29
Jun05
A POSTA NA LÍNGUA
shark
Ele há dias em que por mais que um tipo olhe para o monitor só consegue ver uma folha branca do word a ridicularizá-lo. Parece que se ri na nossa tromba, a gaja, como se pensasse com os seus botões: tás à rasca, ò farsola? A tua cabeça oca só te dá eco do vazio de ideias que a atormenta, não é? Querias muito esgalhar uma posta catita e afinal ficas prái a olhar para mim e népia....
Fico danado com a folha em branco, mais do que comigo próprio. É que uma pessoa consegue sempre encontrar um pretexto para justificar o bloqueio, recorrendo às desculpas do costume. Com tanta merda por fazer, é normal que os nervos atrapalhem o raciocínio(?), A malta só aprecia cenas que eu até nem gosto de postar e tretas assim para descartar o sentimento de culpa por não conseguirmos corresponder às nossas expectativas relativamente à satisfação das expectativas de quem nos lê. É uma porra, um blogueiro sentir-se assim.
Mas a merda da folha em branco não tem culpa alguma. E vejo-me forçado a virar contra mim esta frustração e a desabafar convosco (que não têm nada a ver com isso e apenas vos compete aguardar um momento em condições, para justificarem o clique no linque deste blogue).
Ainda por cima, eu tinha a firme intenção de fazer incidir as postas desta semana num tema que me é grato (o sexo), em honra do Salão Erótico de Lisboa que acontece no próximo fim-de-semana. E nem o sexo me vale, o que duplica a sensação de impotência que me atrofia neste preciso instante.
Claro que podia falar-vos de coisas banais ligadas ao tema em causa, como o embaraço de ver um preservativo a enrolar-se todo sobre si próprio e saltar da pila como a rolha de uma garrafa de espumante por termos escolhido um tamanho abaixo do ideal. Ou da dor fina que nos causa uma saída inadvertida do remanso acolhedor, com o peso acrescido do entusiasmo da parceira a vergá-lo pelo meio no movimento descendente.
Coisas simples que acontecem, mas que não justificam mais do que algumas linhas a propósito.
E assim permanecemos em conflito interior. Faz-se uma posta para cumprir calendário ou deixa-se ficar a anterior e assume-se a preguiça que afinal não é mais do que a ausência de inspiração (mal) camuflada? Eu acabo sempre por preferir a publicação de qualquer coisa, nem que seja uma foto apelativa com uma legenda a condizer. Fica no ar um arrependimento qualquer, nestas circunstâncias. E lido mal com essa desconfortável noção.
Nestes considerandos descubro o quanto acabo por decidir tudo em função da vossa omnipresença desse lado da linha. Transformo-vos nos papões que me assombram a vontade de blogar, uma injustiça. Até porque concluo que cada vez blogo menos para (por) mim e mais pela rapaziada que se consubstancia nas caixas de comentários e no contador. Todos vós, que aqui chegam em busca de algo que nem sempre estou à altura de fornecer. Como hoje, aliás.
Surge então o pretexto para voltar ao sexo, quando questiono o prazer que isto me dá.
Do orgasmo prolongado que resulta de uma posta que vos agradou, ao coito interrompido ao fim de vinte segundos de penetração (como traduz uma posta destas) vai uma distância mínima.
A sexualidade blogueira é mais complicada de (di)gerir do que a outra, a real.
Às vezes receio que a falta de ponta na escrita, onde nem a língua (a portuguesa) me vale e até constitui o problema maior, possa reflectir-se por contágio no meu desempenho extra-blogue.
Mas isto sou eu a flipar. Afinal, a vossa (nossa) condição de voyeurs não se faz sentir na hora agá, quando o prazer que obtenho e o que dou não ficam condicionados pelo peso da multidão virtual que me avalia a função nesta cama.
E vendo bem as coisas, pelo tamanho deste lençol, acabo por entender que não há razão para me atormentar.
O desejo que me estimula está presente nestas linhas também. Afinal, o prazer desta nossa relação assenta no privilégio de podermos comunicar. E esse, mesmo quando de uma rapidinha se trata, está sempre garantido enquanto houver força nos dedos (que teclam) para empurrar a língua (que partilhamos).