Existem várias expressões populares cujo sentido nunca entendi, embora perceba a respectiva intenção.
De entre as várias que poderia aqui citar ocorre-me apenas a que mais se coaduna com a conjuntura pessoal: estar com a telha.
Eu sei o que é estar com a telha e, por mero acaso, hoje poderia fornecer material de sobra para o telhado de uma mansão. Das antigas.
Contudo, o facto de saber que estou com ela não me esclarece o porquê de estar com a telha e não com um algeroz. Isso não me irrita só por si ao ponto de poder afirmar-me com a telha, mas põe-se a jeito para uma embirração e era precisamente isso que a minha telha parecia reclamar quando me predispus a esgalhar uma posta.
Gosto de começar pelos alicerces na construção de um raciocínio, mas o caso concreto eleva-me até precisamente à cobertura do mesmo. E é aí que tento perceber a lógica da coisa.
Ora bem, a pessoa está aborrecida, com a neura, irritadiça, sente-se de rastos. Não faria sentido imaginar-se de rastos num telhado, embora possamos concordar que qualquer pessoa podia ficar com a telha se desse consigo nesses propósitos, e por isso julgo que não passa por aí.
Olhando para as telhas um tipo tenta imaginar porque acha o povo que estar com uma delas equivale a um estado de espírito execrável e não consegue sintonizar bem a imagem. Pelo contrário, para ver alguém com a telha basta percorrer as ruas de uma zona atingida por um vendaval: a falta de telhas dá cabo do humor do proprietário de um imóvel e não o facto de ter, hipoteticamente, restado no sítio apenas uma das muitas que o vento soprou até fazer voar.
De resto, é nessas ocasiões que se percebe a dimensão da telha de cada um. Os mais optimistas olhariam para a tal telha solitária como um pretexto perfeito para o cliché infalível: podia ter sido pior. Já os outros, com uma telha do caraças, eram capazes de arremessarem eles próprios a sua telha remanescente para o chão lá em baixo.
E por aqui se vê o quanto o facto de estar com a telha pode contribuir para multiplicarmos pretextos para agravar essa sensação desconfortável, porquanto bem coberta. A ideia que dá é que a pessoa parece ter acordado num daqueles dias em que os acontecimentos são como telhas sopradas pelo vento e, por coincidência, sempre na direcção certa para aterrarem de esquina na nossa cabeça.
Aí já percebo melhor do que se trata.
É a desconversar que a gente se entende.