A posta num momento National Geographic
Basta uma criatura sincera e espontânea no seio de um grupo de hipócritas para as ligações entre essa frágil estrutura colapsarem. Ou pelo menos para entrarem no limbo das relações, aquela paz podre feita de períodos mais ou menos longos de afastamento típicos dos arranjos de conveniência.
Para os hipócritas, os sinceros são uma pedra na engrenagem do seu business as usual, do seu laissez faire, laissez passer tão conveniente para as proximidades forjadas ou alimentadas por elos de ligação pouco mais que institucionais. Por vezes são até mais desconfortáveis do que um grão de areia clandestino no interior de um preservativo, capazes de tornarem num inferno o funcionamento de grupos e de grupelhos baseados no faz de conta emocional.
Sim, os ajuntamentos de hipócritas funcionam em muito como as empresas. Interessa-lhes mais os fins do que os meios e há sempre um lucro a extrair que constitui, na prática, o único pretexto para a ligação. Claro que nem sempre é de dinheiro que se trata, basta o benefício da salvaguarda das aparências para justificar a manutenção de uma proximidade fictícia. Contudo, o oportunismo é uma característica corrente no hipócrita comum, está na essência dos sorrisos forçados como na insistência em rituais de confirmação, preços a pagar pelo benefício extraído.
A ilusão de um laço afectivo constitui, em boa parte dos casos, o único retorno proporcionado ao hipócrita menos ambicioso. Aguenta tudo, até mesmo a ferroada ocasional de um sincero no verniz ainda por secar, em prol do sentimento de pertença ao colectivo, ainda que este se revele disfuncional. O hipócrita move-se também pela esperança em ganhos futuros, pela fé de que a sua persistência possa ser premiada quando algum sincero mais inconveniente acabe finalmente expurgado do mecanismo com base num pretexto qualquer.
O hipócrita, como qualquer parasita, reage de forma hostil a todos os obstáculos à manutenção do respectivo estatuto, sendo essa, de resto, a única manifestação de algum tipo de espontaneidade na sua natureza artificial. A sinceridade, endógena ou exógena, constitui a maior ameaça à preservação da espécie e é por isso combatida pelo hipócrita mais feroz como uma infecção. Oculto na folhagem da mentira e do embuste, este espécime comum na selva urbana aguarda o momento certo para armar a rasteira ou, no caso dos mais cobardes, para rentabilizar a ausência voluntária dos sinceros em proveito próprio. Para o efeito, o hipócrita recorre ao seu poderoso arsenal de venenos para mentes fracas ou, quando inserido num rebanho mais imbecil, à sua habilidade para a camuflagem de vitimização.
O grupo de hipócritas, pela sua flexibilidade de critérios e pela extraordinária capacidade de adaptação aos ambientes plásticos, sobrevive aos mais duros golpes na carapaça colectiva e constitui por isso o equivalente às baratas após um holocausto nuclear.
Isso explica a proliferação do género e a sua sistemática projecção, em detrimento dos vulneráveis sinceros, para o topo da cadeia alimentar nas lixeiras que constroem, com infinita paciência, como habitat preferido na sua forma preponderantemente merdosa de organização social.