E quantos saem do sacerdócio com as almas puras?
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
E quantos saem do sacerdócio com as almas puras?
Como é que o Cavaco permitiu uma coisa destas???
Desconheço o problema que está na origem da atitude pois essa é absolutamente injustificável e nenhuma razão lhe servirá de atenuante. Concentro antes a minha atenção nessa reacção estapafúrdia do menino com falinha mansa que decidiu armar-se em virgem ofendida e virou as costas à sua obrigação moral.
Ricardo Carvalho ganhou um lugar na história do futebol em Portugal ao protagonizar uma situação que em termos de impacto negativo equivale à celebre cena de pancadaria entre Ricardo Sá Pinto e o então seleccionador nacional Artur Jorge.
Contudo, essa equivalência limita-se ao cariz vergonhoso de ambos os casos. Chamados a uma responsabilidade que, embora exacerbada como este tipo de episódio confirma, tem um peso enorme à escala mundial os rapazolas idolatrados por milhões de pessoas não se acham, pelos vistos, obrigados sequer a prestar o serviço que lhes rendem outros milhões e uma vida de lordes num mundo em aflição.
E esse serviço, sobretudo quando se aceita a braçadeira de capitão, não consiste apenas em jogar à bola e nem sempre à altura das expectativas. Implica igualmente o respeito pela camisola que outros vestiram e muitos mais vestirão, pelo simbolismo que reclama uma dignidade que estes fedelhos birrentos parecem não conhecer.
O desertor em causa, e nisso subscrevo por inteiro Paulo Bento, tornou-se num péssimo exemplo a seguir pelas muitas pessoas, miúdos também, que os têm por referência, pior ainda do que o deixado por Sá Pinto com a sua argumentação neandertal.
A violência estúpida implícita no mau momento do Ricardo bruto vai sempre parecer menos mal um nadinha do que a deserção irresponsável do Ricardo cobardolas.
Pouca terra sobre uma terra imensa com um horizonte sem fim, debruada pelo alinhamento monótono das traves nos carris, cosida a sangue frio pelas máquinas que preparam os caminhos que o ferro irá seguir.
Pouca terra naquela que se torna terra de ninguém, desertificada, abandonada pelos que ali viveram um dia sem a incómoda companhia do monstro que lhes assustava os animais e trucidava costumes ancestrais com o advento de uma modernidade que não conseguiam entender.
Pouca terra sobre uma terra condenada a perder a face, desfigurada por aquela linha recta na sua pele deserta que era apenas o princípio de uma explosão, demográfica, noutros pontos de passagem desta triste carruagem metálica cuja janela funciona como uma tela na qual o tempo artista oferece os seus dotes de pintor.
Pouca terra a caminho da terra queimada pelo sol do progresso onde ninguém aguarda o regresso a uma estação distraída que deixou passar o verão, entretida com os sinais da chegada do outono nas suas telhas arrastadas como folhas pelo vento, deslocação do ar, daquele comboio cinzento a passar, cheio de pressa para chegar ao destino traçado na muita terra que treme à sua passagem, mais um percurso, mais uma viagem, rumo ao inverno futuro pintado no inferno presente de um céu muito escuro num horizonte bem real, pouca terra até à terra anoitecida com o prenúncio de um temporal.
58 seguidores
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.