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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

09
Mar14

A posta pontapeada

shark

O António do talho é um puto porreiro e toda a gente o reconhece nessa condição.

Contudo, um destes dias passou-se com um vendedor de inutilidades e tentou dar-lhe um murro à terceira vez em que o abusador insistiu em entrar no estabelecimento.

A clientela, porquanto surpreendida com a agressividade inédita daquele paz de alma, de imediato o obsequiou com palmadinhas nas costas e tratou de apresentar à restante vizinhança as múltiplas atenuantes capazes de justificar aquele desvario de um moço que até é bom rapazinho.

Compreendo a reacção da malta e congratulo-me por o António não ter perdido o emprego. Porém, esta bonomia deriva não de uma qualquer tolerância para com o gesto irreflectido do jovem mas do facto de estar em causa um cidadão comum a quem o patrão pregou uma desanda e deixou claro que não se repetiria tal situação sem as devidas consequências (que do episódio em causa não resultariam nenhumas).

Em momento algum sancionei a (tentativa de) agressão mas tive em conta quem a protagonizou e o que de facto estava ali em causa.

 

O mesmo comportamento do António tem, aos meus olhos, outra interpretação quando assumido por cidadãos com outro tipo de responsabilidades inerentes ao exercício de determinadas funções.

Ou seja, continua a ser reprovável, mesmo inaceitável, tendo em conta o pretexto, mas acresce a questão de pormenor que não é, de todo, despicienda: alguns cargos implicam não se poder usufruir do mesmo nível de tolerância ao descontrolo momentâneo. Exemplos? Agentes da autoridade, líderes de opinião ou pessoas ligadas à actividade política (pela proximidade aos órgãos do poder).

Em qualquer dos exemplos supra, o diabo está no pormenor de ser exigível a pessoas com responsabilidades acrescidas pela influência do seu desempenho uma conduta irrepreensível em matéria de contenção verbal ou qualquer outra.

 

É para mim incompreensível que um assessor político, um tal de Zeca, possa tratar um fotógrafo à biqueirada e a clientela, neste caso a Comunicação Social, o trate como se fosse o António do talho.

E é para mim intolerável que o patrão do tal Zeca, por acaso o partido no poder, não se tenha sentido obrigado sequer a uma censura pública do comportamento de outro rapazinho bom num dia mau. O tal Zeca está ligado a um partido político, estava a receber um ex-Ministro e agrediu (ou tentou agredir) um profissional da informação.

É um precedente manhoso, sobretudo no actual contexto português e de boa parte da Europa, pela mensagem que transmite. É fácil extrapolar qual será o grau de impunidade de qualquer destes assessores de pêlo na venta num grau mais avançado da conversão em república das bananas levada a cabo pelo actual Executivo, tendo em conta os paninhos quentes colocados por vários jornalistas e o silêncio de quem assim cala e consente, nomeadamente e no caso em apreço, do PSD.

 

Por este conjunto de razões, não alinho no nacional-porreirismo que tanto me orgulha por saber distinguir a gravidade do crime de uma anciã que rouba conservas num supermercado da subjacente a um desfalque bancário capaz de afectar as contas públicas de todo um país, mas que tanto me embaraça quando se mostra ingénuo ao ponto de colocar o António do talho ao mesmo nível do Zeca assessor político no que concerne à responsabilização por incidentes desta natureza.

Uma democracia pode apenas constipar-se pela proliferação dos impulsos violentos entre a arraia-miúda, mas se a coisa alastra até tão perto de quem manda e é direccionada de forma impune contra quem pode denunciar abusos de poder, mais cedo ou mais tarde a pneumonia fatal é garantida.

05
Mar14

As cruzes da ribalta

shark

Por vezes desacreditamos personagens de filmes, incapazes de acreditarmos que existam pessoas assim. Isso aplica-se tanto às pessoas demasiado boas como às antes pelo contrário e nem precisamos de recorrer a exemplos extremos, incapazes que somos de aceitar alguns desvios de personalidade como possíveis.

Contudo, a vida vai-nos confrontando com uma realidade na qual existem de facto personagens de filme. Pessoas aparentemente normais mas capazes de protagonizarem situações impensáveis, para o bem ou para o mal, numa versão bipolar mansa que apanha de surpresa quem nunca está a contar. Gente estranha ou mesmo perigosa, pelas repercussões das suas iniciativas nas vidas que possam directa ou indirectamente afectar.

 

Imagine-se aquele cidadão que toda a vida ajudou velhinhas a atravessar a estrada e um dia empurra a anciã para debaixo de um camião. Coisa de filme, claro. Mas depois abrimos um jornal e lá está o facto insólito, mais os vizinhos surpreendidos por aquele gesto de quem afinal sempre foi boa pessoa.

Este conceito da boa pessoa é dos mais escorregadios nos dias que correm. Tanto pela ausência de valores determinantes para orientarem a conduta como pelo excesso de factores de perturbação capazes de desequilibrarem qualquer um/a.

O problema reside na facilidade com que a pessoa veste a pele de gente de bem, bastando alguma paciência na gestão da imagem. O objectivo final é obter aos olhos dos outros o tal estatuto de boa pessoa que dá trunfos para o jogo de influências tão em voga desde o dia em que alguém reparou na galinha da vizinha ou apenas na superioridade da dimensão humana de alguém que, apenas por isso, se constitui um estorvo, um embaraço potencial pela ameaça da comparação.

 

A falsa boa pessoa tem o condão de levar à certa quem prefere sempre acreditar no melhor cenário ou apenas naquele que é descrito à revelia de um alvo qualquer, sem contraditório. Se é uma boa pessoa que diz mal, é verdade com toda a certeza. E pelo menos a dúvida fica instalada até prova em contrário difícil de surgir quando a suspeita já manda no guião.

É assim que algumas personagens se constroem, história a história, mesmo sobre os escombros dos vilões inventados para justificarem a sempre rentável condição de vítima ou simplesmente porque sim.

E as encenações resultam, pelo menos enquanto das palavras não se passa às acções. É aí que torce o rabo a porca da verdade de um carácter moldado de forma tosca, baseado no recitar infindável de ladainhas ou de mentiras que contadas mil vezes transformam qualquer sapo num príncipe de fachada que desaba ao primeiro abanão na fantasia de Carnaval.

 

Estas coisas parecem inocentes, mas não são. Precisamente porque se nos filmes podemos atribuir à dramatização algum exagero na postura da pessoa a fingir, na vida a sério não existem atenuantes para as palavras ou as acções indignas quando acontecem sem justificação possível ou, ainda pior, quando servem claramente um propósito indecente que desmascara o actor ou a actriz.

E depois há o impacto negativo nos outros, muito mal no boneco da trama em carne viva, as consequências nefastas a empurrarem galãs de plástico e divas de silicone para fora do pedestal que nunca souberam merecer.

 

Há todo um karma ao qual nem as boas pessoas dignas de um Oscar conseguem fugir.

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