E o brio que está?
Leio quase todos os dias desabafos por parte de quem teme, com alguma razão, o fim dos jornais na sua versão em papel. Os mais pessimistas estendem esse receio a qualquer versão, dada a aparente incapacidade de muitas publicações lograrem a sua viabilização financeira em suporte digital.
Se muitos apontam o dedo a erros de gestão, à falta de pedalada dos decisores para acompanharem a passada do progresso, outros optam por responsabilizarem os próprios jornalistas pela sua inépcia em marcarem a diferença, no rigor e na deontologia, relativamente à concorrência “desleal” da informação em bruto que a internet disponibiliza e o público parece cada vez mais privilegiar em detrimento dos media tradicionais.
A questão tem sido debatida um pouco por todo o Mundo e não é, de todo, irrelevante para o cidadão comum. Qualquer pessoa com consciência do papel da Comunicação Social na própria construção de um sistema democrático digno desse nome percebe o que está em causa nesta progressiva degradação das condições em que o Jornalismo se faz.
A queda parece, em muitos aspectos, irreversível por estarmos perante uma típica pescadinha-de-rabo-na-boca: com os órgãos de CS na mão de magnatas e de empórios, o critério economicista dita as regras e à diminuição das tiragens sucedem-se os despedimentos e a degradação ao nível do próprio recrutamento por via da redução das contrapartidas salariais e outras. Isso sente-se na qualidade do que é publicado e ao empobrecimento dos conteúdos corresponde a perda de ainda mais leitores para a oferta alternativa que a Blogosfera, por exemplo, constitui.
Uma das reacções instintivas de parte dos jornalistas directa ou indirectamente afectados pelo advento do suporte digital e do acesso à informação sem regras que a internet proporciona foi a tentativa de descrédito indiscriminado dessa alternativa. Nessa perspectiva, seria o meio a separar as águas e não o talento e/ou a competência dos seus protagonistas.
Contudo, a manifesta falta de brio e de critério em muito do que hoje é publicado em jornais e revistas (ou mesmo na tv, embora esse seja outro campeonato) acaba por tornar óbvia, por comparação, a maior qualidade de alguns conteúdos disponibilizados de forma gratuita em páginas do facebook ou nos blogues.
Esta é a armadilha da arrogância que afasta alguns profissionais da realidade nua e crua: só fazendo melhor conseguem marcar a diferença.
Porém, a questão da credibilidade que um órgão de CS deve assegurar também entra nas cogitações e essa não é da exclusiva responsabilidade dos jornalistas. Quem pretende lucrar com as empresas do ramo tem a obrigação de garantir uma gestão de conteúdos criteriosa e livre de condicionalismos e de pressões várias, de tudo quanto possa afastar os profissionais da comunicação das funções que lhes competem, sendo esse o único caminho para salvaguardar o interesse de leitores/assinantes e, por inerência, dos anunciantes a quem os números influenciam decisões.
Sem a devida atenção a estes aspectos o fim estará de facto garantido e poucos poderão descartar para o acaso aquilo que em boa medida depende apenas da rejeição de um factor chamado negligência.