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Ago06
A POSTA CO-INCINERADA
shark
Foto: Shark
Como qualquer pessoa que preste alguma atenção a noticiários televisivos, tenho tido acesso a muitas palavras acerca da controversa co-incineração que volta a estar na ribalta nesta altura.
O problema pode (deve) ser abordado de muitas formas, sobretudo se tivermos em conta as populações que terão de viver com o assunto paredes-meias.
Existe a questão ecológica e nem essa parece consensual. Existe a questão político-partidária e explica o vigor de algumas reacções.
Contudo, existe sobretudo a questão agora levantada em Souselas, nomeadamente a legislação camarária que tenta inviabilizar a decisão estatal, e que concentra para já a minha atenção.
Estes braços-de-ferro políticos nunca são isentos de repercussões, pelo que constituem de precedente. De um lado temos uma autarquia empenhada em rejeitar a solução que a envolve directamente num processo com alguns contornos polémicos e até difusos (e todos sabemos que ninguém pode facilitar em matéria de saúde pública). Do outro temos o Estado (ou o Governo, pois o Estado no seu todo também abrange as autarquias visadas nesta situação) a impor a alternativa que considera mais adequada, tanto na forma como na respectiva localização.
Aqui nasce a razão do meu temor. Depois de ser definida pelo Governo a versão definitiva da co-incineração lusitana, uma das autarquias que albergam os pilares do processo emite legislação que inviabiliza na prática a concretização do que o Governo decretou.
Alguém terá que perder esta batalha. E depois?
Depois temos um Estado enfraquecido na sua capacidade decisória, caso os rebeldes consigam efectivamente sobrepor os seus interesses locais aos que a decisão governamental enfatiza. Ou temos um Estado gerido por uma maioria absoluta naturalmente mais arrogante e coerciva na abordagem a este tipo de questões, caso o primado do interesse nacional sobre os direitos desta ou daquela localidade consiga vingar de uma forma ou de outra (como acredito acontecerá).
E resta-nos apenas esperar que a coisa não ultrapasse o campo da ginástica legislativa, pois existem exemplos pontuais de como estas teimosias degeneram em conflitos que resultam sempre em prejuízo do cidadão comum.
Custa-me pender para qualquer dos lados intervenientes na disputa, não apenas porque a informação de que disponho é incapaz de garantir (ou de desmentir) a validade da opção em causa mas também porque me preocupam acima de tudo as perdas que podem resultar de um excesso de zelo na aplicação de medidas tão controversas.
Se a decisão estatal for bloqueada pela tal proibição de circularem veículos com cargas perigosas na zona de Souselas (sem acessos, só por helicóptero) teremos a burra nas couves pelo que isso implicará em circunstâncias análogas no futuro. E se, por outro lado, o actual Governo impuser a sua força, por via legislativa ou pior, teremos aberta a porta para a ditadura da maioria e nenhuma localidade deste país ficará a salvo de decisões enérgicas mas eventualmente erradas que as possam lesar.
Por tudo isto, entendi relevar a evolução do assunto no que respeita a este desafio ao que o poder representa. Decisões, mais do que importantes são inadiáveis no que concerne ao tratamento dos detritos que o país produz. E se calhar a co-incineração até constitui uma opção acertada.
Porém, o simples facto de existir uma oposição tão obstinada à concretização prática do que a legislação preconiza faz pressupor que não se trata de uma opção sem reservas ou ameaças potenciais para quem a terá aplicada nas suas traseiras. É mais sério do que possa parecer, este receio manifestado pela população de Souselas e que constitui afinal a única justificação (e o único sustentáculo) plausível para o endurecer das posições dos seus líderes locais.
Ganhe quem ganhar esta disputa, suspeito que no saldo final teremos todos qualquer coisa a perder.