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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

30
Jul07

NUM TEMPO QUALQUER

shark
cadárvore.JPG
Foto: Shark

Nos ramos, pássaros famintos pareciam aguardar que o vento lhes trouxesse notícias da terra onde a abundância (na cabeça de um pássaro) certamente saberia voar.
Mas bastaria chover e isso parecia não estar para acontecer, tal como já não acontecia há mais tempo do que qualquer daqueles pássaros conseguiria lembrar.

Lá por baixo, outras criaturas resistiam como podiam, as pessoas, ao calor insuportável, à sede e ao pó.
A sua pele falava, como a de velhos pescadores, da aridez que sulca as cútis como antes, no tempo em que os pássaros famintos ainda não passavam os dias em galhos onde acabavam por morrer novos demais, os arados rasgavam a terra para as outras criaturas, as pessoas, conseguirem comer algo que não os corpos esqueléticos dos pássaros a quem as árvores não conseguiam deitar a mão num momento em que o vento entendia soprar mais uma vida para o chão.

Cansava, só de os ver naquele arrastar do padecimento, as pessoas, calados pela planície em busca de sucessivos nadas em que se convertiam as miragens, alucinação, que lhes traíam o olhar e os convenciam a andar, quantas vezes, uns passos demais.
Caíam como os pássaros, primeiro os novos e depois os velhos, levantando uma pequena nuvem de poeira que parecia uma alma acabada de sair do inferno e ficavam ali até que alguém passasse que os transportasse sem pressa até à mais próxima vala comum.

Nos ramos, pássaros famintos com os bicos escancarados pareciam ignorar que há muito os milagres não aconteciam naquela terra massacrada pelo sol. Aguardavam a morte sem chegarem algum dia a experimentar a vida que lhes era destinada viver. Noutro tempo qualquer e nunca naquele espaço onde se tecia cada pedaço de uma manta ilustrada que contava as histórias de dor que os lá de baixo, as pessoas, insistiam em contar por entre o princípio do fim e o momento da respectiva consumação.

Eram gritos de alerta aos viajantes, os que passavam distantes temendo algum assomo de força do desespero naqueles corpos ressequidos e quase privados de locomoção. Temiam um surto de ladrões, ou de outra doença esquisita e naquelas paragens quase sempre fatal para quem dela não conseguia fugir.

Daquela terra já não fugia ninguém. Nem os pássaros famintos nas árvores despidas, poucos que restavam, eram estúpidos e por isso não ousavam voar em busca da terra da abundância que, existindo, certamente voaria até aos pássaros cujas forças já não permitiam lá chegar a tempo de evitar o mesmo destino que nas árvores aguardavam em paz.

Naquele lugar, todos sabiam, os pássaros nas árvores e os lá de baixo, as pessoas, que a salvação ficava sempre, em qualquer direcção, a uma distância comprida demais.

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