01
Ago06
AGARRADA PELAS ANCAS
shark

Foto: Shark
Olhar a vida que se escapa à socapa por entre os dedos, como areia na ampulheta que nos engana com a ilusão de podermos medir o tempo que nos resta pelo tempo que se escoou.
Olhar aquilo que passou e sentir que agora é sempre o momento melhor porque se antecipa o sabor do que podemos viver amanhã.
A esperança a encher-nos o peito como ar fresco do final da madrugada. A dúvida dissipada como a neblina instalada por instantes sobre o espelho de água que tão bem reflecte o céu. Um sopro de calor que as afasta com a certeza de que vale a pena lutar pelo que importa conservar, no contexto da felicidade tal como se apresenta ao nosso olhar sobre a vida que não queremos de partida.
A nossa e a dos outros, apenas uns poucos, preciosa. Quem connosco partilha as coisas de que uma vida se faz, lágrimas e sorrisos importantes, pessoas deslumbrantes porque nos arrastam seus ao longo de um caminho que exigimos comum.
Os filhos que fazemos e assim lhes oferecemos o milagre de uma vida para olhar. O amor que dedicamos, tão intenso, e aquilo que recebemos de volta como um sonho que a realidade corporiza. A tangibilidade da nossa presença nos olhos de quem observa a vida num lado de lá que é dentro de nós afinal.
A simbiose total, de vez em quando. Ou o amargo sabor de uma penosa separação. Acontecimentos que nos fazem a história contada em momentos de introspecção partilhada com a confiança que queremos depositar em alguém.
Muitos filhos da mãe, como chacais, envergam os seus punhais, traiçoeiros, e cravam-nos nas costas da alma as exclamações de medo e as reticências que nos intimidam como um gigantesco ponto de interrogação. Quantos mais se cruzarão, insuspeitos, pelo raio de visão de que dispomos sobre a vida que o acaso nos determina e apenas influenciamos nas decisões menores?
A vida com diferentes sabores, amargo e doce, salgado e picante, de todas as cores, amigo ou amante, segmento ou parcela, compete-nos vivê-la como se esta existência tão valiosa estivesse prestes a chegar ao fim.
Faz todo o sentido quando a pensamos assim, efémera, porque nos alerta para a emergência de aproveitar todo o tempo para amar.
Outras pessoas e a nossa essência também.
A vida que se tem, para olhar, usar e abusar antes que escape sorrateira. A folha derradeira no calendário que outras mãos irão rasgar um dia. O tempo parado porque fica esgotado na percepção de que podemos usufruir.
Admito partir mas exijo-me agarrado a este lado com a tenacidade desta indómita vontade de absorver aquilo que me oferecer o destino que alguém traçou (ou não) para mim.
Quero-me assim, incondicional.
Nesta vida que sinto e aprecio como uma mulher especial.
Com as duas mãos.