26
Jan05
A DAY AT THE OFFICE
shark
Um professor universitário cinquentão. Quando o conheci, há meia dúzia de anos, era um homem orgulhoso, bem falante, com porte de cavalheiro. Sempre que o meu ofício nos juntava, rendia o tempo para trocarmos umas impressões.
Vestia as palavras com a mesma elegância com que cobria o corpo que parecia alvo de alguma dedicação. Parecia um homem realizado, endinheirado, a transbordar de confiança.
Ainda antes da hora do almoço entrou no meu escritório com uma bebedeira descomunal. Cabelo sujo, oleoso e despenteado, barba de quatro ou cinco dias, roupa em desalinho. Olhar vítreo e dificuldade de articulação nas poucas palavras que balbuciou, as bastantes para me confrontar com um novo problema.
Mal conseguiu assinar o documento que preparei para lidar com o assunto. Seria incapaz de escrever por mão própria duas linhas de texto que lhe ditei. E eu, perturbado com a rapidez com que um homem altivo se transforma num destroço em tão curto espaço de tempo, vi-me grego para organizar as ideias e encontrar uma alternativa para descomplicar a situação. Acabei por conseguir. E ele, para meu alívio, cambaleou com sucesso até à porta de saída.
Um gerente da indústria hoteleira, trintão. Casado e com filhos. Vida estável, sem aflições financeiras. Robusto, aplicou desde pequeno a força inesgotável dos que acreditam na subida a pulso. O problema dele, o verdadeiro, era um diagnóstico de cancro. Os outros, os que me competia resolver, afiguravam-se menores e foi nessa perspectiva que os eliminei em tempo recorde da sua lista infindável de preocupações. O efeito bola de neve, as repercussões na vida e na estrutura daquele homem eram devastadoras e eu, sem meios para lhe valer na angústia maior, falei-lhe na esperança, compilei animadoras estatísticas para o mal que nele se instalou. E ele, para meu alívio, conseguiu brindar-me com um sorriso fugaz à saída.
Do meu dia de trabalho seleccionei apenas dois exemplos. Os que mais me impressionaram e cuja descrição caberia numa posta de dimensão razoável.
Às vezes é difícil lidar com o meu dia de trabalho. A única panaceia para o desconforto que estas histórias me provocam, e mesmo essa tem um cunho algo perturbador, é o efeito comparação. Dá-me para pensar que à beira de imensas pessoas, tenho mesmo reunidas todas as condições para me sentir estupidamente feliz.
E sou. Mas às vezes parece que me esqueço e a vida envia-me estes sinais, aqui e além, para me despertar da ingratidão momentânea. É um raciocínio bizarro, não é?