Ajudar quem precisa não pode, não deve, ser um gesto interesseiro a qualquer nível. Nem mesmo basear-se no pressuposto da retribuição posterior, algo que torna qualquer acto de generosidade num simples investimento a prazo, numa atitude capitalista.
O apoio a quem, por qualquer motivo, vê a vida afundar-se em conjunturas aziagas é, deve ser, um impulso espontâneo daqueles que nos distinguem enquanto seres humanos dignos desse nome. E não implica retorno ou qualquer tipo de reconhecimento. As medalhas devem sentir-se recebidas na confirmação do impacto positivo que se tem na existência dos outros, na satisfação do dever cumprido em matéria de construção de um mundo melhor.
Contudo, é legítimo ambicionar que esse mundo no qual, ainda que a um nível micro, se contribua com o melhor de nós mesmos para valer aos outros nas suas fases piores desenvolva o gosto por se disponibilizar da mesma forma. Por se provar melhorado, por contágio.
Infelizmente, não é assim que a coisa funciona no primado do cada um por si. Independentemente da postura que alguém assuma ao longo da vida, nenhuma garantia daí sobrevém de poder contar seja com quem for nos momentos menos bons. Pode esperar-se, isso sim, a habitual hipocrisia dos falsos preocupados, a palmadinha nas costas que apenas traduz a sua satisfação por não partilharem as mesmas aflições e não se materializa em porra alguma de positivo.
De resto, o conselho que é dado a quem padeça de algum tipo de fragilidade é que a esconda, que não revele em momento algum a fraqueza que, na prática, apenas serve como sinal de alerta para quem se sinta potencialmente alvo de pedidos de ajuda, essas maçadas como a maioria as entende no conforto de uma vida estável e abastada.
Aos indicadores típicos da mó de baixo como o povo a tipifica sucede-se a debandada mais ou menos apressada, mais ou menos óbvia de quem se vê demasiado próximo de alguém que mergulhe no inferno da decadência. O que valemos é o que temos e quando não temos assumimos o estatuto de assombrações. Negar esta evidência é confirmar o seu pressuposto, é exibir ignorância acerca de como a vida das pessoas pode tornar-se insuportável sob a pressão inerente aos fracassos ou mesmo aos azares que podem atingir qualquer um de nós.
De pouco interessam os passados quando os presentes denunciam futuros pouco risonhos. Não somos o que fomos, mas apenas o que se presume viremos a ser com base naquilo que temos para mostrar de nós em dado momento. De nada vale, sequer, o tipo de pessoa que escolhemos ser. Bons ou maus, o tratamento reservado aos que tropeçam é o mesmo: o de se levantarem do chão ou de lá permanecerem inteiramente por sua conta. Qualquer excepção a esta regra, a verificar-se, implica algum tipo de moeda de troca, de cedência, ou mesmo de humilhação.
Ninguém dá nada a ninguém, é um facto universal, um dado adquirido da sociedade moderna de que tantos se orgulham quando, na verdade, a maioria deveria a cada momento envergonhar-se.
E a vergonha na cara deveria bastar para que quem investe na caridadezinha de circunstância, feita de palavras ocas ou de gestos interesseiros, não acrescentasse, à desilusão de quem precisa e nada recebe, o nojo de quem também perde na aceleração das agruras da vida o travão piedoso para o excesso de lucidez.