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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

15
Mar17

Portas de saída

shark

No espaço de alguns dias, uma mulher e um homem suicidaram-se em Portugal por motivos cada vez mais comuns na nossa actual realidade. Ela, por estar na iminência de uma acção de despejo; ele, aparentemente por estar a sofrer o que sentia como uma humilhação no local de trabalho (acabando, de resto, por se matar na dependência do banco onde exercia funções).

Estes dois exemplos de uma modernidade indesejável, marcada por uma crise sem fim à vista, ilustram o grau de desespero que as pessoas, quaisquer pessoas, podem atingir quando submetidas à pressão esmagadora inerente a um trambolhão social.

 

Aquilo a que chamamos sociedade, corroída por algumas décadas de franca expansão do individualismo, está a tornar-se numa ameaça para os cidadãos apanhados em falso pela vida. Com ligações de amizade e até familiares cada vez mais reduzidas ao cumprimento de rituais, à manutenção de aparências, as pessoas interagem cada vez menos e fragilizam-se cada vez mais. Num contexto de crise, nomeadamente nos grandes centros urbanos onde as relações de vizinhança se resumem a encontros de raspão nos ascensores, indivíduos e pequenos núcleos familiares são triturados sem dó pelas eficientes máquinas públicas e privadas que tudo fazem para transformar cobranças difíceis em punições para quem, com ou sem culpa no cartório, fraquejou ou se tornou no dano colateral de uma redução de custos qualquer.

 

 

Na ressaca dos anos 90, ao longo dos quais foi incutido na população o sedutor conceito do empresário em nome individual, muitos abandonaram empregos para criarem o seu. Foi o tempo dos diesel com dois lugares, das urbanizações de luxo ao alcance do cidadão de classe média, dos empréstimos fáceis sob pretextos absurdos (até para as férias ou a compra de acções) e sempre sob o pressuposto de uma prosperidade futura, garantida por via do milagre comunitário dos euros aos milhões.

Esse numeroso grupo de arrojados empreendedores foi dos primeiros a sentir na pele o desabar das ambições desmedidas, quando os pequenos negócios construídos por amadores entusiastas com base no recurso ao crédito e/ou no esbanjar das suas poupanças empurraram boa parte de novo para o mercado de trabalho, já em queda, e deixaram os restantes em aflição e a empurrarem os problemas com a barriga ou mesmo a terem de recomeçar do zero. Ou do menos qualquer coisa.

 

A primeira década do século XXI conheceu, já perto do final, a explosão das várias bolhas que a bebedeira de uma prosperidade a qualquer custo criou. E custou, imenso, mesmo a quem, com emprego estável ou rendimentos elevados, assumira compromissos que a própria banca ou entidades para-bancárias filtraram como razoáveis antes de ser pela primeira vez divulgado o nojento chavão do viver acima das possibilidades. O bode expiatório da crise passou a ser o cidadão incumpridor, com consequências devastadoras não para quem é caloteiro ou malabarista mas sim para quem, com vergonha na cara, não possui estrutura emocional ou psicológica à altura da dignidade dos seus princípios.

A sociedade em aflição do cada um por si tolera sem esforço o fim social dos seus membros em desgraça, desertando sem cerimónia das vidas estragadas que são guerras perdidas e aceitando as desculpas de maus pagadores de quem em boa medida os criou: o sistema financeiro aldrabão e o Estado seu refém, com a parceria consolidada por vários políticos que, não por acaso, estiveram ligados à destruição da banca que tanto endividou o país. Desamparados e fragilizados pelas consequências nefastas desta conjugação de factores, milhares de cidadãos contagiaram os mais próximos com as suas perdas, quem a estes podia recorrer, enquanto outros, isolados, viram as vidas viradas do avesso pelo sistema criado para os pressionar e espremer ao primeiro sinal de incumprimento. Ou ainda antes, no posto de trabalho cada vez mais precário num tempo de flexibilidade laboral desmesurada.

 

É deste grupo de párias como nos fazem sentir que faziam parte o homem e a mulher de que vos falei à entrada. Escolheram uma das poucas portas de saída.

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