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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

29
Mai13

E o brio que está?

shark

Leio quase todos os dias desabafos por parte de quem teme, com alguma razão, o fim dos jornais na sua versão em papel. Os mais pessimistas estendem esse receio a qualquer versão, dada a aparente incapacidade de muitas publicações lograrem a sua viabilização financeira em suporte digital.

Se muitos apontam o dedo a erros de gestão, à falta de pedalada dos decisores para acompanharem a passada do progresso, outros optam por responsabilizarem os próprios jornalistas pela sua inépcia em marcarem a diferença, no rigor e na deontologia, relativamente à concorrência “desleal” da informação em bruto que a internet disponibiliza e o público parece cada vez mais privilegiar em detrimento dos media tradicionais.

 

A questão tem sido debatida um pouco por todo o Mundo e não é, de todo, irrelevante para o cidadão comum. Qualquer pessoa com consciência do papel da Comunicação Social na própria construção de um sistema democrático digno desse nome percebe o que está em causa nesta progressiva degradação das condições em que o Jornalismo se faz.

A queda parece, em muitos aspectos, irreversível por estarmos perante uma típica pescadinha-de-rabo-na-boca: com os órgãos de CS na mão de magnatas e de empórios, o critério economicista dita as regras e à diminuição das tiragens sucedem-se os despedimentos e a degradação ao nível do próprio recrutamento por via da redução das contrapartidas salariais e outras. Isso sente-se na qualidade do que é publicado e ao empobrecimento dos conteúdos corresponde a perda de ainda mais leitores para a oferta alternativa que a Blogosfera, por exemplo, constitui.

 

Uma das reacções instintivas de parte dos jornalistas directa ou indirectamente afectados pelo advento do suporte digital e do acesso à informação sem regras que a internet proporciona foi a tentativa de descrédito indiscriminado dessa alternativa. Nessa perspectiva, seria o meio a separar as águas e não o talento e/ou a competência dos seus protagonistas.

Contudo, a manifesta falta de brio e de critério em muito do que hoje é publicado em jornais e revistas (ou mesmo na tv, embora esse seja outro campeonato) acaba por tornar óbvia, por comparação, a maior qualidade de alguns conteúdos disponibilizados de forma gratuita em páginas do facebook ou nos blogues.

Esta é a armadilha da arrogância que afasta alguns profissionais da realidade nua e crua: só fazendo melhor conseguem marcar a diferença.

 

Porém, a questão da credibilidade que um órgão de CS deve assegurar também entra nas cogitações e essa não é da exclusiva responsabilidade dos jornalistas. Quem pretende lucrar com as empresas do ramo tem a obrigação de garantir uma gestão de conteúdos criteriosa e livre de condicionalismos e de pressões várias, de tudo quanto possa afastar os profissionais da comunicação das funções que lhes competem, sendo esse o único caminho para salvaguardar o interesse de leitores/assinantes e, por inerência, dos anunciantes a quem os números influenciam decisões.

 

Sem a devida atenção a estes aspectos o fim estará de facto garantido e poucos poderão descartar para o acaso aquilo que em boa medida depende apenas da rejeição de um factor chamado negligência.

 

20
Mai13

A posta que o desculpo na boa e até lhe pagava um café.

shark

O Carlos Abreu Amorim, no que me respeita, é uma pessoa como outra qualquer das muitas que só entram no meu quotidiano através da Comunicação Social ou pelo computador. Não é um amigo, nem um conhecido sequer. E carrega a dupla cruz de ser laranjinha e portista, o que abre enormes perspectivas de antagonismo em qualquer tipo de contacto que algum dia pudéssemos manter.

 

Esse contacto, a acontecer, poderia resultar de uma troca mais ou menos azeda no Twitter, provavelmente acerca de política ou de futebol.

Foi este último o mote para uma tirada imprópria do CAA, um tweet onde apelidava os benfiquistas de magrebinos a quem mandava curvar perante o poder do Grande Dragão em pleno rescaldo de mais esse desgosto lampião.

Deu o corpo às balas, o Amorim. Errou no momento e ainda mais nos termos. Sobretudo por não ser um Carlos qualquer mas sim um cidadão com cargos políticos relevantes e prestes a enfrentar uma prova de fogo eleitoral.

 

No vespeiro em que as redes sociais se tornaram, implacáveis no triturar da imagem de quem meta o pé em falso, a tirada eufórica do CAA suscitou de imediato reacções coléricas que arrastaram outras reacções indignadas e a partir daí tornou-se no alvo fácil da turba.

Eu também manifestei a minha ira perante o insulto nortenho como o senti, benfiquista, agarrando-me à fragilidade da sua condição de figura pública que, como todos nas redes sociais bem sabemos, torna implacáveis os que pousem a vista num qualquer momento infeliz dessas pessoas com responsabilidades e com um estatuto que parecem (e se calhar até são) a todo o tempo obrigados por inerência a justificar.

 

Não tardei a hesitar nas minhas invectivas quando o tom das críticas começou a descambar para o deboche, o insulto fácil com base na característica física mais evidente do CAA. Da minha fúria lampiona fui recuando até quase à solidariedade para com alguém a quem a multidão perdeu o respeito ao ponto de enveredar pela baixeza, como a sinto, de pegar pelo ponto fraco como o entendem de forma cruel e imbecil, o gordo, o trinca-espinhas, o zarolho, a meia-leca.

 

E agora que o Carlos Abreu Amorim, laranjinha e portista, teve a dignidade suficiente para publicar um pedido de desculpa pelo seu impulso palerma mais uma justificação para o mesmo, gesto de que a esmagadora maioria das pessoas que acompanho nas redes sociais seria incapaz, já olho com desprezo para as hienas que se revelam demasiado estúpidas e insensíveis para pararem de tentar morder os calcanhares a um homem que não é meu amigo, nem meu conhecido, mas soube merecer de mim pelo mea culpa em causa um respeito que a canalha mesquinha e embirrenta jamais me conquistará.

20
Mai13

Até ver

shark

Patético, caminhava sobre as brasas da fogueira acesa pelo sol no areal por debaixo dos seus pés. Parecia que dançava, na expressão alucinada do olhar. Parecia que planava, braços abertos em vão para o abraço que ignorava não passar de um fruto podre camuflado por entre um cesto cheio concebido pela sua imaginação.

Padecia de uma loucura com pele de camaleão, discreta, secreta, impossível de detectar no meio dos cadáveres amontoados daquilo que outrora apelidava de lucidez.

Sem conhecer a realidade da sua condição, avançava para um ponto distante no horizonte interminável que o seduzia com miragens, falsas imagens que se desfaziam em pó quando se aproximava demais.

Parecia tactear o mundo em seu redor, cego por dentro pelo excesso de luz no pensamento perdido em raciocínios circulares, arrastado pelo vento até paradeiros desconhecidos, os passos entorpecidos pelo calor, como uma marioneta do destino, sem conhecer o caminho ou um ponto de chegada para a sua caminhada solitária, interior.

Apenas não queria parar, movido por uma força qualquer para a qual não encontrava uma justificação.

 

Ridículo, marchava num campo de batalha ressequido, um terreno marcado pelas pegadas cobardes de um exército de desertores. E ele ali, desarmado, braços abertos com o peito oferecido às balas de um inimigo que mal conseguia identificar, dentro de si, passos perdidos no meio de um chão que ardia e ele já nem sentia, anestesiado pela distracção que os fantasmas do passado lhe proporcionavam enquanto o alucinavam com memórias falsas e visões adulteradas de um futuro repleto de oásis que não conseguia encontrar.

Caminhava sobre o fogo que o sol teimava em atear, ignorante da sua condição, ambulante embrenhado numa simulação que lhe testava a resistência e lhe incutia a persistência que o levara até ali.

 

Ao ponto de partida dentro de si.

15
Mai13

A posta que pró ano é que é

shark

Ser adepto deste ou daquele clube é resultado de tantos factores aleatórios e acontece em tão tenra idade que raramente nos lembramos do momento, do tempo e das circunstâncias, em que decidimos abraçar para a vida um emblema e uma cor.

Não nascemos adeptos, mesmo quando nos inscrevem como sócios ainda antes de nos imporem outra canga que é a do baptismo. Fazem-nos adeptos ou apenas embicamos para este ou aquele amor à camisola porque sim.

 

Podemos questionar ou mesmo alterar a nossa opção partidária, a nossa relação amorosa e repensar inúmeras escolhas de caminhos ao longo da vida. Porém, o clube que é o nosso agarra-se à pessoa como uma cor de olhos ou um sinal de nascença.

Perca ou ganhe, é o nosso clube. Por ele gritamos, por ele choramos, por ele torcemos uma vida inteira. E a cada novo jogo, a cada nova época, a cada nova etapa, a esperança de vencer é renovada e não existe martírio suficiente para nos vergar nessa paixão.

 

É impossível de explicar este apego a uma colectividade de forma racional. É mesmo de um amor que se trata, braço dado com uma fé tão inquebrantável que mais facilmente a pessoa deixa de acreditar em Deus. Sobretudo quando este último nos prega partidas tão dolorosas como as duas seguidas que o meu Benfica sofreu.

Tivemos dois pássaros na mão e ambos os casos a ave, mesmo à beira de uma daqueles voos dignos de uma águia, morreu.

Dói imenso, por quão ridículo possa soar a quem passe ao lado destes fenómenos tão estranhos como a loucura da paixão por um clube e acima de tudo, numa hierarquia inquestionável, pela sua equipa de futebol. É coisa para fazer um homem chorar, de alegria como de tristeza, sem que alguém ouse questionar por isso a sua dureza e masculinidade como ainda acontece e muito quando essa manifestação surge associada a outro tipo de emoções.

 

Ser benfiquista, o meu drama pessoal, é coisa de uma intensidade quase insuportável de tão perturbadora do estado normal de consciência de uma pessoa. É toda uma montanha russa de emoções arrebatadoras, jornada após jornada, taça após taça, títulos conquistados e outros, sempre demasiados, a escaparem para um qualquer dos rivais do costume.

 

Ser benfiquista é uma pessoa deitar as mãos à cabeça mergulhada num desalento esmagador quando se enfrenta uma derrota.

Mas também é uma constante renovação desse amor que tanto nos trai, é um renascer das cinzas, permanente, depois de perdoados todos os desgostos, de ultrapassadas todas as arrelias. Cerramos os punhos numa gana danada de pró ano é que é e defendemos a nossa dama contra tudo e contra todos, sem ponderar sequer a hipótese de uma desistência por muitas que sejam as ocasiões em que saímos a perder.

 

Há casamentos que resistem com muito menos do que isto para dizer.

15
Mai13

Faz de conta que um dia

shark

Faz de conta que um dia sentiste na pele o toque dos dedos que te escrevem agora uma prosa ficcionada, uma história construída sobre os alicerces de memórias como peças de lego num puzzle que alinhamos a dois em quartos separados, tira e põe, põe e tira, pedaços de fantasia encaixados em retalhos de vida conversada como ela também se faz.

Imagina um enredo e transforma-o num segredo que tencionas soprar, palavras confiadas ao vento que as carregue para só eu as ouvir, murmuradas lá fora na dança das folhas que se sonham páginas de um livro ainda por escrever, para só eu as ouvir e assim quase me poder sentir especial, quase protagonista.

 

Faz de conta, numa espécie de fogo de vista capaz de me incendiar ilusões, que um dia te despertei emoções proibidas, sensações vividas numa assoalhada clandestina da tua imaginação, como se alguém abrisse um alçapão no tecto dessa casa assombrada por fantasmas a fingir, o som distante de pessoas a rir das palavras oferecidas apenas porque sim, num dia em que fizeste de conta que pretendias ouvir contar uma história com sentimentos de brincar, beijos de encantar num guião improvisado sem um príncipe encantado que te pudesse fazer sentir na pele, faz de conta, o sopro quente da brisa de uma respiração carregada de palavras doces, clandestinas, levadas até ti pelo vento suão. 

14
Mai13

Palavras para quê?

shark

Olho nos olhos das palavras, atrevido. E elas punem-me pelo arrojo, conscientes do quanto não possuo aquilo, seja o que for, que me conceda o direito de olhá-las assim. Sorriem com desdém, fazem troça do meu atrevimento e ignoram em absoluto a minha veleidade de escriba amador e amante inferior das suas tentações demoníacas, das ilusões que estendem como um falso tapete vermelho neste branco imenso que desafia os atrevidos como eu.

Olho-as com respeito e tento usá-las a preceito mas as palavras jamais se deixam usar, rebeldes por natureza, independentes da vontade de quem se arvora capaz de as manobrar a seu bel-prazer, superiores a todas as vaidades humanas.

E a minha, ridícula aos seus olhos de fêmeas bem rodadas, de palavras muito usadas, experientes, apenas belisca ao de leve a fina cútis que as protege dos arremedos de insignificantes prosadores, elas que já serviram para descrever intensos amores ou prodígios da inteligência.

 

Olho nos olhos as palavras e esboço um sorriso patético, ciente da sua incomensurável superioridade que me esmaga mas não me impede de as confrontar. Absurdo, entrego-me às palavras e ofereço-lhes a rendição.

13
Mai13

A posta no ponto de não retorno

shark

“Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem obedecer a leis injustas, nenhuma tirania pode escravizá-lo.” – Mohandas Ghandi

 

Embora as tiranias sejam, grosso modo, caracterizadas e identificadas pelos abusos de poder de índole política, de acção governativa alheia aos princípios democráticos que subscrevemos, elas podem acontecer sob outras formas, sob pretextos diferentes dos tradicionais, e até desenhar-se nos bastidores das ideologias, à revelia das mesmas, que se constituem como simples linhas de rumo para a imposição de um sistema prepotente, hostil ou mesmo desumano de gestão dos recursos para além das pessoas, das populações que na prática os geram.

 

É esse o meu retrato da situação vivida em Portugal, como na Grécia, ou em qualquer país cujas circunstâncias o subordinem em demasia a um pulso de ferro financeiro que estrangula a economia até a exaurir e acaba a saquear os cidadãos, sem qualquer nojo perante a ruptura de pressupostos de confiança entre estes e os seus Estados que deveriam ser tidos como sagrados pelos seus eleitos e mesmo pelos seus credores em dado momento da História.

 

Na verdade, uma tirania pressupõe um governo instituído de forma ilegal, o que, é certo, não se verifica por ter sido eleito, ou que seja ilegítimo, o que nesta altura é uma realidade factual perante o evidente divórcio entre eleitos e seus eleitores.

Porém, o abuso de poder torna-se cada vez mais evidente e vai aos poucos revelando os contornos da sua motivação, o móbil de uma actuação mais do que impopular: a inflexibilidade de um poder financeiro aparentemente insensível ao impacto das suas regras conjunturais na vida do cidadão comum e, numa fase a que agora assistimos, na própria essência do Estado que só faz sentido enquanto espelho de uma realidade colectiva e nunca como uma ameaça a direitos individuais que dela brotaram.

 

A legislação que, em desespero de causa, um Governo manietado por acordos e compromissos que parecem sobrepor-se aos legítimos interesses da população entende aplicar pode constituir, aos olhos dos governados, uma verdadeira traição quando viola os pressupostos de confiança que acima refiro e transforma o país numa fonte de pesadelo que já roubou o emprego a quase um quinto da sua força de trabalho e empurrou para o estrangeiro mais de um por cento da sua população em poucos anos.

E não há margem para flores: é de tirania que se fala, quando se priva alguém de rendimentos tidos como certos, as pensões de reforma, no final de vida de pessoas que cumpriram a sua parte no contrato com o Estado sem temerem que este, em qualquer circunstância, o pudesse renegar. Sobretudo numa altura em que para lá da sua subsistência a geração mais idosa se vê obrigada a acudir à da geração que a sucedeu.

 

Envergonha-me, esta falta de honra, esta privação da dignidade imposta a quem acreditou que uma vida honesta de trabalho lhe garantiria um futuro de merecido sossego.

E sinto-a, não há volta a dar, como uma ditadura mansa, imposta pelo poder financeiro, que destrói pedra por pedra as bases do sistema democrático e do próprio Estado, corroendo-o com o descrédito das instituições, conspurcando-o com o desprezo pelas suas obrigações, impondo regras sem respeito pelas pessoas que fazem uma Nação como se esta pudesse dispensá-las.

 

Acredito cada vez mais que estamos já no ponto sem retorno, nomeadamente pela ausência de perspectivas de um futuro melhor a curto prazo.

E tal como na citação com que abro esta posta, estou receptivo a meios cada vez mais radicais que não apenas para combater esta forma de escravatura moderna, mas mesmo para aboli-la.

11
Mai13

A posta que isto já lá não vai com falinhas mansas

shark

No visível desespero dos próprios apoiantes dos partidos da coligação que nos governa, cada vez mais desarmados para acudirem em seu auxílio e com a perda de audiências da presença televisiva de Sócrates a privá-los do renascer das cinzas de um culpado mesmo a jeito para a argumentação fácil, percebe-se o quanto as sondagens até acabam por não reflectir na sua verdadeira dimensão o esboroar absoluto da base de legitimação do actual Executivo.

 

Sejamos claros: já nem a malta de Direita acredita nas hipóteses de sucesso deste grupo heterogéneo de pessoas a quem o poder foi confiado nas circunstâncias que se sabe e de entre a mesma falta de alternativas que nos aguarda em futuros plebiscitos.

Falha-lhes o talento para o jogo político, a credibilidade para a mobilização popular em torno das suas medidas bizarras e, em muitos casos, simplesmente cruéis, a consistência para consolidar uma imagem de força que colmate as várias debilidades da sua forma de controlar o poder e, acima de tudo (e nem quatro Poiares bem maduros conseguem apagar o rasto de imbecilidade deixado pelo inenarrável Relvas), falta-lhes a inteligência que nos poderia valer.

 

Depois de assente o pó da desilusão inicial, os portugueses agitaram-se e quase roçaram a revolta chegando a haver quem temesse uma nova Grécia nas nossas ruas. Claro que foi sol de pouca dura e depressa a população acabou enfraquecida pelo próprio efeito de uma governação desastrada e desastrosa que nos obriga a centrar atenções nas questões mais elementares da sobrevivência. Quase um milhão de desempregados mais outro milhão de reformados (com pensões sistematicamente alvejadas pelos snipers da rapina estatal) a sustentarem famílias inteiras deixam pouca margem de manobra para a contestação.

Agora, encravados entre um Governo muito incapaz e uma oposição pouco convincente, oscilamos no quotidiano entre o encolher de ombros resignado, a gestão in extremis de recursos financeiros depauperados e os fenómenos quase diários de estupefação perante as asneiras, as tiradas idiotas e as medidas controversas (ou mesmo inconstitucionais) de que a Comunicação Social e o seu batalhão de notáveis desertores analistas, maioritariamente da mesma área política da quadrilha liderada por Passos Coelho, nos dão conta.

 

O banana no topo do bolo é uma velha glória dos dias felizes do esbanjamento dos milhões que a Europa nos ofereceu como contrapartida para abdicarmos de boa parte do controlo económico sobre o país. O Presidente da República, esse colosso do anedotário político, deveria constituir a maior esperança para uma solução mas acaba por ser uma das faces mais evidentes do problema: a triste realidade de um poder meio senil que ameaça a Democracia, destruindo-a aos poucos neste caldo em lume brando, num banho-maria de impunidade despudorada, de desorientação mal disfarçada e de um esforço concertado de estupidificação das massas por todos os meios ao alcance da seita de chicos-espertos e de palermas instalados nos diversos poderes.

 

Entregues a uma corja de oportunistas e de mercenários, mergulhamos aos poucos nas trevas da lei da selva, do salve-se quem puder.

E ninguém faz a mínima ideia do quanto neste período negro Portugal já deitou a perder.

09
Mai13

A posta que podia ser

shark

Podia ser um cavaleiro em armadura reluzente, cheio de heroísmo e a galope num unicórnio porque cavalo é coisa muito vista, a caminho do ponto de encontro com uma donzela em apuros e encurralada no torreão por um mau qualquer.

Podia ser um dragão, mas padece do mesmo problema do cavalo e o horror aos clichés acaba por prevalecer quando a imagem se desenha, ou se esboça (que dá um ar muito mais elaborado ao boneco) na mente equilibrada sobre uma pessoa sentada e a quem apeteceu escrever.

 

Pois podia, e até dava pano para mangas se a pessoa enfatizasse o profundo drama humano implícito na condição de refém da moça indefesa (seria uma história muito antiga, pois elas hoje em dia frequentam aulas de defesa pessoal) ou, em alternativa, focasse a câmara imaginária no duro de serviço, o guerreiro destemido com a sua enorme coisa na mão (a espada, naturalmente, ou outra arma daquelas a sério que obrigavam os lutadores a enfrentarem os oponentes olhos nos olhos) ou o mau com o aspecto necessariamente medonho para que o outro, o herói, pudesse brilhar ainda mais no mérito da sua jornada.

Contudo, séculos decorridos numa sucessão de histórias com enredos desta natureza esvaziam de sentido a abordagem medieval ao amor que enchia de coragem os peitos couraçados de jovens intrépidos a quem os tempos obrigavam a conquistar as suas eleitas à porrada porque as oportunidades escasseavam para lhes deitarem a mão.

Como as histórias de príncipes e de princesas que acabavam sistematicamente casados, felizes e cheios de infantezinhos, ou os contos de fadas que transformavam abóboras em coches e nunca se popularizaram em terras onde a fome não cessa de grassar, os relatos imaginados de jovens indómitos a galope enfiados em fatiotas de metal parecem apelos ao bocejo, sobretudo para quem os vê, a maioria dos de hoje, a empunharem o telemóvel para ligarem à polícia enquanto fogem a sete pés do sarilho em que a garina se meteu.

Podia, é verdade, adaptar os cenários da fantasia tradicionais a pessoas muito actuais e inventar um cavaleiro gay capaz ainda assim de desancar sem piedade o malvado que quisesse fazer mal a uma amiga ou a uma irmã, ou caracterizá-lo como um cobardolas sem carácter a quem o mau da fita fizesse a folha e no epílogo teríamos apenas uma queca bem dada à donzela e depois até amanhã se Deus quiser, no fundo o mau até era bom e ela nem por isso curtia por aí além o bardamerdas forte na pala mas fraco na pila que lhe saíra na rifa num mero cruzamento de caminhos que, de resto, nem sempre favorece a personagem a brincar ou a sério e depois ela até tinha uma carreira fixe e divertia-se bué e filhos não estavam a dar.

 

Podia ser isso, agora e aqui. Mas a liberdade criativa, chamemos-lhe isso para embelezarmos o gesto, é uma maluca e nunca se sabe para o que lhe dá quando dá de trombas com um espaço em branco para preencher, pode apenas embicar para um pacato mas inócuo e inconsequente e quiçá disparatado tu cá tu lá com quem calhou ter o azar de aterrar aqui que, como bem sabem os passageiros frequentes, é terra de ninguém em matéria de linha editorial (oh yeah) e onde literalmente tudo pode acontecer.

 

E afinal uma posta sem mortos nem feridos nem desempregados nem reformados com pensões de miséria, nos dias que correm, acaba por ser sempre uma história com um final feliz.

04
Mai13

A posta alta num cavalo perdedor

shark

Um gajo senta-se diante do monitor e nem sempre lhe apetece cumprir um qualquer ritual, como na televisão nem sempre nos apetece o mesmo canal, e depois dá-lhe para ir dar uma voltinha pelos corredores mais ou menos iluminados do casarão em que a net se tornou.

Naturalmente, que passados alguns anos sobre o advento da coisa isto da nostalgia também já pode acontecer em ambiente virtual, uma das tentações é a de sacudir o pó aos “favoritos”, essa ferramenta que tínhamos como imprescindível quando jovens e imberbes exploradores do fenómeno.

E embora raramente nos dê para aí, é ponto assente que perdemos a vontade de tão cedo repetirmos a graça.

 

Como qualquer pessoa que bloga desde o início da década passada, vivi os dias intensos da fase pós chat e pré facebook. A sede de comunicação era imensa e os computadores substituíam quase por completo as televisões que pouco ou nada transmitiam para nos prender a atenção. Passávamos horas diante do monitor, descobrindo nova gente e apreciando os talentos extraordinários (como nos pareciam) de desconhecidas/os, acabando cedo ou tarde por estabelecer contacto com as pessoas por detrás das realidades virtuais que nos esforçávamos por construir.

 

Era giro, admito, e mexia com uma pessoa. Era quase como um regresso à adolescência, pelas emoções de geração espontânea suscitadas por alguém cujo rosto, cuja voz, cujo género desconhecíamos e que nos surpreendiam pelo seu vigor.

A alma latina fazia-se sentir através de um computador, nas discussões acaloradas como nos flirts à descarada que partilhávamos com quem passou a viver parte da existência naquele mundo à parte que fomos construindo com a mesma expectativa de uma relação a dois, com a esperança da eternidade que qualquer paixão consegue alimentar.

E isso aplicava-se a qualquer tipo de relação que nascia desse contacto distante que se transfigurava próximo pelo exagero nas revelações protegidas por um anonimato que aos poucos começou a desaparecer.

 

Foi essa a mudança que deitou tudo a perder. Jantares, convívios, encontros marcados sob a pressão da curiosidade que sempre matou gatos e na internet vitimou imensos corações.

Amizades de aparência sólida e amores clandestinos de caixão à cova brotavam como cogumelos a partir das caixas de comentários, dos emails e do messenger, enxurradas de palavras sentidas e acreditadas que nos faziam presumir uma intimidade e laços tão fortes que o impulso da proximidade física acabou por vencer.

Sim, foi isso que deitou tudo a perder. Ou pelo menos arrefeceu o entusiasmo juvenil que nos prendia à cadeira, como hoje é fácil de constatar na triste decadência da blogosfera enquanto rede social e a que o facebook apenas deu o golpe de misericórdia.

Ao vivo e a cores, há um brilho qualquer que se extingue e as emoções (como as imagens) artificiais sucumbem à verdade dos factos que os olhos nos olhos não conseguem disfarçar.

 

Os meus favoritos não passam de um extenso rol de blogues extintos ou ligados à máquina da teimosia dos poucos que como eu ainda vão aparecendo para fazer a cama e mudar os lençóis. Das pessoas que faziam o meu quotidiano virtual nos dias loucos de 2004 e foram entrando aos poucos na dimensão analógica restam apenas vagas memórias e um ou outro contacto esporádico, residual, distante como seria suposto neste ambiente. E isso abrange amizades “para a vida” como paixões que nos faziam chorar.

 

Contudo, e nisso a vida tem sempre a última palavra, dou comigo a navegar pelos restos dos meus rastos dessa etapa que tanto coloriu a minha entrada na crise da meia-idade e a constatar o quanto de ilusório se constrói nestes canais de comunicação modernos.

Mas no balanço desta nostalgia de pacotilha também descubro o pragmatismo que a passagem dos anos nos traz quando percebo que aquilo que me ocorre no final do périplo virtual é uma conclusão de SEO: o contacto pessoal com gente que bloga tem um preço a pagar, uma espécie de castigo para as nossas ilusões, e é a forma mais desastrada de dar cabo da popularidade dos nossos espaços virtuais.

 

Quem nos conhece pessoalmente e por algum motivo desatina é garantido que não nos linca mais.

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