A POSTA NA ACELERAÇÃO PERIGOSA DE UMA ECONOMIA SEM TRAVÕES
A globalização, uma realidade aparentemente imparável, parece possuir uma característica que se destaca das demais e certamente fará as delícias de organizações e de pessoas poderosas em todo o Mundo: funciona como um gigantesco acelerador de todo o sistema capitalista, impondo ritmos de crescimento tão avassaladores que mesmo empresas de dimensão colossal acabam absorvidas pelas mega-corporações que funcionam quase como uma praga de eucaliptos nos seus nichos de mercado, gerando uma dinâmica que se pode definir como survival of the biggest.
O impacto deste fenómeno à escala global, cuja vertente mediática se cifra nas fusões ou assimilações de gigantes multinacionais, poderá estar na origem de dois conceitos, chamemos-lhes assim, que fazem escola há um par de décadas nas empresas de maior dimensão: na área comercial temos a escalada sistemática dos objectivos anuais e no sector produtivo impõem-se tempos-padrão para o completar de determinadas tarefas.
Em termos práticos, os directores comerciais vêem-se obrigados a desenharem objectivos cada vez mais altos e os seus congéneres da produção esforçam-se por conseguir que as suas unidades obtenham os melhores desempenhos em fracções de tempo cada vez mais curtas.
Isto parece lógico, razoável até.
Contudo, a realidade prática, a verdade dos factos por detrás do aparente (e seguramente temporário) sucesso desta combinação de automatismos (só as máquinas podem calibrar-se dessa forma) é o culto da frustração imposto aos comerciais que nunca chegam perto da cenoura pré-definida e da falta de brio aos técnicos a quem impõem ritmos impossíveis de abraçar sem perda da qualidade do serviço prestado. E entretanto a pressão vai dando cabo de quem trabalha, adicionada à do medo do despedimento que verga a coluna mesmo aos mais contestatários.
A realidade apresenta-se como a de um processo descontrolado, caótico, que está a definhar à mercê da sua inviabilidade, da sua falta de sintonia com um elemento fundamental da engrenagem: as pessoas.
Desde o início, a globalização soou-me, como a imensos economistas e outros estudiosos da dinâmica da coisa, ameaçadora. De resto, não faltam na Ficção Científica os hipotéticos cenários que o futuro pode criar a partir da tendência acelerada de canibalização de empresas por parte da sua concorrência de maior dimensão, com as regras de mercado a privilegiarem os impérios com pés de barro mas cuja voracidade acaba por trucidar tudo à sua passagem, pessoas e valores, sem hesitar em destruir-se enquanto sistema se a operação for lucrativa para os que mais interessam e que ninguém sabe muito bem quem são mas mandam cada vez mais no Mundo.
A crise provoca na globalização um fenómeno semelhante ao de um animal ferido que cego pela dor desfere golpes a quem se aproxima demais, ainda que venha em seu auxílio.
Na cegueira dos gráficos, das cotações, do lucro astronómico exigido a quem tem o seu dinheiro investido nessa máquina infernal, vale tudo para manter o tal ritmo alucinante que está a criar distorções e a pressionar decisores a arriscarem todo o tipo de golpadas, the show must go on, para cada ano representar um xis por cento de crescimento como deve ser.
Estão a ser cometidas asneiras com consequências irreparáveis, pelo menos no contexto do sistema capitalista como o conhecemos, com a agravante de ninguém saber o melhor passo a dar a seguir. Cada cabeça sua sentença, mesmo entre os entendidos, com o planeta em suspenso à espera de ver cair o primeiro dos gigantes que vacilam perante uma crise cada vez mais espalhada por contágio a cavalo na tal globalização que também colabora na infecção generalizada de países ou mesmo de continentes nesta orgia de milhares de milhões que se perdem em todo o lado e ninguém parece ser ganhador excepto umas figuras difusas, sinistras, especuladores ou coisa que o valha, e o sistema parece cada vez mais próximo do fim por quanto tentem chutar para canto o espectro de um armagedão financeiro que pode mesmo arrasar a sociedade como até agora a construímos.
E nos equilíbrios de forças nivelados por baixo, à escala global acelerada demais, basta uma pequena faísca para queimar o rastilho curto que nos separa de uma implosão como nem a Grande Depressão, mais localizada e sem tantas repercussões externas, representou.