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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

26
Out13

A posta que vais cair do poleiro

shark

Aos poucos uma pessoa percebe que, na maioria dos casos, as palavras que lhe são dirigidas não passam de mera articulação de sons sem importância ou significado algum. Ou melhor, são proferidas, oralmente ou mesmo por escrito, com a leviandade típica de quem não sabe do que está a falar porque não entende a essência da sua própria mensagem.

Um caso flagrante é o das palavras que envolvem emoções. Mas todas as associadas a valores em desuso sofrem do mesmo padecimento: são parecidas com o som do vento no arvoredo e servem apenas para quebrar o silêncio com coisas giras de ouvir.

 

As pessoas falam das emoções com a mesma ligeireza com que mencionam tomadas eléctricas. E em ambos os casos são tão ignorantes na matéria que apanham um choque sempre que lhe metem a mão e descobrem a dura realidade dos perigos inerentes a mexer em coisas cujo teor só se conhece de ouvir falar.

Por entre as muitas frases começadas por “eu” sopram palavras sagradas como amor, amizade e outras do género, sem terem consciência do quanto nunca tiveram ou entretanto perderam a capacidade de entender os sentimentos (e os comprometimentos) em causa, excepto quando aplicados pelo próprio a si mesmo.

Fazem sempre má figura, essas pessoas, porque a ignorância ainda é motivo de embaraço e é estupidamente fácil tropeçar numa armadilha lógica quando não temos os pés bem assentes no conhecimento nem que apenas de causa.

 

O transtorno que essa utilização leviana das palavras provoca é o do respectivo efeito quando são dirigidas a pessoas desatentas o bastante para as levarem a sério. Temos uma tendência inata para a fé que contraria os factos que nos recomendam alguma prudência. E depois sentimos como uma estalada o despertar para a verdade inegável de que as palavras têm sempre forma, mas o conteúdo pode ser equivalente ao da palavra vazio.

É nisto que pessoas e papagaios revelam semelhanças extraordinárias.

 

Entender um papagaio não exige um esforço por aí além porque temos logo em conta que o pássaro limita-se a repetir algo que ouviu. Já com a pessoa precisamos de primeiro lhe identificar a penugem e só então estendemos o dedo da conversa fiada para que lá possam pousar o bico nas raras ocasiões em que se calam.

Saber lidar com estes bichos, as tais pessoas, requer alguma atenção. Nomeadamente porque corremos o risco de repetirem tudo quanto digamos, mas fora do contexto. É o problema da ignorância que atrás referi, as palavras podem funcionar como granadas e qualquer papagaio desconhece o propósito da cavilha que cuidará de retirar à primeira oportunidade.

 

Temos que ajustar a profundidade do raciocínio ao desempenho da ave diante de nós e limitarmos-nos a debitar algumas mensagens de encorajamento e a fazer que sim com a cabeça, fingindo acreditar que a pessoa até percebe o que está a dizer/repetir mas sem nunca, mesmo nunca, cair na esparrela de encontrar algum nexo entre as palavras e as emoções ou valores que representem.

Ou seja, de levar a conversa do animal a sério.

20
Out13

Eu também gosto de dar os meus bitaites

shark

"Acreditem, o blogue só tenderá a melhorar porque estaremos mais focados no que realmente interessa: publicar conteúdo."


Já lá vão 3 semanas desde que o Bitaites, o meu blogue de eleição, não publica conteúdo algum. E entretanto, com razões plausíveis na perspectiva e circunstâncias dos autores, o blogue deixou de ter caixas de comentários (o trecho acima é parte da respectiva justificação).


Temo o fim da Blogosfera às prestações. O exemplo acima só contribui para cimentar esse meu receio.

09
Out13

Em silêncio

shark

Palavras disparadas como rajadas de metralhadora. Palavras libertadas como se já estivessem curadas da demência de quem as deixou à solta lá fora, atiradas como pedras cuspidas por um calhau qualquer.

Palavras desperdiçadas como fogueiras ateadas minutos antes de um temporal.

 

Mesmo sendo todas boas, há palavras que fazem mal. 

09
Out13

A posta na plástica

shark

É fácil rotular o cuidado (que se tem por excessivo) que algumas pessoas dedicam à sua aparência. Basta considerar coisas como o botox, o silicone ou o branqueamento anal.

É fácil porque é excessivo. Porém, é impossível traçar uma linha a partir da qual já podemos catalogar um excesso, salvo raras excepções, sobretudo num domínio em que cada um/a sabe de si e todos têm o direito a não levar com considerações de terceiros acerca de opções tão pessoais.

Claro que isto é muito claro na teoria. Na prática, apontamos o dedo a quem acrescenta as mamas enquanto reparamos que está na altura de cortar as unhas.

 

Onde quero eu chegar com isto? As tais linhas que todos gostamos de traçar relativamente às escolhas dos outros são imaginárias e subjectivas (quase mitológicas, portanto) e nunca coincidem com as das pessoas visadas.

Definimos os nossos próprios limites mas isso não nos impede de os alterar ao longo do caminho, nem que pelo efeito tramado da passagem do tempo no nosso visual.

Alguns dos que se chocam com o excesso de maquilhagem de outrem pintam o cabelo de outra cor que não a sua, deitando às urtigas o tal conceito do artificial que, bem vistas as coisas, veste os dois exemplos em causa ainda que com diferentes (e hipotéticas) gradações.

 

É o tal piso escorregadio dos limites e das avaliações quantitativas, nos outros como em nós. Às tantas, mesmo os que se afirmam alheios a essas coisas da aparência acabam um dia confrontados com a realidade da sua. E lá vão por água abaixo os argumentos “para fora”, na reacção hostil à verdade que qualquer espelho insiste reflectir.

A aparência, que não conta para ninguém, é lixada quando constitui uma clara desvantagem na interacção com os tais outros que também afirmam não ligar coisa alguma e depois a pessoa cai do céu quando percebe que falar é fácil e que toda a gente vai concentrar a atenção na borbulha feia por cima do nariz.

 

Para felizes contemplados com um visual agradável de origem o problema pode assumir proporções mais sérias, pela novidade da perda de confiança em si mesmos, o abanão num dado adquirido tão fácil de tombar pelo efeito da perda de um dente frontal ou de largas porções de cabelo. Ou das primeiras rugas. Ou de outra coisa qualquer que se imponha como um handicap potencial e seja demasiado óbvia para dissimular.

É nessa altura que a aparência passa de figurante a protagonista e o filme é quase de terror.

 

Tudo é muito relativo e de estanque já nem se safam as verdades ditas universais como, por exemplo, a que dizia que as pessoas e os livros não se julgam pela capa.

Nas bibliotecas como no resto da vida, são instintivamente escolhidos os mais apelativos, os mais perfeitos, os mais bonitos, os mais jovens e depois do que a vista selecciona, só depois, podem eventualmente impor-se outros detalhes a que chamamos “as coisas importantes” ou assim.

E o resto, perdoem-me a franqueza, não passa de mais um politicamente correcto folclore das boas intenções.

05
Out13

No lado de cá

shark

Nunca primei pelo optimismo, admito. Perante alguns factos que me chocam opto sempre pela preocupação inerente às minhas previsões (quase sempre) catastrofistas.

Quando tento entender o funcionamento desse mecanismo interno que me conduz para os receios pelo pior, apenas um dos desfechos possíveis em qualquer situação, percebo que a lógica assume um papel relevante.

Essa lógica é a que me diz ser absurdo não vaticinar um pesadelo quando, à face das evidências, estão reunidos todos os ingredientes para o mesmo se verificar.

 

Lampedusa, uma localidade italiana que bem dispensaria a associação sinistra impossível de evitar, é apenas uma face visível dessa tragédia que está a acontecer com cada vez maior frequência, o êxodo em massa por parte das populações aterrorizadas e famintas de boa parte do hemisfério sul.

E na minha visão pessimista do futuro, a fortaleza em que se estão a transformar muitos países ocidentais da zona mediterrânica mas também nos EUA no que respeita à sua fronteira com o México, por exemplo, vai progredir para uma barreira instransponível futura que, na prática, assumirá esta vergonhosa divisão do planeta em dois.

 

Nunca conheceremos a verdadeira dimensão deste horror, nos números como nos contornos tenebrosos da jornada dos emigrantes africanos no mar feito estrada para um paraíso como naturalmente o entenderão.

É desumano, é assustador e, face à reacção hostil que acaba por marcar a actuação das autoridades nos países confrontados com o problema, é descaradamente cruel.

É de pessoas que se trata. Com peles diferentes, com culturas distintas, com o azar de terem nascido no local e no tempo errados para quem ambicione a felicidade de coisas tão simples como uma terra em paz. Mas são gente, gente que arrisca a morte com filhos nos braços depois de pagar fortunas por uma viagem sem retorno nas piores condições que conseguimos imaginar.

Essa é a realidade tal como está a acontecer e envolve números na casa das dezenas de milhar, todos os anos. E não estamos a falar de gnus.

 

O dilema com que deste lado dourado do mundo, por estranho que isso possa soar, nos confrontamos passa pela luta interna entre o humanismo elementar que nos impele a acudir a estas pessoas em aflição, com culpas no cartório para a Europa colonialista, e o pragmatismo financeiro dos que têm optado pela via da fortificação, no sentido de impedir o afluxo de gente de fora que custa dinheiro só pelo facto de ter que se reparti-lo.

Numa balança com um dos pratos ocupados pelo dinheiro já sabemos para que lado os pratos, as decisões, penderão, somando-lhe a xenofobia, o racismo, a ganância, a desumanidade de uns quantos que, quando todos em sintonia, são demasiados e até há exemplos de como conseguem chegar ao poder em eleições nestas democracias cada vez mais bizarras.

 

É esse, sem dúvida, o rumo que italianos, espanhóis, turcos e todos quantos, na Europa, sentem mais de perto e com maior intensidade o problema têm optado por seguir. Mais vigilância nas fronteiras, mais repressão dos clandestinos, repatriamento na ponta da língua para a maioria dos que conseguem capturar com vida.

É essa a barreira intransponível que estamos todos a construir, passo a passo, até à tal visão pessimista do futuro como o prevejo para um mundo inteiro em convulsão. Um planeta armado até aos dentes e dotado de tecnologia superior, a norte, com os seus recursos empenhados na manutenção dessa fronteira global pouco acima do equador. Interdito para todos aqueles que, dessa forma, serão abertamente declarados inferiores.

E um outro planeta, a sul, faminto e desesperado, sem recursos ou com os mesmos esgotados pelas alterações climáticas ou pela rapina ocidental, a alimentarem os ódios que se converterão naquilo a que chamaremos terrorismo mas não deixará por isso de ser na realidade uma luta pela sobrevivência, a exigência de um equilíbrio que, por este caminho que lhes oferecemos, é fácil concluir dos dois lados da barricada que só à bruta poderão algum dia alcançar.  

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