A Caminho
Mais de meio caminho já percorrido na viagem, sem hipótese de regresso ao porto de partida, rumo à incógnita que é o momento do naufrágio predestinado. A frota da incerteza, enfrentando alegadas iras divinas, onde andas que te afundo com a minha má disposição? Descobres onde ondas te desfazem a frágil casca de noz a que chamas de embarcação e insistes em manter-te à tona, numa atitude de desafio.
Barquinho patético, armado em navio, uma jangada feita dos destroços da tormenta que passou. À mercê dos elementos, por baixo o mar cinzento e tu de olhos postos num céu que não passa de um tecto falso pintado de azul. Adormeces por vezes no embalo sereno da ondulação que te anestesia para não doer a passagem do furacão interior que te distrai do temporal lá fora. Os dias que passam assim, salgados de esperança, mas igualmente condimentados pelo desacerto na tua navegação.
A sorte e o azar a fazerem de maré, meio cheia, meio vazia, e tu sem norte ao sabor de uma corrente que te arrasta para onde lhe apetecer. O leme é a tua bóia de salvação e agarras-te a essa ilusão de controlo sobre os acontecimentos, vira à esquerda, vira à direita, em frente é que é o caminho, e às tantas o horizonte escurece e tu sabes que não se trata da noite a chegar. É mais uma prova por enfrentar e não te perdoas teres seguido por ali quando julgas que podias ter embicado para além, desesperado por te acreditares um comandante capaz na viagem só de ida que te compete pilotar.
À deriva.