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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

31
Ago07

SUPPER'S READY

shark
last meal.jpg

O copo sobre a mesa, vazio.
Ao lado o guardanapo inútil, sem qualquer canto de boca para servir.
Os talheres, reluzentes, ladeavam imóveis como sentinelas o prato cujo conteúdo arrefecia à mercê da brisa gelada de uma noite invernosa.
A janela aberta para entrar o som mais esperado, sempre adiado pelo logro da expectativa que adicionava mais um pedaço de certeza a uma provável desilusão.
As velas compridas acabadas de acender.

O copo sobre a mesa, cheio de ar.
Mesmo ao lado o pano trabalhado nas bordas pelo escopro talentoso em que se transformava a agulha de uma avó, desnecessário, ostensivo, patético perante a cadeira vazia onde alguém tardava a sentar.
Os talheres, indecentes, prata de lei cuidada tão desperdiçada assim. A falta de uso repetida em cada uma das ocasiões previstas, especiais, perfilados, alinhados, na perfeição simétrica à altura de um prato integrante do serviço impressionante que em tempos fizera parte de um ambicioso enxoval.
A janela aberta para entrar a esperança cada vez menos arejada no peito anfitrião. A dificuldade na respiração, entrecortada pelo crescendo de um soluçar reprimido perante o avanço implacável dos ponteiros sobre o momento da desistência que se repetia e depois desistia de si própria a cada som que a noite gelada inventava para enganar.
As velas que brincavam às sombras chinesas nos extremos da mesa quando balbuciavam, desequilibradas pela brisa, os seus últimos suspiros de luz.

Tempo demais.

O copo sobre a mesa, vazio outra vez. Tombado sobre um guardanapo inútil, bordado pelas mãos infatigáveis de uma anciã muito chorada no dia em que o mundo a perdeu. Amparado pelo garfo na queda, inevitável o desalinhamento com a borda do prato partido em dois.
A janela fechada na cara do frio, a sensação de vazio preenchida aos poucos pela raiva alimentada em tantas noites iguais.
As velas, o seu coto, apagadas pelo sopro quente e irado de uma alma em ebulição, transtornada, a garrafa despejada vezes sem conta naquele copo absurdo até explodir na parede quando a sua utilidade se extinguiu.

E a faca de trinchar, feita de prata, tão afiada?

Entretanto desapareceu...

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