Visto de fora
Os outros, cada vez mais ininteligíveis, optam invariavelmente pelo excesso nas reacções estapafúrdias ou pelo defeito na ausência de quaisquer umas.
Quase todos os outros, na quase totalidade das circunstâncias, parecem empenhados em surpreenderem pela negativa quem lhes cumpre fazerem sentir-se alienígena. E são bons nisso.
Quando, na fase imbecil da sede de integração a qualquer preço, participava sem questionar, sem prestar atenção, os outros pareciam iguais a mim. Ou eu a eles. Cada qual com as suas peculiaridades, mas capazes de orientarmos as condutas, os hábitos e até as opiniões que não arriscávamos extremar nesse esforço para preservar os elos de ligação. A ilusão da pertença.
Contudo, às tantas os outros, quase todos, começam a revelar a tal propensão para a atitude inexplicável ou para o desleixo implícito na respectiva omissão. E a pessoa sente o apelo, a tentação desastrosa, para tentar ver de fora. O risco imenso de observar e em seguida racionalizar o que se vê, agora sob outra perspectiva.
Está tudo doido, conclui-se.
E esse é o primeiro passo na construção daquilo que entendemos como barreiras protectoras. Para evitarmos a ameaça dos outros, aparentemente capazes de nos arrastarem para o turbilhão dessa loucura que pela proliferação assume contornos de generalizada, aumentamos a distância, restringimos a tolerância, entrincheiramos as emoções nesse lado de fora daquilo que, dia após dia, sentimos como uma agressão.
Simulamos a integração na teimosia dos rituais e das ligações cada vez mais apenas obrigatórias. Aturo-te isso porque és da família, desculpo-te aquilo porque és um amigo, vou ao funeral da tua tia que nunca conheci porque trabalhamos em secretárias contíguas.
Fazemos parte assim. Na encenação de uma aceitação do outro porque tem de ser ou ficamos isolados numa vida tantas vezes hostil. E depois os outros reagem mal nessas péssimas alturas ou nem se dignam reagir. Não observamos isso de forma imparcial e isenta, porque fazemos parte da mesma realidade que o acaso cruzou e porque tentamos sem sucesso entender os porquês com base naquilo que queremos ou acreditamos ser e na nossa percepção dos outros cada vez mais desfocada. Ingénuos, ainda fingimos fazer parte nesse momento em que nos provam que já só conseguimos ver de fora.
A partir do interior de uma fortaleza construída com paredes e telhados de vidro, assente num chão frio e opaco que mantenha oculta a precariedade das suas fundações.