam ambos os protagonistas, tanto em termos pessoais como políticos. E isso, aliado ao facto de em tempos ter vestido a pele de jornalista, cria-me o dilema típico de qualquer advogado do diabo e torna este assunto num mote desconfortável para a escrita.
O presidente francês, Sarkozy, abandonou a meio uma entrevista ao programa 60 Minutos da CBS, que a SIC Notícias anuncia como jornalismo de excelência, num gesto com inegável paralelo ao de Santana Lopes aquando da interrupção absurda de uma entrevista sua a propósito da chegada de Mourinho ao aeroporto em viagem de férias.
O paralelo, confrangedor quando envolve uma cadeia de televisão com a responsabilidade que a CBS deve assumir, reside no facto de os dois entrevistados se sentirem no direito de desrespeitar os jornalistas cuja conduta profissional se pautou pela futilidade inerente à cegueira provocada pelas guerras de audiências.
É de respeito que se trata. Useiros no enxovalho da classe política com base nos casos pontuais que o proporcionam, os jornalistas começam agora a sentir na pele o mesmo veneno que destilavam com alguma razão. A mesma razão que coloca a classe no seu todo sob um manto de suspeições variadas, as que derivam por um lado da óbvia subserviência aos grandes grupos financeiros que lhes garantem os postos de trabalho (o fenómeno não é exclusivamente português, como se constata) e que os leva a enveredarem pelo jornalismo pimba e, por outro lado, as que estão ligadas ao incumprimento das regras deontológicas do ofício ou, no mínimo, ao mais elementar conjunto de pressupostos éticos e/ou morais que antes prevaleciam enquanto imperativos teóricos a abraçar sem excepção.
Falo de dignidade, de elevação e de bom senso. Falo de um conjunto de requisitos que aliados ao rigor e ao amor pela verdade sem névoa garantem a credibilidade da informação mas também o delicado equilíbrio onde assenta o critério da pertinência.
O mais evidente paralelo entre as duas situações a que aludo reside precisamente no desprezo negligente das redacções em causa pelos requisitos que enumerei.
É tão absurdo interromper uma entrevista a um ex Primeiro-Ministro em vésperas de um congresso do maior partido da oposição para emitir um directo da chegada para férias de um treinador de futebol como o é, ainda pior pelas proporções, desperdiçar o tempo concedido para uma entrevista ao Presidente de uma das mais poderosas nações europeias com perguntas de índole pessoal, numa onda talk show.
Os jornalistas estão a transformar-se em moços de recados, em arautos ao dispor de quem entende, por exemplo, convocar conferências de Imprensa impondo à priori a condição de não responder a quaisquer perguntas. E aqui ilustro a minha opinião com outra imagem da falta de respeito a que os profissionais da Informação se prestam, aceitando todo o tipo de ordens e de pressões em prol do cumprimento de funções que cada vez menos se adequam ao que temos por razoável.
Os jornalistas estão cada vez mais vulneráveis, na proporção directa ao impacto das atitudes teatrais de figurões com sentido de oportunidade ou simples falta de pachorra, ao sensacionalismo tentador que ainda ontem abriu noticiários com uma morte por espancamento que hoje se converteu numa brincadeira alarve com péssimo desfecho mas sem marcas de violência e à progressiva exposição de profissionais credenciados ao dedo acusador da opinião pública perante factos embaraçosos que protagonizam e mancham a classe (como acontece com qualquer outra às mãos dos próprios jornalistas) no seu todo, arrastando o Jornalismo para um lodaçal que já poucos contrariam de forma visível.
Assisti, ainda numa época em que os jornalistas possuíam a força e os tomates necessários para lançarem publicações a partir de cooperativas, ao emergir da arrogância do poder financeiro perante a proliferação excessiva de títulos nas bancas que condenava muitos projectos a uma inevitável falência. E refiro sem hesitar os três vértices dessa realidade que decidia o futuro das revistas e dos jornais de âmbito nacional, quando a Imprensa regional já vergava à influência das autarquias: as distribuidoras, que muitos acusavam de verdadeiros boicotes às publicações que não lhes interessava manter ou serviam de peões para as guerras entre rivais do ramo; as agências de publicidade, que determinavam como realezas quais as publicações elegíveis para o beneplácito das suas indispensáveis campanhas (e nem sempre em função dos interesses imediatos dos anunciantes, mas por critérios de simpatia pessoal); e finalmente os abastados proprietários de títulos isolados ou de grupos que começavam a surgir com cada vez mais interferência nas decisões dos chefes de redacção dessa altura.
As primeiras verdades silenciadas foram as susceptíveis de incomodarem os anunciantes cruciais para a sobrevivência de publicações que jamais poderiam garanti-la a partir das vendas, num mercado sem espaço para as acolher em número tão elevado.
A partir desse precedente seria inevitável o colapso da independência como resultado de uma cedência que, como em tantos outros domínios, corrói princípios e abastarda o papel isento que compete a quem possui o dever de informar sem mordaças ou limitações.
Aquilo a que hoje assistimos não passa do resultado previsível de uma evolução às avessas, de uma erva daninha que manipula consciências e deturpa o espírito de missão que outrora orgulhava quem abraçava a carreira.
Os jornalistas estão a dar os flancos e a perder o norte a um dos pilares da sua influência, o respeito de que não podem jamais abdicar.
Essa triste imagem protagonizada por alguns, deixados na cadeira a falarem sozinhos ou remetidos para o tal papel de porta-voz dos vários poderes e interesses que os manietam, ameaça destruir por contágio a essência de um dos mais importantes instrumentos de salvaguarda da Democracia.
E em última análise, sentimentalismos à parte, é ela que mais me preocupa.
O presidente francês, Sarkozy, abandonou a meio uma entrevista ao programa 60 Minutos da CBS, que a SIC Notícias anuncia como jornalismo de excelência, num gesto com inegável paralelo ao de Santana Lopes aquando da interrupção absurda de uma entrevista sua a propósito da chegada de Mourinho ao aeroporto em viagem de férias.
O paralelo, confrangedor quando envolve uma cadeia de televisão com a responsabilidade que a CBS deve assumir, reside no facto de os dois entrevistados se sentirem no direito de desrespeitar os jornalistas cuja conduta profissional se pautou pela futilidade inerente à cegueira provocada pelas guerras de audiências.
É de respeito que se trata. Useiros no enxovalho da classe política com base nos casos pontuais que o proporcionam, os jornalistas começam agora a sentir na pele o mesmo veneno que destilavam com alguma razão. A mesma razão que coloca a classe no seu todo sob um manto de suspeições variadas, as que derivam por um lado da óbvia subserviência aos grandes grupos financeiros que lhes garantem os postos de trabalho (o fenómeno não é exclusivamente português, como se constata) e que os leva a enveredarem pelo jornalismo pimba e, por outro lado, as que estão ligadas ao incumprimento das regras deontológicas do ofício ou, no mínimo, ao mais elementar conjunto de pressupostos éticos e/ou morais que antes prevaleciam enquanto imperativos teóricos a abraçar sem excepção.
Falo de dignidade, de elevação e de bom senso. Falo de um conjunto de requisitos que aliados ao rigor e ao amor pela verdade sem névoa garantem a credibilidade da informação mas também o delicado equilíbrio onde assenta o critério da pertinência.
O mais evidente paralelo entre as duas situações a que aludo reside precisamente no desprezo negligente das redacções em causa pelos requisitos que enumerei.
É tão absurdo interromper uma entrevista a um ex Primeiro-Ministro em vésperas de um congresso do maior partido da oposição para emitir um directo da chegada para férias de um treinador de futebol como o é, ainda pior pelas proporções, desperdiçar o tempo concedido para uma entrevista ao Presidente de uma das mais poderosas nações europeias com perguntas de índole pessoal, numa onda talk show.
Os jornalistas estão a transformar-se em moços de recados, em arautos ao dispor de quem entende, por exemplo, convocar conferências de Imprensa impondo à priori a condição de não responder a quaisquer perguntas. E aqui ilustro a minha opinião com outra imagem da falta de respeito a que os profissionais da Informação se prestam, aceitando todo o tipo de ordens e de pressões em prol do cumprimento de funções que cada vez menos se adequam ao que temos por razoável.
Os jornalistas estão cada vez mais vulneráveis, na proporção directa ao impacto das atitudes teatrais de figurões com sentido de oportunidade ou simples falta de pachorra, ao sensacionalismo tentador que ainda ontem abriu noticiários com uma morte por espancamento que hoje se converteu numa brincadeira alarve com péssimo desfecho mas sem marcas de violência e à progressiva exposição de profissionais credenciados ao dedo acusador da opinião pública perante factos embaraçosos que protagonizam e mancham a classe (como acontece com qualquer outra às mãos dos próprios jornalistas) no seu todo, arrastando o Jornalismo para um lodaçal que já poucos contrariam de forma visível.
Assisti, ainda numa época em que os jornalistas possuíam a força e os tomates necessários para lançarem publicações a partir de cooperativas, ao emergir da arrogância do poder financeiro perante a proliferação excessiva de títulos nas bancas que condenava muitos projectos a uma inevitável falência. E refiro sem hesitar os três vértices dessa realidade que decidia o futuro das revistas e dos jornais de âmbito nacional, quando a Imprensa regional já vergava à influência das autarquias: as distribuidoras, que muitos acusavam de verdadeiros boicotes às publicações que não lhes interessava manter ou serviam de peões para as guerras entre rivais do ramo; as agências de publicidade, que determinavam como realezas quais as publicações elegíveis para o beneplácito das suas indispensáveis campanhas (e nem sempre em função dos interesses imediatos dos anunciantes, mas por critérios de simpatia pessoal); e finalmente os abastados proprietários de títulos isolados ou de grupos que começavam a surgir com cada vez mais interferência nas decisões dos chefes de redacção dessa altura.
As primeiras verdades silenciadas foram as susceptíveis de incomodarem os anunciantes cruciais para a sobrevivência de publicações que jamais poderiam garanti-la a partir das vendas, num mercado sem espaço para as acolher em número tão elevado.
A partir desse precedente seria inevitável o colapso da independência como resultado de uma cedência que, como em tantos outros domínios, corrói princípios e abastarda o papel isento que compete a quem possui o dever de informar sem mordaças ou limitações.
Aquilo a que hoje assistimos não passa do resultado previsível de uma evolução às avessas, de uma erva daninha que manipula consciências e deturpa o espírito de missão que outrora orgulhava quem abraçava a carreira.
Os jornalistas estão a dar os flancos e a perder o norte a um dos pilares da sua influência, o respeito de que não podem jamais abdicar.
Essa triste imagem protagonizada por alguns, deixados na cadeira a falarem sozinhos ou remetidos para o tal papel de porta-voz dos vários poderes e interesses que os manietam, ameaça destruir por contágio a essência de um dos mais importantes instrumentos de salvaguarda da Democracia.
E em última análise, sentimentalismos à parte, é ela que mais me preocupa.