Sempre que troco impressões com alguém acerca do que se passa (mais uma vez) em Gaza percebo que poucos conseguem abraçar algum tipo de isenção neste tipo de assunto, tão trágico quanto inquinado de contra-informação destinada a baralhar as mentes simples e permeáveis do cidadão comum.
No meio do debate, ninguém recorda que o efeito da sucessão de asneiras geopolíticas que originaram conflitos sangrentos que, por sua vez, alimentaram ódios difíceis de dissipar faz-se sentir, também, sobre pessoas sem qualquer tipo de intervenção ou mesmo de inclinação para qualquer dos extremos desta corda esticada demais.
Algumas delas demasiado jovens para entenderem o que se passa à sua volta sequer.
Na dificuldade de manter o tino nas acesas discussões, invariavelmente caídas no beco sem saída que resulta da preocupação em desmascarar um “culpado”, consigo ter uma visão, um pequeno indicador, do quanto será fácil incendiar corações no seio de quem se apanha enredado nos erros da História.
De repente, a questão da Palestina é de esquerda e a de Israel é de direita. Ou uma é apenas mais uma prova da maldade muçulmana enquanto a outra, vista do lado oposto, não passa de uma evidência da natureza malévola dos israelitas que por acaso até são judeus. E ainda existe o argumento, válido para as partes em confronto, da permanente legítima defesa contra um ataque acontecido há mais tempo do que alguém consegue lembrar e que, por si só, constitui garantia de que se irá repetir no futuro endiabrado que assim se constrói.
É uma pescadinha de rabo na boca, feita de autocarros escolares cobardemente armadilhados ou de mísseis canalhas enviados por engano para hospitais. É o mal sem controlo, legitimado por alianças de conveniência, por interesses obscuros e pelo radicalismo dos que nada se preocupam com o destino das suas populações. É política, depois é religião e no fim é aquela sensação de impotência perante a contagem dos corpos inertes no chão.
De pouco valem os argumentos em abono de um ou do outro lado, ambos mergulhados na cegueira militarista que lhes tira qualquer razão quando os inocentes pagam a factura e certamente prefeririam, sobretudo os vivos, qualquer outra opção que lhes permitisse sonhar uma vida sem tanto medo, quase normal (há outros problemas prementes em tempo de paz).
É difícil racionalizar um conflito marcado pela ausência de escrúpulos de quem se sente, por vingança, por sede de poder ou apenas por erro dramático de raciocínio, legitimado para matar por pátrias, por deuses ou por outro cliché dos que sempre alimentam estas chacinas que ninguém parece conseguir travar até alguém já ter ido longe demais.
Em causa estão duas nações cuja população, cada vez maior parte dela, preferiria ver erradicado o inimigo do outro lado da vedação entre os bons e os maus, consoante a perspectiva de cada um.
Contudo, é fácil de adivinhar o desfecho de uma guerra tão suja assim, e recordem-se os inocentes - a maioria dos que já morreram e dos que morrerão, se o resto do mundo não conseguir controlar as partes em disputa até ao dia famigerado em que o lado mais fraco desta quezília equilibrar a parada em matéria de capacidade para a aparentemente ansiada aniquilação total.