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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

30
Set12

A POSTA QUE HOJE AINDA PODEMOS ESCOLHER

shark

Deus quis que, entre os homens, uns fossem senhores e os outros, servos, de tal maneira que os senhores estejam obrigados a venerar e amar a Deus, e que os servos estejam obrigados a amar e venerar o senhor (…)

 

Saint Laud de Angers

 

 

Assim se resumia, preto no branco, a definição das hierarquias numa sociedade feudal.

Eram simples, à época, estas questões melindrosas do lugar que as pessoas devem ocupar em função dos critérios de outras pessoas que reclamam os melhores para si mesmas.

Havia uma elite, os senhores, e havia o resto da malta, os servos, numa relação legitimada (e certamente abençoada) pela vontade de Deus.

Não havia muito a pensar com as coisas postas dessa forma: Deus quis e a partir daí fim de papo.

Depois era só aceitar a lotaria do destino e rezar (a probabilidade era tão escassa que só mesmo com milagres) para nascer no lado certo desta arrumação básica das prateleiras sociais.

 

Só em 1789 o mundo produziu algo de significativo para contrariar o espírito da coisa no escrito acima, depois de séculos mergulhados numa mera disputa de poderes entre os diferentes senhores e na qual ao povo (o tal resto da malta) competia sempre servir de carne para canhão.

Mas como a História sempre nos ensinou, os mecanismos de poder bem sucedidos nunca desaparecem em definitivo. Ficam latentes, à espera do momento certo, das circunstâncias mais favoráveis para ressurgir, noutras mãos, com outros rostos, com as mutações necessárias para se adequarem aos propósitos dos mais poderosos em cada tempo e em cada lugar.

 

Quando na citação acima substituímos Deus por dinheiro e olhamos em nosso redor é impossível reprimir uma certa inquietação. A chamada agenda neoliberal tem paulatinamente removido do caminho os obstáculos a um feudalismo em versão moderna, igualmente fascista mas mais civilizada, mais consentânea com os estragos que os últimos dois séculos provocaram nas contas dos que ganham mais. Mas é um facto que o poder político surge cada vez mais distante, para lá das muralhas policiais e das barreiras à Informação que os preservam da ira legítima dos cidadãos quando se percebem abusados ou vítimas de um embuste, tal como é incontestável o primado do dinheiro nas decisões seja de quem for, seja onde for, amado e venerado ao ponto de merecer o sacrifício de vidas, imensas, como só aos deuses se permite sem contestação.

E eles, os senhores da finança que controlam os senhores da política e da justiça e todos quantos procuram cobertura sob a capa de um estatuto superior ao da maioria dos cidadãos, fomentam porque lhes convém essa organização tão simples: senhores e servos. Ou senhores e trabalhadores por conta de outrem, desde que devidamente amansados pela desautorização do movimento sindical, pela precariedade dos postos de trabalho, pelo apelo ao consumo desmedido, pelo condicionamento ou mesmo manipulação da informação que mais pesa na opinião pública, pela degradação sistemática e objectiva dos mais sólidos pilares da Democracia e por todos os meios que possam tornar cada cidadão refém e, se possível, devoto a essa causa duvidosa.

 

Quando os sinais se somam e continuamos a ignorá-los temos razão para nos assustarmos. Podemos ou não levar a sério as perspectivas mais desconfortáveis e pessimistas, consoante o nosso próprio ponto da situação quanto àquilo em que a nossa vida se tornou no meio da aceleração e da alienação que quase nos são impostas como um preço a pagar pela felicidade em que alegadamente se tornou a integração na sociedade, implicando esta a posse de bens que funcionam como as bijutarias com que compraram Manhatan aos indígenas.

A esses privaram de um pedaço de terra. A nós, compram-nos aos poucos a alma. Ou, quando tal caminho não resulta, vergam-nos pelo medo da exclusão social a que nos condenam se não conseguirmos atinar ou se a conjuntura for desfavorável e se necessário desertam, mesmo que estejam em causa grandes aglomerados populacionais, como o exemplo da cidade de Detroit tão bem documenta e as várias nações miseráveis do mundo gritam nas nossas caras viradas para o lado, problema dos outros que a nós jamais atingirá, enquanto perdemos o controlo das nossas vidas, a soberania das nossas nações e tudo aquilo que nos possa defender do regresso ao passado numa das suas memórias mais desprezíveis.

 

E é sempre no presente que se constroem as várias Histórias possíveis.

28
Set12

PÁGINA EM BRANCO

shark

Quero ver-te como a uma mulher nua deitada na cama à espera de mim.

Depois quero aproximar-me e tactear o caminho certo para te preencher com tudo aquilo que faça sentido para ti que o descobres apenas nesses momentos de interacção a dois.

Quero ver-te disponível e sentir-te impossível de satisfazer sem todo o empenho que a tua generosidade bastaria para justificar. Quero também transmitir na perfeição tudo aquilo que me permites sentir, mais a minha gratidão pela forma como te entregas, vulnerável mas poderosa, o poder do fogo numa rosa dos ventos que me compete soprar.

Quero ver-te cheia de vida, a expressão completamente alterada pelo efeito que consigo provocar, o meu prazer e aquele que queres partilhar com terceiros, indiscreta, só tu conheces a receita secreta que confidencio aos poucos na intimidade dos nossos encontros casuais.

Quero ver-te assim, misteriosa. No silêncio da minha contemplação, mesmo antes de estender a mão para começar um novo capítulo da nossa história na tua pele como numa folha de papel dos primórdios desta nossa relação promíscua. Quero que me deixes tatuar-te com mensagens que transportes contigo para terras distantes onde as exibas a outros amantes que te saibam merecer, capazes de entenderem a magia desta nossa relação e de te olharem com tanta atenção que te faça sentir possuída sem o seres.

Quero ver-te assim, despida. À espera de mim e do que tenho para dar, ansiosa, a beleza serena de uma prosa ou o simulacro de um poema nas palavras e nas imagens que gravo na memória daqueles a quem te mostras depois de te sentires preenchida por mim, a pele marcada pelo registo do tempo em que foste minha, uma curta passagem, que exibas orgulhosa como um diamante que só eu saberia lapidar.

Quero saber que te dás a olhar aos outros porque te gostas cobiçada, não te aceitarias privada dessa emoção que acaba por ser a principal razão da tua existência, vaidosa, maquilhada por mim, esculpida a partir de um nada aparente que vale por um infinito à medida de quem queira e possa e consiga prolongar a exploração desse enorme ponto de interrogação que o teu silêncio induz e me lanças à cara em tom de desafio.

 

Sim, gosto de ver-te despida e incomoda-me a ideia de deixar-te à mercê do frio.

28
Set12

A POSTA QUE JESUS SAIU MAIS À MÃE

shark

A hipótese de Jesus (o Cristo, não o do Benfica) ter sido um homem casado, novamente ressuscitada a partir de um papiro descoberto por uma investigadora de Harvard, Karen King, continua a ser contestada pelo Vaticano.

De resto, a maioria dos entendidos parece privilegiar a hipótese de estarmos perante uma fraude, embora ainda não existam factos científicos consensuais que confirmem ou desmintam o pressuposto.

O Vaticano, tal como muitas "igrejas" empoleiradas na figura desse homem extraordinário da Nazaré (a do Médio Oriente, não a nossa), insiste em rejeitar toda e qualquer prova que possa atribuir a Jesus uma ligação íntima a fêmeas da espécie, revelação que embora não pudesse desmentir o brilhantismo da postura e da determinação desse homem único e mesmo a sua progenitura divina, poderia demolir muitos dos dogmas que baseiam a própria estrutura da Igreja Católica. 

 

Esta reacção urticária do Vaticano a qualquer espécie de humanização de Jesus, nomeadamente no que concerne a qualquer evidência capaz de beliscar a sua (com ésse maiúsculo, na grafia católica-apostólica-romana) imprescindível virgindade, constitui uma teimosia tão imbecil (pela motivação) quanto compreensível (pela motivação) porque uma versão mais terrena de Cristo deixaria em maus lençóis toda uma interpretação da coisa, mais puritana, menos carnal e sobretudo sem gajas no primeiro plano da hierarquia.

Para mim, falso católico porque baptizado à força antes sequer de saber falar, presumo que precisamente para evitar alguma contestação da minha parte ao ritual, um dos maiores pecados da Igreja Católica passa precisamente pelo mal que fizeram ao mundo quando decidiram afastar as mulheres do palco principal. Muito do que de mau acontece no nosso tempo e no nosso Ocidente cristão deriva da concepção nada imaculada desta construção de um Jesus à medida dos interesses de uns quantos gabirus.

Engolir uma mulher no cenário, mesmo santa, só mesmo com gravidez por obra e graça do Espírito Santo (o dos milagres, não o dos créditos à habitação) podia assumir algum tipo de protagonismo num tempo e num mundo para homens que se queriam à imagem e semelhança de um deus que toda a gente intui ter pila.

 

Dá-me jeito, admito, porque estou do lado certo da barricada num contexto de hierarquias entre os géneros tal como a Igreja Católica as define na essência e na dimensão prática da sua intervenção. No entanto, custa-me perceber a intrujice na génese desta forma de ver as coisas como me custa a aceitar as respectivas repercussões do ponto de vista menos religioso e mais social. Nesta religião como nas outras, que isto das gajas serem apenas figurantes numa película muito machona interessa imenso às pessoas com pila independentemente do nome pelo qual O chamam...

E por isso não estranho a reacção do Vaticano, a sua descrença veiculada por todos os crentes mais ilustres ao dispor no meio académico, ainda por cima tendo sido uma mulher a dar a cara pelo tal papiro que, sendo genuíno, desmentiria tantos pressupostos que poucas religiões conseguiriam evitar uma autêntica revolução nas suas estruturas.

 

Dou graças, embora sem saber a quem (com maiúscula, em havendo), por mais esta hipótese de desmistificação de uma importante fonte de bafio e até de injustiça para com o papel que as mulheres devem poder assumir na construção da Igreja que também é a sua.

E acima de tudo por imaginar este mundo livre da canga demoníaca que a relação homem/mulher e o sexo nela implícito têm merecido por parte de quem recusa entender que por detrás do sagrado papel de uma mãe existe o de uma mulher para assumir.

 

27
Set12

PORQUE UM SILÊNCIO CRESCIDO NÃO CHORA

shark

Tentou em vão, vezes sem conta, deixar o coração falar pela ponta de cada dedo, com a boca no teclado e o som no monitor, embutido no falso silêncio das palavras que queria escrever em vez das lágrimas que não conseguia verter e afogavam aos poucos uma parte de si que tanto gostaria de preservar.

Também tinha vontade de gritar, mas não podia. Gritava com o olhar mas ninguém entendia essa linguagem, procurou outra abordagem e lembrou-se das palavras que tudo diziam às pessoas que as liam e quis acreditar que podia assim desabafar sem permitir que o desespero pintasse uma imagem de calimero que não correspondia a tudo aquilo que sentia e precisava comunicar.

Com palavras que queria escrever, sentidas, palavras tão parecidas com as lágrimas que não podia verter e que explicassem tal e qual a intensa carga emocional que precisava aliviar no vagão das tristezas e das aflições, nesse comboio de emoções que percorria uma linha no coração que às vezes lhe doía, revoltado por não conseguir dizer tudo quanto diria cada uma das lágrimas por verter naquelas palavras que tentou em vão, vezes sem conta, oferecer ao coração como uma porta de saída para toda a pressão acumulada.

 

Mas essa porta de fantasia, como uma pálpebra que não humedecia, permaneceu trancada.

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