Agora a sério: uma segunda-feira com perspectiva de feriado à quarta enfrenta-se com outra disposição, é ou não é?
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Agora a sério: uma segunda-feira com perspectiva de feriado à quarta enfrenta-se com outra disposição, é ou não é?
Sobretudo para os milhares de visitantes deste blogue residentes na zona centro deste belo país, a minha querida São Rosas propõe precisamente isso.
Pormenores mais sumarentos podem encontrá-los aqui.
Perante esta situação medonha que se expõe na troca de argumentos entre a Ministra da Justiça e o Procurador-Geral da República, deixando no ar um cheiro a esturro que bem pode ser o da fogueira da credibilidade do sistema, nenhuma teoria da conspiração se justifica.
Precisamente porque já estão todas antecipadamente validadas pela proliferação incessante de casos práticos, sempre mais elaborados do que o mais fantasioso e pessimista supônhamos.
Era um casal desavindo e um dia discutiram e o marido atirou a matar, porque lhe acertou no pescoço, mas falhou a intenção e acabou numa prisão por oito anos que já cumpriu.
A pena dela pelo desacerto na escolha de companheiro foi outro tipo de prisão, uma cadeira de rodas, mas para a vida inteira.
Agora ela, a vítima, encontra-se completamente à mercê do agressor e de um seu eventual milagre da regeneração ética e da reinserção social que, surpresa, nunca pagou a indemnização estipulada pelo tribunal.
Agora ela, a vítima, anda a recolher donativos para uma cadeira de rodas eléctrica enquanto o advogado residente do programa explica como ela poderia e deveria reclamar isto mais aquilo a que tem direito pela Justiça, logo a seguir à explicação detalhada da impotência do sistema para proteger as vítimas sem existirem indícios claros da ameaça.
Ou seja, sem acontecer o pior.
E então ela, a vítima, ali esteve, num programa da manhã da RTP1, a tentar o trampolim mediático para a generosidade de sofá, obrigada a assistir à aprendizagem dos outros, ingénuos, acerca da vulnerabilidade absoluta a que o Estado, a Justiça, nós todos, condenamos quem tenha a desdita de vestir a pele do agredido e não a do agressor.
A mim calhou ver a coisa assim de raspão.
E recuso-me a interiorizar essa lição.
Séculos atrás a existência era vivida em diferentes planos, em diferentes dimensões, em função do grupo em que as pessoas se inseriam. Era o clero, poderoso por controlar o conhecimento e assim manipular a seu bel prazer a opinião pública desses dias, era a nobreza, poderosa por controlar o dinheiro e a esmagadora maioria dos bens imóveis, ambas ainda mais poderosas por partilharem a gestão política, e depois havia o povo, esmagadora maioria, que dava jeito para trabalhar e para guerrear quando convinha a quem mandava.
Carne para canhão, em termos práticos.
Nos nossos dias vendem-nos a ideia de que as coisas mudaram. Acabou a monarquia, acabou a nobreza e o clero já conheceu melhores dias em matéria de influência.
O problema é que não acabou uma coisa chamada dinheiro. Pior ainda, não acabou e escasseia imenso entre a esmagadora maioria, o povo, algo de muito eficaz para despertar consciências.
De repente percebemos todos, não há como uma crise a sério, que regressaram os dias em que a sociedade se dividia em classes, em castas, em elites, em autênticas cortes a quem passam ao lado os dramas populares, as aflições dos pelintras a quem espremem as poupanças e o resto como um xerife de Nothingham gigantesco, seja pela via fiscal ou pela via tradicional que sempre consistiu na desfaçatez oportunista por parte de quem tem que é quem pode, neste tempo como em qualquer outro.
Os galhos e os macacos
A existência volta a assumir de forma descarada as tais dimensões distintas em função dos grupos em que nos inserimos, com a liderança confiada a quem presumimos capaz de entender as dificuldades dos outros e de, enquanto modelos a seguir, adaptarem a sua conduta à conjuntura para exibirem algum tipo de solidariedade, a que se puder beber a conta-gotas do maior recato por parte dos que mandam.
Depois de ouvir o Primeiro-Ministro, o nosso, a divulgar aos microfones a sua certeza nas férias do costume, tudo como dantes no seu casulo livre de sobressaltos no final de cada mês, fiquei com a clara noção de que aflição é um conceito relativo no patamar em que, eleitores, povo, colocamos meia dúzia de nós para nos valerem com a sua sabedoria, a sua capacidade decisória mas também a sua sensibilidade para os problemas alheios que, por inerência de funções, deveriam abraçar como seus.
Não abraçam.
O nosso PM, que no meu bairro do Charquinho faria parte do que apelidávamos de betinho ou betoso, é igualmente totó e por isso expôs a sua vidinha santa num raro momento de sinceridade de inspiração balnear e percebemos todos que a crise a sério não passa por ali.
Contudo, aqui ao lado os vizinhos não estão a passar melhor. Com um quinto da força de trabalho desempregada e com as finanças a resvalarem para o alcance do afiado cutelo dos especuladores e agências de rating os espanhóis, os que são povo, esperariam dos seus líderes o mesmo que nós: apenas um nadinha de pudor.
Será melhor esperarem sentados, pois enquanto a esmagadora maioria vê fugir o chão sob os pés sua majestade, a deles, meteu os seus pelas mãos e espalhou-se ao comprido na savana onde podia andar a caçar gambuzinos ou outra actividade mais na onda do chá de caridade mas entendeu, presidente honorário de uma associação ambientalista, andar a caçar elefantes à conta do povo aflito para lhe sustentar tais vícios.
Com esta história dos elefantes é natural que os espanhóis fiquem de trombas, de tal forma ficou à vista o tal universo paralelo por onde deambulam os poderosos enquanto a esmagadora maioria, o tal de povo, sofre as consequências dos desmandos de algumas dessas elites (não apenas ibéricas) que mexem os cordelinhos e fingem fazê-lo pelo bem comum embora apenas quando isso não interfira no jogo de golfe marcado para a mesma semana.
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