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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

30
Abr13

Uma panela, depressão

shark

Água na fervura e deixa-se a coisa em lume brando, a ver se resolve. Mas apenas adia.

Apenas prolonga a agonia no tempo, num ferver mais lento que continua a queimar o rastilho improvisado para atrasar a deflagração.

Cada vez mais perto de explodir, a tampa prestes a saltar, pressionada pelo vapor da locomotiva escondida no interior de um espaço incapaz de a manter na linha, o descarrilamento ao virar da esquina, pouca terra, pouca terra, e demasiado caminho a percorrer em tão pouco tempo que falta para algo rebentar, um aneurisma ou coisa pior, e a água a ferver cada vez mais escassa no fundo.

Todo o tempo do mundo, era aquilo que parecia, mas a ampulheta ameaça ficar vazia e ninguém a pode virar ao contrário para garantir o prolongamento, um lado quase cheio a um ritmo cada vez mais apressado, e a imagem em câmara lenta para fingir que tudo acontece mais devagar.

Mas o comboio não pára de apitar no pipo da panela que grita a impaciência ou mesmo a dor que lhe provoca o escaldão, o pesadelo da evaporação acelerada da pouca água já queimada em demasia, o lume brando que só adia o momento do final inevitável, pouco tempo, pouco tempo, e demasiado perto da estação terminal que se aproxima a passos largos, à vista naquele horizonte cinzento, lá ao fundo, no céu.

 

O ferver está mais lento, mas a água já quase desapareceu.

22
Abr13

Somos o que somos porque sim

shark

Somos o que nascemos.

Aquilo que herdamos, o sangue de alguém. Um pai e uma mãe, mais uma linhagem qualquer. A família, antepassados. Genes que nos determinam, feita uma combinação com o acaso ou com Deus consoante queiramos acreditar. Somos o que nascemos, a estatística que nos faz saudáveis ou doentes, perfeitos como nos anseiam ou azarados logo à partida com um problema qualquer que nos possa condicionar daí em diante, diferentes como os outros mas condicionados por uma diferença a mais.

 

Depois crescemos e somos aquilo que bebemos de quem nos queira criar, a educação que nos orienta até à hora de sabermos quem somos mais o que queremos ser afinal.

Aquilo que aprendemos, as coisas que imitamos até ao dia em que entendemos melhor o papel que queremos assumir. Decisões que tomamos em função da forma como sentimos mais o que a razão nos aconselha, dentro dos limites impostos à nascença pelo conjunto de condições reunidas pelo destino, o nosso e o de quem nos sustenta e em nós deposita as suas expectativas e, por vezes, até as suas ambições por concretizar.

 

Somos o que decidimos, também.

Escolhas certas ou erradas que podem influenciar sobremaneira tudo aquilo que seremos então. Tudo isso mais o mundo à nossa volta, cheio de gente como nós cujos caminhos se cruzam com a rota que traçámos e tantas vezes alteramos para as alinharmos em função, moldamos aos poucos a viagem à medida de coisas tão aleatórias como a necessidade temporária ou, com muita sorte, o amor que nos dizem ser melhor quando eterno até nos apercebermos que as rotas paralelas se transformaram aos poucos em rotas de colisão.

Pode acontecer dessa forma ou precisamente ao contrário, na lotaria que nos oferece números premiados como nos impõe a dado ponto os picos de desilusão. Pretextos para deixarmos cair sonhos antigos ou para aceitarmos como causas perdidas as certezas arrogantes de um tempo em que nos acreditávamos capazes de tudo e a felicidade surgia no horizonte como um sol livre do ocaso ou dos temporais.

 

Somos o que nascemos mais tudo o que cada pessoa é capaz.

Mas também somos o que vivemos e por isso tudo aquilo que sejamos será sempre muito do que a vida nos faz.

15
Abr13

A posta na vida de saltos rasos

shark

Parto sempre do princípio de que textos publicados em jornais de referência, seja em edição online ou em papel, gozam de um pressuposto de credibilidade e de seriedade sustentados também no critério de selecção dos respectivos escribas.

Por isso mesmo, dou o peito às balas (que é como quem diz os olhos às palavras) sem os mecanismos de protecção que emprego, por exemplo, neste meio alternativo que é a Blogosfera. Ou seja, leio o que é publicado por títulos como o Expresso com a confiança típica do consumidor crente numa chancela.

Contudo, essa abordagem não me resguarda de potenciais erros de casting ou apenas de lacunas na filtragem de conteúdos e depois sou apanhado nas curvas por pérolas destas.

 

O tema é apelativo, quase diria sedutor, para um esqualo da velha escola, do tempo em que nós gajos tínhamos a fama e elas o proveito nessa matéria.

Dei por isso a máxima atenção possível ao texto da jovem Marta Ramalho, convicto de que iria confrontar-me com a visão moderna, com a perspectiva esclarecida de alguém que terá aprendido com as lições do passado (os don juans e os casanovas citados) e acrescentaria algo de novo (os múltiplos exemplos de sedutores sem pila, menos célebres e mais pragmáticos), nomeadamente a lucidez de quem percebe que à evolução do tempo corresponde a obsolescência de muitos estereótipos.

 

O tal texto da Marta até tenta, aqui e além, tapar o sol da evidência com a peneira da aparente mistura de géneros no mesmo saco de “vampiros de afectos”. No entanto, a descrição do perfil dessa gente narcisista e com pavor ao compromisso assenta de forma inequívoca e descarada no protótipo masculino mais generalizado. O macho da espécie, como é fácil constatar numa observação desatenta do discurso corrente, assenta como uma luva na definição que a Marta estampa no seu texto e só os/as mais desatentos/as não intuem de imediato aquilo que a alusão introdutória a personagens masculinos, consagrados da sedução, sem contraponto do género oposto (mata haris e assim), pretende garantir.

 

O texto da Marta é apenas mais uma versão sonsa do eterno (mas cada vez mais injustificado) separar das águas em matéria de agressores/agredidas por esses maus que as pintam como princesas sem qualquer intenção de as coroarem no futuro.

No fundo, é apenas mais do mesmo na sistemática diabolização dos fulanos que dantes as desonravam e agora apenas abandonam depois de conquistadas.

 

Claro que a Marta se esforça na modernização do cliché, deixando no ar uma vaga miscigenação dos géneros no bando de sugadores de jugulares emocionais, mas a Marta não é parva (se o fosse não escrevia para o Expresso) e a maioria dos leitores (e leitoras) bebe facilmente a mensagem de fundo que nos remete para um estilo e uma actuação que ainda hoje vestem na perfeição o género masculino, por muito que seja mais que óbvia a troca de papéis nesse particular ao ponto de já haver quem deixe escapar alguma saudade desses dias em que os homens (ainda assim numa confrangedora minoria) dominavam a arte da sedução enquanto hoje elas se sentem negligenciadas pela ausência dos tais habilidosos que as seduziam e hoje apenas as fazem bocejar numa sucessão infindável de cedências a males menores, a soluções de compromisso para evitarem as privações.

 

O que a Marta parece não querer enfatizar é o cariz de reciprocidade na questão da auto-estima, relegando para segundo plano a das pessoas (sem pila) seduzidas em detrimento dos temíveis amantes do efémero que as enganam, presume-se que com falsas expectativas de amores eternos.

 

O que a Marta parece não querer deixar claro é que quando a corda ameaça partir é porque existe gente a segurá-la com força em ambos os extremos.

02
Abr13

Obsolescência planeada: o lucro fácil undercover

shark

É impossível não reparar no facto de a minha máquina de lavar roupa, com mais de 20 anos, ainda cumprir o seu papel na perfeição enquanto a da louça, a caminho do seu terceiro aniversário, já ter precisado de várias intervenções técnicas para manter o seu desempenho medíocre.

Isto a propósito também de um documentário ontem transmitido pela SIC Notícias a uma hora de baixa audiência acerca de um fenómeno chamado obsolescência planeada que, de resto, é apenas mais um indicador do quanto as empresas se tornam aos poucos numa ameaça séria. E já não somente para o bom senso.

 

A obsolescência planeada, resumindo, é um expediente utilizado no fabrico de equipamentos de grande consumo para que estes durem menos tempo do que poderiam e deveriam. Dos exemplos oferecidos no dito documentário destaco um de um condensador xpto alegadamente inventado pela Samsung para em simultâneo reduzir o tempo de funcionamento dos seus LCD e impedir a respectiva reparação (por se tratar de componente exclusivo e impossível de substituir). Mas parecem não faltar exemplos desta iniquidade que para muitos se compreende à luz do funcionamento da economia, embora eu não consiga interpretar a coisa como algo diferente de um gigantesco embuste para rentabilizar a inércia dos consumidores papalvos em que o mercado é fértil.

 

Quando falo em ameaça, tendo em conta os milhões em causa, recordo a atitude cada vez mais hostil por parte das grandes corporações quando instadas a propósito destes esquemas marados de pura intrujice. Se forem consumidores atentos e persistentes ao ponto de recorrerem a tribunais com as evidências do logro, as empresas compram-lhes as almas para assim os dissuadirem. Mas a coisa engrossa quando se trata de jornalistas e disso o tal documentário dá bem conta (deixando de fora a pressão que os gigantes da indústria podem exercer sobre as redacções quando possuem um estatuto de anunciantes poderosos nos media que os submetam a trabalhos de investigação comprometedores para a imagem de glamour que a publicidade se esforça por criar).

 

E quando falo de embuste falo de ameaça também, pois o consumidor acaba por esmifrar a existência para sustentar os vícios de um tecido empresarial mal habituado a lucrar com base no pressuposto de que os fins justificam os meios e determinado em enraizar o conceito de que tudo isso é normal no regular funcionamento do mercado que, como se sabe, é cada vez mais voraz nos seus apetites

Escrúpulos, ética ou moral são termos de um passado empresarial já quase perdido no tempo, tornados obsoletos pela combinação da falta de brio e de vergonha de empresários obrigados a satisfazerem accionistas ou apenas para sustentarem os seus próprios excessos sem olhar à indignidade subjacente a esta vigarice global que mesmo estando na moda não podemos permitir branqueada na sua essência ignóbil.

01
Abr13

A posta que agora envelheci

shark

Existem emoções tão fortes, tão inconvenientes ou simplesmente tão despropositadas que em dados momentos quase nos obrigamos a anestesiá-las.

A vida, sobretudo quando se complica, confronta-nos com essa necessidade absoluta de, no mínimo, aprendermos a dosear qualquer exibição do sangue que nos ferve por dentro e precisamos conter na sua sede de explosão.

E a vida sabe como criar as condições para nos deixar no colo as situações, boas e más, que moldam algo a que se convencionou chamar de experiência de vida ou maturidade ou qualquer outra alternativa ao macaco e respectivo calo no cu.

 

Tempos atrás entraria em detalhes. Numa primeira fase por acreditar de forma ingénua que isso interessaria a alguém e depois por me ter convencido, de forma imbecil, que a exposição pública seria argumento determinante de entre os que, à época, trazia gente a este espaço.

Agora dispenso-os, tanto pela irrelevância para os outros como pelo respeito para comigo mesmo.

De resto, do quanto os dramas pessoais de terceiros provocam algum tipo de reacção nos chamados seguidores das redes sociais (e eu também visto essa pele) fiquei recentemente conversado em episódio que me ilustrou o quanto não existem atenuantes para os maus momentos, em quaisquer circunstâncias, quase pelo mesmo motivo que leva os bons momentos a não implicarem quaisquer troféus.

 

Somos aquilo que somos e não vale a pena o esforço investido na maquilhagem dessa essência que acaba por transbordar, bastando uma cedência ligeira a uma ou mais pressões que nos diminuam a resistência e/ou a concentração indispensáveis para conseguirmos distinguir os dias inapropriados para a interacção e lá estamos, de costas no chão, à mercê da implacável punição. E essa pode vir sob a forma de uma consequência negativa na nossa relação com os assuntos como com as pessoas, na vida lá fora como nestes ambientes virtuais que cada vez menos me prendem a atenção.

 

Por isso nos vemos forçados a limitar ao máximo a informação acerca de quem somos e ainda mais qualquer demonstração das nossas lacunas e fraquezas, sendo certo que dos fracos não reza a história e que em tempo de crise resta de nós muito pouco para oferecer aos outros, nomeadamente no que respeita à sensibilidade, à paciência ou apenas ao saco para aturar dramas alheios ou apenas para tê-los em conta num contexto infeliz de alguém.

Por isso vou aos poucos deixando morrer a minha intervenção neste blogue como, aliás, o faço em qualquer outro meio. Não tenho vontade de dizer demais nem a vida me autoriza a fazê-lo, desarmado que me encontro perante as consequências possíveis de um momento demasiado revelador. E não tenho energia para buscar alternativa (e consolo) na criatividade da ficção que me ofereceria de bandeja um meio de expurgar os meus medos, os meus anseios, as minhas aflições, mas também de extravasar as minhas esperanças, as minhas vontades ou, acima de tudo, as minhas emoções.

 

Isto para dizer o seguinte, assumindo a aparente cobardia implícita mas que, bem vistas as coisas, não passa de um mecanismo de defesa próprio de quem não quer nem precisa de maçar os outros e estes a mim, nesta fase complexa que preciso de enfrentar com o máximo de solidez: sempre que se imponham pedidos de desculpa meus, é quase certo que implicam igualmente algum tipo de adeus. 

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