A Posta que mais vale tê-lo do que valê-lo
As recentes incursões pelas viagens espaciais, chamemos-lhes assim, por parte de milionários pode ser vista sob muitos prismas. Uns dirão que é coisa boa para a Ciência, para o progresso tecnológico e assim. Outros vislumbram a natureza clara do que é apenas mais um negócio chorudo, promovido de borla à boleia do estatuto social de quem o financia e dele lucrará.
Mas ainda há os que renegam a façanha, sentindo-a como um insulto à pobreza, pelo desvio de verbas e de recursos para projectos megalómanos que poderiam ser investidos no combate aos muitos problemas que este mundo enfrenta, antes de ir em busca de outros planetas para colonizar.
Mas a maioria opta por ignorar e optar pelo cada um sabe de si, o dinheiro é deles e que o gastem como melhor lhes aprouver. Tendo a subscrever esta posição, tanto porque acho que o pressuposto é universal como pelo facto de há muito ter perdido a esperança no apelo filantrópico da esmagadora maioria dos privilegiados pela fama, pela fortuna ou pelo poder. Ou pela combinação de todos estes requisitos, cuja atracção parece ser recíproca.
Contudo, há outros ângulos pelos quais podemos olhar os foguetões privados dos vaidosões abastados. Por exemplo, o do que isso implica enquanto reflexo do tipo de sociedade que temos vindo a construir, assente na admiração de quem tem e não de quem vale. O que alguém vale mede-se pelo que tem e se não tem é porque não possui valor para o lograr. É uma lógica simplista, intuitiva, mas pauta este mundo novo no qual um milionário é figura de destaque apenas por essa qualidade: a de ser rico e, por inerência, famoso. Não interessa se não passa de um palerma boçal, se é rico tem de ser idolatrado e se é famoso tem de chegar a rico para a idolatria ter maior substância.
Toda a vida foi assim, dirão. E toda a vida assim será, alguém cuidará de acrescentar. E é verdade, pelos vistos, pois também no passado o pecúlio acumulado conferia prestígio ao mais labrego dos cidadãos. Houve alturas em que o funil era mais estreito no bocal, pela necessidade de controlo efectivo da distribuição da riqueza por parte de quem mandava na cena. O clube privado tinha reserva de admissão, pelintra não entra, e os milagres do enriquecimento só podiam estar acessíveis aos devidamente qualificados para a função de ser rico sem perder o norte à relação com o poder efectivo, de mútua interdependência. Ser nobre ou ser bispo ajudava imenso nesta questão.
Entretanto, o enriquecimento democratizou-se e a burguesia entrou em cena. O bocal do funil alargou e mais pessoas puderam bater-se pelo seu quinhão, até ao ponto em que passou a ser legítimo a qualquer indivíduo nascido na miséria ambicionar subir a pulso até uma fortuna colossal. Uma coisa linda, em teoria. Tanto quanto a da partilha equitativa de bens entre a malta, sem nenhum membro do colectivo encontrar forma de aumentar a sua quota pessoal relativamente à dos restantes. A realidade é demolidora para as aspirações mais ingénuas, as pessoas são o que são, e chegados a este ponto já percebemos que trabalhar o dobro para patrões não equivale a receber o dobro do salário. E chegar a rico só a trabalhar de forma honesta e sem jamais vender a alma ao lucro também não está ao alcance da esmagadora maioria.
É talvez esta conclusão, a da extrema dificuldade de chegar a rico nascendo pobre, que leva os pelintras mais ambiciosos a olharem os milionários como semi deuses, como alguém merecedor de reconhecimento sem olhar aos fundamentos do mesmo. Só por serem abastados, uma garantia de qualidade para o cidadão moderno que tem a bitola afinada pelo cifrão. Nem interessa como lá chegaram, às tantas até herdaram e o mérito é o mesmo que conduz de forma directa príncipes imbecis ao estatuto de rei. Ou milionários falidos, e igualmente imbecis, ao de presidente, como os EUA provaram ser possível.
E tudo somado, nesta modernidade espertalhona que valoriza mais um fabricante de violinos medíocre, mas milionário, do que o violinista primoroso que acabou na escadaria do metropolitano a tocar por moedas no chapéu, o um por cento da Humanidade tem a vida facilitada porque viu assim trocada a inveja potencialmente revolucionária pela admiração simplesmente absurda.