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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

24
Out11

(MA)CEDO POUCO A PORTUGAL

shark

O Ministro Macedo, aparentemente muito indignado, decidiu abdicar de um subsídio qualquer para não ter que perder mais tempo com esse assunto.

A contrariedade manifestou-a pelo desabafo de que iria abrir mão de algo que poderia receber de forma legítima, pelo menos do ponto de vista da legalidade.

E é aqui que uma pessoa percebe a massa de que são feitos estes fulanos a quem confiamos responsabilidades públicas de índole quase determinante para o presente e o futuro do país.

 

O Ministro Macedo foi eleito de forma democrática, ninguém lhe contesta o poder que detém. Da mesma forma recebia uma mensalidade do Estado que para todos os efeitos a legislação em vigor caucionava.

O politicamente correcto da questão acaba aqui.

 

Qualquer cidadão a quem é concedida uma oportunidade rara de registar o seu nome na História do seu país, eleito para uma função governativa, deveria entregar-se a essa missão com um empenho e uma generosidade proporcional à gratidão que cada um dos seus eleitores lhe mereceria.

Se do empenho é cedo para aquilatar, a generosidade fica fora da equação com este episódio deplorável da maçada como o Ministro Macedo a exibiu de ter que abdicar de uma remuneração que a Lei até lhe permitia auferir.

 

O problema dos macedos da nossa classe política paupérrima, grosso modo e salvo raras excepções, é precisamente o de não terem alcance para verem as coisas como as vêem de fora os que se percebem abusados por esta elite cada vez mais indistinta no egoísmo da actuação.

A legalidade invocada pelo Ministro Macedo é rasteira porque em causa está a moralidade que o deveria ter impedido de reclamar ou mesmo de aceitar a verba em causa, porquanto legitimada pela legislação que os macedos deste país constroem em benefício próprio, mesmo quando não podem renegar a sua responsabilidade directa no incumprimento de funções que também passam pelo evitar dos desmandos que quase levaram a Pátria à ruína.

Quando deveriam ser os primeiros a arregaçarem as mangas e tentarem lavar a má imagem provocada pelo seu mau desempenho e/ou dos seus pares acabam por surgir nas parangonas expostos como chupistas, precisamente aqueles cuja proliferação transformou a Nação num poço sem fundo de corrupção, de negligência, numa sociedade feudal onde os falsos heróis jamais empunhariam uma espada pelo país que (es)partilharam entre si.

 

O Ministro Macedo tem casa própria em Lisboa, onde trabalha, mas sentia-se no direito a uma retribuição por possuir morada em Braga, ou na Pampilhosa, tanto faz.

Outros membros do Governo recebem idêntica compensação devida aos que comprovadamente dela necessitassem, sobretudo em tempo de crise, mas imoral em tempo difíceis quando se sabe que salários e mordomias destes traidores à Pátria os compensam bem do sacrifício de serem os escolhidos para um papel só para eleitos, só para mulheres e homens capazes de distinguirem o valor intrínseco de uma manta rota de uma legislação sem rigor e o do manto precioso da reputação íntegra que só uma postura ética e moral irrepreensíveis podem garantir.

23
Out11

INTELIGÊNCIA MUITO AUSTERA

shark

Ouvi o líder da oposiçãozinha deste país em crise apregoar uma tal de austeridade inteligente.

À falta de medidas concretas que consubstanciem este novo conceito, presumo que a inteligência dessa austeridade aplicada à realidade factual implica que como já não há mais furos para apertar no cinto deveremos optar agora pelos suspensórios...

16
Out11

O GLADIADOR

shark

Aproveitou o breve instante de sossego para observar o público em redor daquela arena que pisava sem querer, voluntário recrutado para lutar contra o inimigo inesperado que antes lhe apertava a mão com a proximidade de um meio irmão cuja metade mais negra deambulava agora por ali, nos olhos inexpressivos dos lutadores cansados e nas expressões alheadas daquela audiência ávida das desgraças dos outros para alimentarem a ilusão de que nunca chegaria a sua vez.

 

Na sua mão uma arma inútil, adereço, simbolizava a vulnerabilidade da sua condição, indefeso na realidade contra a besta à solta naquele espaço de ficção onde cada espectador saboreava a sua própria salvação enquanto podia, gente que se fingia incólume e encolhia os ombros perante a desdita dos seus iguais apanhados pela rede aleatória de um sistema caçador.

E ele aguardava, sentidos alerta, a sua hora de tombar naquele chão, escassas hipóteses de salvação como melhor servia os desígnios dos que concebiam a armadilha que alimentava aquela arena onde o sistema trucidava todos quantos se deixavam apanhar.

 

E ele a aguardar, em posição defensiva, um epílogo tantas vezes adiado pela vontade que lhe restava para lutar contra a besta especialmente treinada para o derrotar, como aos outros distribuídos ao acaso pelo campo de batalha encenada para fingir a oportunidade que era negada a todos quantos se deixavam ludibriar.

As armas de brincar que em nada os protegiam, os deserdados que ali se reuniam, quase vergavam com a força do vento e eles sonhavam parar o tempo no dia anterior ao que os arrastara para ali, aos poucos, olhados como loucos pelos mais afortunados que se acreditavam superiores na sua condição de espectadores daquela chacina anunciada, daquela luta fratricida entre as presas da besta feroz para lhe merecerem misericórdia pelo mérito que lhes assistisse naquele lugar, em vão.

 

A besta não tinha coração, era apenas uma máquina concebida para expurgar todos quantos ousassem falhar os compromissos impossíveis com as garantias tão falíveis que sentiam agora no chão uma espécie de efeito alçapão que aumentava o aperto do nó nas gargantas de quem aguardava a sua hora de cair.

Chegava a hora de acertar as contas entre a força dos poderosos e a fragilidade dos ambiciosos que gostavam de sonhar e não pensavam no azar de uma conjuntura desfavorável capaz de fazer tropeçar o mais sensato caminhar sobre as brasas escondidas logo abaixo dos seus pés.

O inferno camuflado em cada asneira que se fez e no triste resultado final para aquela legião patética que ignorara a mensagem profética do oráculo nas lições do passado, a história dos milhões que haviam tombado em circunstâncias quase iguais.

 

E ele ansiava cada vez mais um desfecho, os nervos em franja, venha quem quer que seja, os polegares virados para baixo menos ameaçadores do que a fileira de indicadores apontados para a porta de saída dos cadáveres sociais, a indiferença dos seus iguais tão bem expressa na apatia, a solidariedade que não recebia por parte de alguém capaz de perceber a injustiça daquela farsa, daquela guerra postiça não declarada por instituições travestidas em forças do mal.

 

Aguardava o momento final já sozinho na arena, sem nunca se admitir digno de pena por parte de quem pela desconfiança injustificada o condenou.

 

E mesmo quando finalmente tombou, já a assistência debandava, o seu indicador apontava com precisão o lugar onde deveriam meter cada polegar que tanto podia descer como subir.

Logo abaixo da coluna que nem assim lhe conseguiram partir.

05
Out11

POR UM CANUDO

shark

Mergulhou na imagem que lhe oferecia o telescópio de um local no Universo onde podia sentir-se em paz. Deixou-se levar pelo brilho das estrelas, pelo passado da luz, até onde o espaço o envolvia num abraço imaginário e o protegia de males sem sentido algum na ordem natural daquele local que espreitava, estava lá, e o deslumbrava com danças de gases e de detritos, com a beleza de momentos de um tempo que não era o seu mas parecia.

Era isso que o atraía para aquele buraco de fechadura por onde se reservava o direito de observar os locais e os tempos que nunca poderia experimentar de outra maneira, limitado pela lentidão do progresso que lhe abria janelas para o espaço mas o fechava entre portas no chão.

Navegou por aquela pequena mas tão rica parcela do espaço tão distante que entretanto poderia já nem existir tal e qual, como um velejador solitário na imensidão relativa de um oceano qualquer, isolado das influências perniciosas do exterior.

O espaço que agora via era o espaço no qual vivia a bordo da sua insanidade permanente que os outros acreditavam intermitente porque ele entretanto aprendera a fingir, por detrás de silêncios oportunos, alguns momentos genuínos de lucidez.

Fugia para aquele observatório que lhe servia um modo de vida ilusório porque apenas lhe desviava a atenção de cada medo, de cada papão, que o atormentava na outra vida que o obrigava a caminhar pela realidade terrena, os trocos da existência pequena que o arrastava para longe do seu mundo extraterrestre de fantasia que sonhava enquanto fugia, enquanto espreitava as utopias que jamais poderia alcançar naquela evasão temporária que era afinal uma ingénua manobra de diversão.

 

Tentava fugir de uma prisão implícita na liberdade condicional que a vida lhe permitia, a viagem aos mundos que nunca descobria com o seu equipamento amador e inventava no interior da sua mente que era guiada por um enredo de ficção.

Alimentava a ilusão nos raros momentos de sossego que a vida a sério lhe permitia, enquanto voava, enquanto fingia que o mundo perfeito estava ali mesmo, quase ao alcance da sua mão estendida à do alienígena entretanto enviado para o salvar.

02
Out11

A POSTA QUE A ESTES NÃO CONVENCEM A VOTAR

shark

Foi-me ensinado em pequeno que o Estado era uma espécie de manto protector que se estendia sobre a Pátria lado a lado com a mão de Deus que acabava, no entusiasmo doutrinário dos professores da altura, por ser quase a mesma coisa.

Provavelmente não existia uma realidade mais pura do que esse Estado que acumulava miséria em bairros de lata mas não se poupava a esforços para fortalecer a evangelização que já era uma tradição secular nas colónias, espalhar a fé à bruta por Deus e, por inerência, pela Pátria que era um Estado e por isso acabava, na cegueira imperialista dos seguidores do apóstolo de Santa Comba, por ser quase a mesma coisa, como acima referi.

 

Era divinal, esse Estado que me foi ensinado desde o embrião glorioso nas gentes de Viriato, passando pelo anjo milagreiro que ofereceu a D. Nuno uma quadratura perfeita para nos explicarem essa ligação tão próxima entre a santíssima trindade e os gloriosos líderes do passado da Nação que, curiosamente, nunca fazia alusão nos manuais de História ao seu pedaço amputado que os espanhóis hoje chamam Olivenza, aterrando essa viagem pelo conhecimento da visão sagrada do que constituía afinal a herança desse Estado na viagem aérea de dois bravos que pareciam ter esgotado no início do Séc. XX os exemplos de heroicidade dos portugueses que nos explicavam porque valia a pena respondermos à chamada na idade certa para empunharmos uma G3 em sua defesa.

 

O Estado não mentia nem ocultava e certamente também não pecava porque de outra forma perderia a bênção do Cardeal Cerejeira ou a conivência do respectivo sucessor na ligação inequívoca da fé na Igreja com a esperança nos dias melhores que o Regime adiava sem qualquer medo da contestação minoritária desses filisteus que até os americanos combatiam na terra dos outros, perfeitos para serem pintados ao povo como os maus de uma fita censurada que só a Revolução de Abril permitiu exibir em tela panorâmica com cravos vermelhos desenhados nas cortinas que faziam parte da solenidade dos grandes cinemas de então.

 

O Estado perdeu nessa altura a ligação ao céu e o povo seria quem mais ordenaria e até deixou de ser pecado assistirmos aos onze ou doze anos a sessões de esclarecimento acerca de planeamento familiar, a par com tantas outras maravilhas que esse outro Estado que era sagrado por um falso motivo e agora oferecia coisas impensáveis como reformas na velhice, um sistema de saúde gratuito e, nessa altura era muito importante para este cidadão, um sistema de ensino misto e livre de reguadas que simbolizavam a disciplina até ao dia em que se revelaram uma forma de repressão.

A Liberdade embebedava e o Estado que agora era de todos menos de Deus parecia um manto protector que se estendia sobre o Povo mãos dadas com o Movimento das Forças Armadas que nos garantiria a paz, o pão e os direitos dos trabalhadores contra os lacaios do capitalismo, esses fachos repugnantes e parasitas que os padres ajudavam na exploração da classe operária e tudo isso agora terminara porque o Estado era o Povo e esse, claro está, não estava no país (que Pátria soava fascista) para enganar ninguém.

 

Passaram uns anos sobre essa conversão do Estado à sua versão laica que quiseram ensinar-nos a respeitar não por temor a Deus ou à PIDE mas apenas porque só podia ser assim.

O Estado de Direito garantia-nos uma gestão imaculada, uma governação quase tão sagrada como a que nos pintaram em miúdos e na qual o Estado seria sempre e sem qualquer hipótese de engano o equivalente a uma pessoa de bem. E este último conceito toda a gente teve o cuidado de nos ensinar muito bem, a honra e a palavra, a seriedade que fazia distinguir os bons cidadãos daqueles que nos ensinavam a olhar como bandidos, como marginais que nos roubavam e nos enganavam e mereciam estar todos encarcerados por serem uma ameaça para a população séria e trabalhadora que já nem precisava ser devota para merecer o seu lugar no paraíso que desceu do céu sob a forma da perpetuação do sistema de cunhas que tão bem funcionara no esquema anterior e agora poderia funcionar ainda melhor sem essa carga pejorativa teórica da moral cristã.

 

Novos (e antigos) representantes do povo, gente como nós e assim, instalaram as vidas nessa estrutura tão bem pensada, o Estado, e nas imensas regalias juradas eternas para os servidores públicos de tantos interesses privados que acabaram por desviar o dinheiro e a atenção de quem o deveria controlar até descobrirmos todos que a Pátria, a Nação, o País, aquilo que prefiram chamar-lhe, estava num estado deplorável que o tal Estado que era sagrado não soube evitar.

 

Eu, que fui ensinado em pequeno e depois em mais crescido a acreditar que o beneplácito de Deus ou a fiscalização das autoridades competentes que dantes não lhes escapava um rebelde comuna mas nisso das contas nunca foram exemplares, tenho razões para me sentir defraudado com essa organização chamada Estado que me prometeu Mercedes em suaves prestações a perder de vista no mesmo horizonte da minha velhice agora cada vez mais desamparada em matéria de segurança social. Sinto-me enganado, sem dúvida, pelo povo que desordenou nesse Estado e criou as condições para agora me ver arrastado pelo turbilhão da crise à mostra quando o tal manto protector de repente encolheu e nos destapou os pés de barro no país das maravilhas onde os milagres deixaram mesmo de acontecer, excepto a impunidade adivinhada para os que nos tramaram e agora dizem que não há dinheiro para nada apenas porque sim.

 

Mas nunca conseguirei sentir-me tão revoltado como se tivesse estado na pele de um dos alunos a quem a tal pessoa de bem que é o Estado entendeu negar a miúdos, à última da hora, um prémio pecuniário prometido pelo mérito escolar superior sem nenhuma outra razão plausível que não apenas porque não.  

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