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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

24
Dez06

O CONTO DE REIS - Uma Novela no Espírito do Quadro (Cap III)

shark
jingobel.jpg

JC não estranhou quando Nicolau pousou sobre a mesa as cuba livres, que declinou com cortesia. “Já sabes que eu só bebo tinto, é a tradição desde a última jantarada…”

- Ah pois, com os “apóstrofos”! Mas não faz mal, tenho ali um alentejano de 97 que é de estalo. E na adega há mais (o de 2004 é ganda malha)!

Os olhos de Nicolau brilhavam com o reflexo das luzinhas da árvore enquanto pensava nas “pomadas” que reunira ao longo de muitos anos de distribuição de encomendas natalícias. As gorjetas não pagavam impostos e isso em muito contribuía para a paz financeira que Natália tudo faria para preservar.

- Vê lá mas é se te emborrachas outra vez este ano, Nicolau… Lá por agora não conduzires, isso não faz com que possas esticar-te na bebida.

Ela recordava-se do último pifo, dois Natais antes, quando finalmente lhe haviam apreendido a carta de trenó em definitivo. Para não o embaraçarem, e por respeito a tantos anos de dedicação, haviam fingido que o médico da Direcção Geral de Aviação não lhe renovara a carta.
Mas ainda assim, Natália receava a mistura com a medicação (pela surra, costumava desfazer comprimidos azuis – só um nadinha – no meio da sopa).

- Pois é, cá estamos outra vez… - JC estremeceu quando a matrona voltou a abrir a matraca. Vinha lá sarilho pela certa…
E assim se confirmou.

- Então, JC, o Zé já se conformou com aquela questão… hummm… da paternidade duvidosa?

Era um assunto muito sensível para o bebé nas palhinhas sentado e ela bem o sabia.
Ficou com um chorrilho de palavrões, pecado sem perdão, mesmo à porta da boquinha infantil.
Os sininhos da porta salvaram a situação por um triz.

Nicolau, já meio tocado, abriu a porta e abraçou com intensidade o recém-chegado como se entre ambos existisse alguma espécie de proximidade.

- Porra, pá, que me parte as (cos)telas!

Era o Espírito do Quadro, um pintor frustrado que só servia para justificar o subtítulo de uma posta marada e para ver se surgia um final qualquer prá coisa antes de o Natal acabar.
Divorciado da esposa, uma amiga íntima de Nicolau na sua fase jovem e irreverente, vivia da venda de bustos para enfeitar o Natal dos hipócritas e de, como o nome indica, quadros nos quais retratava espíritos do Natal Passado e outros fósseis que o consumismo desenfreado enterrara de vez.

Natália até se benzeu, para gáudio do menino que decantava o Herdade Grande com a mestria de um escanção.
Nunca esquecera os rumores da ligação entre o seu Nicolau e a flauzina da Quadra (que agora deixara cair o apelido do ex).
Dali só podia vir bronca.

Contudo, o artista surpreenderia todos com a sua intervenção.

- Desculpem incomodar, espero não ter interrompido nada…

JC contorceu a boquinha num esgar de anuência, perante o olhar severo de Natália. Nicolau, bochechas rosadas, sorria com um ar imbecil e olhava para o Espírito do Quadro como se de um filho se tratasse.

- Venho cá para vos contagiar com a paz e a harmonia que a Quadra (não tou a falar da minha ex, claro) deve a todos inspirar!

O trio nem tugiu nem mugiu, enquanto aguardava a sequência do surpreendente intróito.

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