26
Jul05
A POSTA NO ESQUECIMENTO
shark
O PN levanta no seu blogue uma questão melindrosa e pertinente. Já não me lembro bem da questão que ele levanta. Ah, sim, é a cena da cannabis afectar a memória de curto prazo. Ou seja, afirmam uns gajos que a cannabis pode provocar amnésia.
Concordo com essa teoria. Qual teoria? Ah, pois, os que fumam "daquilo" ficam mais esquecidos. E os que não fumam, idem.
Só assim se explica que depois das eleições nem o Bloco de Esquerda, nem a JSD (?), nem (e sobretudo) a JS voltaram a referir aquela questão bué da jovem que fica tão bem nas campanhas eleitorais. A liberalização das drogas leves, ou despenalização ou o raio que os parta, foi direitinha à gaveta dos assuntos fixes para o próximo plebiscito. Esqueceram-se, claro.
E esse lapso da memória de curto prazo que afecta as organizações político-partidárias pode levar-nos a concluir que os partidos também dão nela. O que explica algumas das suas peculiares características, nomeadamente o facto de se-lhes varrerem da tola as promessas que atiram ao ar para ficarem bem compostos na fotografia para os chavalos que votam, como eu.
Quem já visitou Amesterdão sabe do que estou a falar quando faço a apologia da despenalização. Não me sai da memória de curto prazo a história do puto que foi preso meses a fio por causa de uma plantação de erva que o pai dele tinha no jardim. Se fossem begónias, só mesmo a inveja da esposa do comandante do posto da GNR local poderia assumir tais proporções. Ridículas, absurdas, aberrantes como só é possível em Portugal e no Dubai.
Transformar cidadãos válidos e inofensivos em criminosos passíveis de prender preventivamente é um absurdo de dimensão colossal. Mesmo os políticos que não fumam só podem andar a reinar com o pessoal quando viram a cara para o lado perante esta evidente estupidez.
Lembram-se do Carl Sagan? Admitiu, pouco antes de morrer, que boa parte do que produziu e que tanto entusiasmou milhões de caretas pelo mundo inteiro, o Carl Sagan (não sei se tão a ver) admitiu que fartou-se de escrever sob a influência daquela cena que faz perder a memória. Mas ele não se esqueceu de ser um dos gajos mais brilhantes do seu tempo na sua área. E podia não ter produzido coisa nenhuma se o caçassem no Bairro Alto a adquirir material para a carola e o enfiassem no Linhó.
Nunca vou entender porque insistem em meter drogas leves e drogas duras no mesmo saco. Um pouco como atribuir o mesmo valor de coima para o mau estacionamento e para as corridas em contramão nas auto-estradas. Eu vejo isto com clareza, apesar dos danos irreversíveis na minha memória de curto prazo: enquanto as autoridades insistirem na sua cruzada contra as traineiras que, honra lhes seja feita, nos trazem essa perigosa substância que tanto afecta o PN, o Carl Sagan, o João Pedro da Costa (que até tem uma Rua com o seu nome) e eu próprio (aproveito para me misturar pela surra neste leque de virtuosos), enquanto se mantiver esta ilegalidade indigna de um país com olhos na cara, estaremos a fomentar um disparate sem nexo e a concentrar as atenções e os meios (escassos) nos fantasmas de papel.
"Ena pá, ganda pinta, a polícia apreendeu mais não sei quantas toneladas de haxixe. ", aplaude o cidadão comum enquanto um mânfio lhe viola a filha ou lhe furta o automóvel acabado de comprar. E depois votam nos asnos que possuem a capacidade de pôr fim a esta aberração e eles (os asnos) esquecem apressadamente as promessas gritadas no intervalo do concerto dos Xutos onde encaixam os seus comícios de carnaval.
Já sou um bocado crescido para fumar às escondidas. E já dei provas de ser um cidadão válido, atinado qb e capaz de contribuir para o PIB, a Segurança Social, os impostos e essas merdas todas. E tirando uma ou outra maluqueira, nunca incomodei o remanso da sociedade em que me integro na perfeição (mais ou menos). Porque carga de água tenho que carregar a canga do marginal que a legislação proibicionista me confere?
Não faço ideia. E se calhar isso explica-se pelos tais danos colaterais de que o Fumos fala. Contudo, em face do que acima descrevo, até me sinto grato pelas falhas de memória.
Permitem-me esquecer a insensatez, a hipocrisia e a falta de vergonha dos caralhinhos que me representam nos órgãos do poder que me enoja.