25
Mar05
ALGUM AMOR EM MUITAS PALAVRAS
shark
Encarcerada na masmorra que mandara construir, a princesa Alexandra não se permitia ser feliz. O príncipe, estúpido, não se ralava ou não percebia que no coração de quem o amava as muralhas cresciam sobre os alicerces do que se transformara, aos poucos, na mais profunda desilusão.
Partia para as campanhas e outras patranhas sem ligar ao olhar triste que ela deixava escapar, à socapa, por entre as grades da sua prisão interior. À tristeza da despedida, porém, sobrepunha-se o desencanto. O cadáver da saudade jazia, mais os dias com sorrisos e as outras recordações, numa pequena caixinha que Alexandra espreitava, de vez em quando, para não esquecer o amor.
Mas a caixa, cada vez mais repleta de insultos e de negligência, de desgostos e de carência, já mostrava apenas as provas irrefutáveis que a condenavam à prisão.
Um dia, a princesa deixou de espreitar.
Esquecido no fundo, coberto pelos pedaços de dor, era a força que se esvaía na memória que se esbatia daquele amor em extinção.
Um dia, a princesa deixou de saber amar.
Algum tempo passou. Alexandra, livre do seu carcereiro, cuidava do reino com firmeza. A força que a movia, imensa energia, despontavam aos poucos em pequenos pontos de luz que sorriam no seu olhar. Espreitava o mundo exterior, cada vez mais, por entre as janelas que a custo se convencera a abrir nas paredes do seu cativeiro. Mas permanecia sozinha, com medo. Recolhia-se num canto para escapar à emoção, batia em retirada para junto da caixinha que ainda abraçava, por vezes, mas já nem conseguia abrir.
Assustou-se deveras quando o viu diante de si. Não contava com uma intrusão. Gostava da companhia, mas afligia-se com a ideia de partilhar o cárcere com um simples plebeu.
Por diversas vezes o expulsou. Reforçava as entradas, dobrava as sentinelas, mas ele sempre encontrava uma forma de entrar.
E fazia-lhe companhia, conversava, ouvia e depois partia pelo seu pé. A princesa, perturbada, sentia-se encantada com as palavras e os gestos daquele desconhecido que a procurava, confiava na sua intuição mas não sabia como proceder.
Um dia, por insistência do plebeu, a princesa reuniu toda a sua coragem e despejou a caixinha sobre o tampo de uma mesa. Trémula, afastou com os dedos as tristezas e os medos e reencontrou uma réstia do amor que há muito deixara de ver. Iluminou a masmorra com o sorriso que lhe dedicou, mais o carinho estampado na doçura do seu olhar.
Por fim cedeu. Mas o beijo que lhe deu, intenso, atemorizou-a e suscitou-lhe uma interrogação.
Quem sois vós, plebeu, e como entrais nos meus aposentos como se nenhuma porta pudesse impedir-vos de o fazer? Sois um feiticeiro?
Era apenas um exímio serralheiro, mas por mais que o beijasse não conseguia transformá-lo no sapo que temeu. E corajosa insistia. E ele, paciente, sorria e o medo parecia escapulir-se por entre as paredes que ruiam em seu redor.
Mais tempo passou.
A caixinha, mais cheia de alegria e menos de solidão, abria-se agora ao olhar de Alexandra como uma imagem de esperança, no campo florido onde celebrava, todos os dias, o dia memorável em que um serralheiro desconhecido a libertou dos seus grilhões. E a reconquistou para o amor.