Foto: Shark
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Parece difícil, no meio de tanto ruído que as coisas desagradáveis provocam, ruído amplificado pela tensão de uma correria sem nexo numa pista sem destino algum em concreto. Sobrevivência, medida pela bitola do nível de vida que conseguimos alcançar.
A luta que abraçamos para mantermos o estatuto que percepcionamos naquilo que nos serve de referência, bens de consumo, tranquilidade financeira que nos ilude porque nos afasta do que parece sempre tão difícil, mas não é.
A felicidade ambicionada, mais do que qualquer uma das coisas, coisas(!), que nos foge por entre os dedos como a areia na ampulheta imaginária que mede o tempo perdido que descobrimos tarde demais não ser possível recuperar, é instantânea, imediata, percebida em instantes fugazes da mais benigna lucidez.
O abraço sincero de um amigo, as gargalhadas de um filho, o olhar reconhecido de uma mulher que num momento qualquer descobriu o prazer de se sentir especial.
Felicidade genuína, daquela que nos passa quase despercebida na porra de uma vida que a vê passar de raspão. Coisas simples, de todo pequenas, que nos marcam de forma indelével em pedaços de memória que agarramos com sofreguidão.
Parece difícil, no meio de tanta distracção que nos afasta do que teorizamos importante mas praticamos irrelevante no contexto de uma luta interminável pelos objectivos materialistas que nos propomos concretizar. Pois parece.
E a vida quase nos adormece o instinto protector daquilo que mais nos interessa, atarefados na guerra pelo que acreditamos ser uma vida melhor, alienados pelo ritmo que acaba por nos impor essa obsessão permanente de chegar mais longe, mais alto, mais distante do que intuímos importante ao ponto de constituirmos pretexto para justificar qualquer ausência, qualquer abstinência da felicidade que adiamos sempre para depois.
Afastamos-nos do que interessa sem disso darmos conta (e às tantas despertamos à bruta) do que vale a pena na existência, o tempo passa depressa, e caímos em nós porque sabemos a cada instante em que consiste ser feliz e insistimos no caminho errado como se fosse uma obrigação, como um falso cego que faz de conta que não vê.
E nessa altura o mais difícil é percebermos porquê.
Ganha balanço para o salto que precisas dar, abraça a atracção pelo abismo onde se afunda o teu olhar. Memórias (doidas) varridas de emoções que encontraste despidas no instante em que te propuseste pôr tudo a nu, o centro do mundo és tu enquanto te concentras para a descolagem, enquanto te libertas da bagagem dispensável, de tudo aquilo que é passado a ferros no presente que te esmaga com a ansiedade de não saberes o que o futuro te reservará.
Perde de vez o medo da exposição de qualquer segredo perdido no tempo em que escondias as fraquezas, assume a expressão das tuas certezas e intimida dessa forma qualquer agressor. Grita se necessário, enfrenta o mais perigoso adversário, dentro de ti, um lastro de outros que carregas como um Sísifo imbecil e te atrasa, perdido por um, perdido por mil, para o compromisso inadiável com o destino que o acaso te ofereceu e que, para esse efeito, é mesmo só teu.
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