A posta que não ouves
O sentimento de revolta é um dos que mais mobilizam qualquer pessoa. Seja provocado por motivos plausíveis ou apenas fruto de um raciocínio mal formulado, ou mesmo de um erro de interpretação, desenvolve-se como um tumor maligno enquanto persistir a questão que lhe deu origem.
De entre as revoltas possíveis, a revolta surda é potencialmente a mais nociva. Sobretudo porque tende a emudecer.
O cliché da panela de pressão veste como uma luva qualquer descrição da revolta surda enquanto factor de perturbação. A pessoa acumula essa força interior mal contida, absorve cada sinal, cada confirmação, nem sempre fidedigna, da legitimidade da sua ira. A pessoa ou o país.
É sempre de estranhar quando alguém, ou um povo, sente na pele o efeito de injustiças que se somam às provocadas por um rácio desfavorável entre a sorte e o azar e opta por refilar em surdina.
Aos poucos, a revolta surda vai exprimindo o seu paralelo com um vulcão. São pequenos abalos sísmicos, desabafos soltos aqui e além, aumento da concentração de gases perigosos, a mente a abdicar da racionalidade sem se aperceber. Indicadores a que poucos atribuem relevância e afinal são gritos de alerta para a iminência de uma erupção.
A revolta surda não sabe falar. A sua linguagem é equivalente à de uma granada de mão. Aparentemente inofensiva até alguém lhe puxar pela cavilha e o inferno acontecer, o caos espelhado em estilhaços aleatórios que atingem quem estiver mais a jeito.
Alimenta-se a si própria, sem controlo, uma vez deixada à solta na razão. E é essa a primeira vítima do massacre subsequente à revolta engolida quando a sua natureza é ser cuspida nem que sob a forma de um palavrão.
São poucas as escapatórias encontradas por alguém, ou uma população, na lógica que noutras formas de revolta acaba por prevalecer.
A revolta surda, por se sentir amordaçada, é mais eficaz que as restantes na arte de ensandecer.