A ver se eu apanhei o espírito da coisa: o Governo acha que está na hora de redimensionar o Estado, o que todos sabemos corresponde a aniquilar o Estado Social de onde mais facilmente se podem amputar recursos para tapar buracos, enquanto a Oposição acredita ser possível, por exemplo, dirigir o cutelo para as tais gorduras cujo peso tarda em fazer-se sentir na balança.
Claro que depois entram em cena as contas e é aí que as vozes começam a destoar, com uns a provarem sem margem para dúvidas que o fim do Estado Social como o construímos ao longo de gerações é a única salvação e outros antes pelo contrário, cheios de fé na gestão das alternativas e de indignação perante o ultraje que a demissão por parte do Estado das suas responsabilidades sociais constitui.
Assim sendo, onde está a dúvida?
Parece-me claro que a austeridade é perniciosa para a saúde mental dos políticos de direita, como é normal no abuso de qualquer substância perigosa para a saúde da economia e que ainda por cima causa dependência.
Ficam doidos de entusiasmo perante a possibilidade real de confiarem aos privados tudo quanto possa gerar lucro, mesmo que sob o controlo do Estado pareça condenado a dar prejuízo. E não escondem essa febre do ouro capitalista, essa tentação demoníaca de confiar a vida de todos nós ao funcionamento do mercado que, como é fácil provar, resulta ainda menos do que apostar por inteiro na Divina Providência.
A receita é simples: há bronca nas contas, a culpa é da esquerda (o Sócrates, sempre ele) e da sua insistência em maluqueiras como computadores portáteis para milhares de miúdos sem hipóteses de acesso aos mesmos, reformas, Novas Oportunidades, Serviço Nacional de Saúde tendencialmente gratuito, coisas assim sem jeito nenhum porque envolvem investimento de dinheiro dos contribuintes, do Estado, desviando enormes maquias do domínio privado.
Nesta linha de raciocínio, o Governo não hesita nas contas: corta-se em ordenados, subsídios de desemprego, reformas, investimento público, SNS, Justiça, Educação e investe-se na estabilidade da banca, nas facilidades para as empresas exportadoras, em tudo quanto possa ser desviado para longe das despesas do Estado com o bem estar dos seus cidadãos, nomeadamente dos menos abastados e sem meios para terem seguros de saúde, PPR's e outras opções à intervenção estatal nas coisas que nos interessam. Ah, também não negligenciam a Defesa (de onde pingam uns submarinos e outros negócios chorudos) e a Administração Interna (que não faltem os meios para controlar a turba).
Custa a perceber porque ainda há tantos portugueses que se deixam ir no embalo da culpa do Sócrates (ainda que exista, os que lá estão foram eleitos no pressuposto de corrigirem as asneiras do antecessor) e desviam a atenção da inépcia flagrante deste Governo na correcção dos alegados desmandos da governação socialista (a diferença nos resultados está à vista) que foi promessa eleitoral de proa.
Não custa adivinhar que cada dia a mais por este caminho será um dia a menos ao dispor de quem possa dar a volta à situação antes que Portugal e a Grécia se (re)fundam por igual.