A posta pontapeada
O António do talho é um puto porreiro e toda a gente o reconhece nessa condição.
Contudo, um destes dias passou-se com um vendedor de inutilidades e tentou dar-lhe um murro à terceira vez em que o abusador insistiu em entrar no estabelecimento.
A clientela, porquanto surpreendida com a agressividade inédita daquele paz de alma, de imediato o obsequiou com palmadinhas nas costas e tratou de apresentar à restante vizinhança as múltiplas atenuantes capazes de justificar aquele desvario de um moço que até é bom rapazinho.
Compreendo a reacção da malta e congratulo-me por o António não ter perdido o emprego. Porém, esta bonomia deriva não de uma qualquer tolerância para com o gesto irreflectido do jovem mas do facto de estar em causa um cidadão comum a quem o patrão pregou uma desanda e deixou claro que não se repetiria tal situação sem as devidas consequências (que do episódio em causa não resultariam nenhumas).
Em momento algum sancionei a (tentativa de) agressão mas tive em conta quem a protagonizou e o que de facto estava ali em causa.
O mesmo comportamento do António tem, aos meus olhos, outra interpretação quando assumido por cidadãos com outro tipo de responsabilidades inerentes ao exercício de determinadas funções.
Ou seja, continua a ser reprovável, mesmo inaceitável, tendo em conta o pretexto, mas acresce a questão de pormenor que não é, de todo, despicienda: alguns cargos implicam não se poder usufruir do mesmo nível de tolerância ao descontrolo momentâneo. Exemplos? Agentes da autoridade, líderes de opinião ou pessoas ligadas à actividade política (pela proximidade aos órgãos do poder).
Em qualquer dos exemplos supra, o diabo está no pormenor de ser exigível a pessoas com responsabilidades acrescidas pela influência do seu desempenho uma conduta irrepreensível em matéria de contenção verbal ou qualquer outra.
É para mim incompreensível que um assessor político, um tal de Zeca, possa tratar um fotógrafo à biqueirada e a clientela, neste caso a Comunicação Social, o trate como se fosse o António do talho.
E é para mim intolerável que o patrão do tal Zeca, por acaso o partido no poder, não se tenha sentido obrigado sequer a uma censura pública do comportamento de outro rapazinho bom num dia mau. O tal Zeca está ligado a um partido político, estava a receber um ex-Ministro e agrediu (ou tentou agredir) um profissional da informação.
É um precedente manhoso, sobretudo no actual contexto português e de boa parte da Europa, pela mensagem que transmite. É fácil extrapolar qual será o grau de impunidade de qualquer destes assessores de pêlo na venta num grau mais avançado da conversão em república das bananas levada a cabo pelo actual Executivo, tendo em conta os paninhos quentes colocados por vários jornalistas e o silêncio de quem assim cala e consente, nomeadamente e no caso em apreço, do PSD.
Por este conjunto de razões, não alinho no nacional-porreirismo que tanto me orgulha por saber distinguir a gravidade do crime de uma anciã que rouba conservas num supermercado da subjacente a um desfalque bancário capaz de afectar as contas públicas de todo um país, mas que tanto me embaraça quando se mostra ingénuo ao ponto de colocar o António do talho ao mesmo nível do Zeca assessor político no que concerne à responsabilização por incidentes desta natureza.
Uma democracia pode apenas constipar-se pela proliferação dos impulsos violentos entre a arraia-miúda, mas se a coisa alastra até tão perto de quem manda e é direccionada de forma impune contra quem pode denunciar abusos de poder, mais cedo ou mais tarde a pneumonia fatal é garantida.