Nas calmas
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É possível brincar com palavras. A sério. Todavia, é leviandade subestimar o poder destrutivo de uma palavra carregada. Uma vez disparada pode atingir o alvo com a precisão de um drone e o poder destrutivo de uma deflagração. Isto em sentido figurado, claro. Os defensores da livre circulação de armas entre civis diriam, a propósito: as palavras não matam pessoas, as pessoas matam pessoas. Com palavras, também. Por dentro.
Ao longo de uma existência é inevitável enfrentar-se um desses duelos de palavras que podem não matar pessoas, mas destroem relações. Mesmo as mais sólidas, abanam desde os alicerces quando atingidas por uma palavra certeira. Que até pode ser a palavra errada, mero estilhaço do rebentamento de uma discussão. Em cheio no coração, sentida como uma dor, a palavra errada, que o futuro até pode provar ser a palavra mais acertada, arrasa a pessoa atingida e nenhum pedido de desculpa estancará a hemorragia. É assim que as palavras matam: gravadas na memória, como feridas abertas, sangram emoções até a pessoa deixar de as sentir. Provavelmente porque entretanto morreu.
As palavras são armas de longo alcance, apesar de igualmente eficazes à queima-roupa. São corrosivas, para além de explosivas. Espalham-se como metástases no raciocínio, ecoam a cada lembrança de quem efectuou o disparo. Secam, como eucaliptos, tudo em seu redor, uma vez plantadas no solo fértil das más recordações. E sentem-se como bofetadas, quando aplicadas de forma inequívoca como uma carapuça perfeita para bons entendedores.
As palavras podem matar amores e isso é quase como matar as pessoas, se é mesmo de amor que se trata. Morre-se disso, dizem. E as palavras podem estar na origem da ocorrência, assassinas por interposta emoção.
É possível brincar com palavras. Mas desaconselhe-se o uso a quem não as saiba controlar.
Foto: Shark
De repente, todos os assuntos passaram a constituir meros pretextos para o assumir feroz de um qualquer lado das barricadas. Se há preto e há branco, a discussão elimina de imediato os tons de cinzento. A moderação, entendida como sinal de fraqueza, é dilacerada pelos extremos. És contra ou és a favor. És da minha tribo ou da outra. És meu amigo ou antes pelo contrário. Muitas relações estão a morrer assim, no plano virtual. Mas não só.
Existirão diversas formas de explicar este fenómeno. Contudo, mais do que as explicações interessam-me, por agora, as consequências. Numa altura do mundo em que as ameaças se multiplicam e até são repescadas das gerações anteriores, só a união poderia fazer a força. E verifica-se precisamente o contrário. Nem dentro de cada tribo, de cada colectivo em torno de um ou mais interesses comuns, a paz consegue prevalecer quando os extremos se revelam em qualquer matéria, ainda que alheia ao pólo agregador.
Isto não prenuncia nada de bom.
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