Ao contrário dos peixes, nós humanos possuímos os mecanismos de defesa necessários para evitarmos o anzol. Ou melhor, temos apenas um: a inteligência. Mas coadjuvada pela memória que nos permite aprender lições pela lembrança dos nossos erros (ou dos outros), pela intuição que nos alerta para as ameaças latentes e pelo bom senso que, por exemplo, nos diz que não há almoços grátis e recomenda cautela antes de fincar o dente nas ofertas inesperadas.
Todavia, à semelhança dos peixes, nós humanos somos inevitavelmente atraídos por engodos de todo o género. Mesmo do género dos que já antes nos tramaram ou a alguém próximo. A inteligência que deveria proibir-nos o mergulho na asneira (ou mesmo na sua repetição) nada pode fazer contra a força tremenda dos iscos concretos ou imaginários que a vida nos proporciona.
Nem só as criaturas marinhas morrem pela boca. E os humanos somam à irreflectida dentada na minhoca milagrosa, estranhamente ali pendurada pelo acaso ou por um deus, o uso complementar da boca para, por exemplo, falarem demais. Ou seja, não é ao fecharem a boca mas sim ao abri-la que o anzol os apanha.
Nos seus momentos de lazer, ao destino basta sentar-se na margem com uma cesta e os peixes com pernas nela se enfiam mesmo sem se revelar necessária uma cana. De resto, o destino também pesca com rede, a social, como este blogue é prova. Quem não deixa que apelos como a tentação, a ganância, ou mesmo a estupidez conduzam ao anzol acaba muitas vezes por ser apanhado nas redes que são feitas de palavras e constituem por isso águas traiçoeiras para a maioria.
As palavras são um isco irresistível, mesmo para as pessoas avisadas. E têm a temível característica de funcionarem como uma armadilha bidireccional, funcionando com idêntica eficácia quando são cuspidas como quando são engolidas. Num caso ou no outro, até o peixe graúdo se deixa ludibriar e acaba a dar à barbatana em seco na doca da incoerência ou no cais do disparate.
Contudo, e ao contrário dos peixes, depois de apanhados não vamos parar ao tacho ou à frigideira e, salvo raras excepções, voltamos a mergulhar de cabeça na vida que, como o mar, tem correntes e tem ondas e tem marés.
E por vezes só nessa altura, com a cara esparramada na areia, percebemos que do arrojo da natação nas águas revoltas e mais profundas, sejam do mar ou de um rio, pode resultar darmos connosco encalhados num imenso baixio.