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Jul05
A POSTA NO SILÊNCIO
shark
Foto: sharkinho
Hoje, um homem desesperado confidenciou-me a sua maior angústia. Tinha conhecido a que julgava ser a mulher da sua vida.
E eu avancei logo: "Porreiro, pá, sorte a tua!"
Mas não, o tipo estava inconsolável. Ao fim de meses de uma relação amorosa com a magnífica, surgiu-lhe a oportunidade que tanto ansiava.
Desta vez calei-me e esperei que ele dissesse mais. E disse.
Disse que finalmente pudera experimentar sexo com ela. "Óptimo", pensei eu em silêncio. "Mas então qual é o teu problema?", continuei eu a pensar.
E ele, coitado, em voz alta o bastante para que todos em volta pudessem conhecer a sua desdita partilhou comigo o âmago da sua tristeza. Correu mal. Tanta promessa, tanta palheta e afinal na hora da verdade não ergueu a fala. Nem o falo.
"Ganda bronca", leu-me ele no olhar.
E prosseguiu com a lamentação, patético, referindo que ela não lhe deu segunda oportunidade. Largou-o da mão e até já anda com um outro que parece não lhe faltar com nada. E eu a tentar serená-lo: "Deixa lá, se calhar foi coincidência...". Na verdade, podia bem ser que ela tivesse percebido nesse instante que não o amava ou coisa assim (às vezes só se descobrem essas coisas nos momentos mais inesperados). Mas ele recusava-se a acreditar, insistia. Dizia-me até que não conseguia esquecê-la, mesmo apesar de ela fornecer indicações claras de que queria mais era obliterá-lo da memória.
O rapaz não queria acreditar numa realidade tão dura e eu não fazia ideia de como o animar. Olhei em volta, em busca de uma solução (sim, porque me dá pena ver um homem humilhar-se dessa forma).
Mas não me ocorreu nada, confesso. E agora sinto-me mal, pois acabei por deixá-lo abandonar a gelataria de Porto Covo (onde estou a curtir o fim-de-semana) sem conseguir dar a volta ao seu desgosto e acabar com a sua obsessão.
É nestes momentos que mais aprecio poder recorrer ao meu blogue para desabafar. Um blogue é uma ferramenta excelente para um gajo despejar as mágoas (como para debitar uns rancores). Eu gosto de ajudar os outros a carregarem a sua cruz, de lhes aliviar os pesos que os atormentam. Mas não sou um santo, nem faço milagres. E isso custa-me muito, nestas situações tão dramáticas.
No fundo, o infeliz ficou a chuchar no dedo mas a culpa não é minha. São coisas que acontecem a qualquer um e quando assim é, há que seguir em frente e partir para outra. Foi isso que consegui recomendar-lhe, quando me fartei de o ouvir. Que partisse para outra, pois a insistência em casos perdidos só pode resultar em agravamento do desgosto que se sente quando se leva uma tampa, sobretudo em tão melindrosas circunstâncias.
Não sei se ele me levou a sério, mas espero mesmo que sim para lhe evitar consequências ainda mais graves da sua alucinação. Um homem não deve, mesmo em situações extremas, abdicar da sua dignidade.
E às vezes, basta alguma contenção verbal e poder de encaixe para evitar vergonhas desnecessárias...