A posta que está na hora
Uma pessoa olha para os noticiários ou para as redes sociais e fica estarrecida. Como ainda existimos? Quantos milagres serão necessários para prevalecermos sobre todas as ameaças no horizonte? É aterrador, ponderar acerca do futuro que o presente nos promete. Sem qualquer espécie de foco de esperança, na capacidade colectiva, na liderança, olhamos em frente e não pensamos em avançar, apenas procuramos abrigo para o que aí vem. A alternativa é a da avestruz, a da esmagadora maioria, e não me soa agradável o que isso irá permitir.
Claro que o catastrofismo é uma opção fácil, neste contexto. A pessoa pensa no que pode ser feito e depois olha para os meios ao alcance. E a pessoa desanima um nadinha, sente-se tentada a baixar os braços e a alinhar no tradicional logo se vê. Mas depois a pessoa olha para o passado e acorda para a realidade que nos diz ser imprescindível agir, ser obrigatório intervir de alguma forma para desmentir o aparentemente inevitável.
Detesto inevitabilidades, admito. Só a morte é impossível de contrariar. Tudo o resto tem solução ou, pelo menos, qualquer alternativa que não o deixar andar que nos destrói aos bocadinhos, convictos de que nada há a fazer. Talvez nem haja, em termos globais. Contudo, a História é um viveiro de impossíveis que a vontade individual ou colectiva fez acontecer. Quase sempre em grupo, a união faz a força e sempre se revelou a única arma ao alcance dos que não têm acesso ao poder e o percebem incapaz de fazer o que dele se espera.
Um esforço colectivo, em torno de uma qualquer realidade comum, agiganta a possibilidade de sucesso num mundo feito para as minorias poderosas com maiorias apáticas e fáceis de manipular. Dividir para reinar, a receita ganhadora desde o início dos tempos. E nós alinhamos, nós pactuamos com a consciência dormente que nos impede de combater o que está mal e de renegar os destinos de merda que parecem estar reservados para uma Humanidade sem tino. O poder, ou quem o ambiciona, mobiliza-nos para um ódio por fascículos, direccionado para um "outro" que pode estar de acordo connosco em tudo menos naquilo que não der jeito a quem manda e que será tão mais apetecível quanto mais indefeso em teoria. Por fazer parte de uma minoria ou de um lote qualquer de indivíduos cuja visão do mundo, características físicas, tendências sexuais, convicções religiosas ou quaisquer outras fragilizem alguém aos olhos de quem simplesmente decida embirrar com a diferença.
Um mundo antigo, pestilento, que arrastamos ao longo de gerações e só nos promete sofrimentos desnecessários. Quando todos sabemos, ou pelo menos intuímos, que é possível conseguir melhor. E temos os meios ao nosso alcance, nas sociedades onde a democracia ainda prevalece, para o lograr. Basta despertar para a necessidade de intervir onde podemos, onde devemos, para fazer sobrepor a voz do bom senso ao silêncio cúmplice de quem ocupa os lugares por preencher.
Uma revolução necessária. Sem sangue nem dor. Inteligente, organizada, em torno de objectivos alheios a ideologias retrógradas ou a ganâncias descontroladas. Só para corrigir aquilo que já se provou ineficaz e nos atormenta e nos impede de rumar para um mundo melhor.
Não sei o que nos impede de a fazer acontecer. Ontem já era tarde demais.