De um hospital privado, ao qual só têm acesso os mais abastados ou quem consiga suportar o custo de um seguro de saúde, esperamos sempre algo de semelhante ao que vemos nas inúmeras séries televisivas em ambiente hospitalar.
Bom, se na aparência o Hospital CUF das Descobertas até enche tanto a vista como o mais chique dos ER's onde gravitam os Houses deste mundo, quando sentimos (literalmente) na pele os efeitos de umas instalações à americana mas geridas à portuguesa percebemos que quando só os olhos comem o corpo é que as paga.
O que me levou ao CUF Descobertas, a unidade hospitalar de referência na minha zona, foi uma cólica renal. Quem já passou pela experiência ou pelo menos assistiu a quem tenha sofrido esse tipo de dor percebe que quando damos entrada na Urgência de um hospital já vamos meio enlouquecidos pela coisa e é impossível, por quanto nos esforcemos para manter alguma dignidade perante a multidão de sofredores, disfarçar a nossa pressa e a necessidade de cuidados imediatos para não prolongar um sofrimento que, no caso, é desnecessário pois basta uma injecção e o problema desaparece como que por magia.
E eu estive na urgência de um hospital privado (caro, muito caro), atarantado, sem que alguém me perguntasse ao que vinha, nomeadamente o fulano que ocupava o lugar diante de uma placa que dizia "altas" e ao seu lado ninguém a justificar a tabuleta "admissões". São minutos que se transformam em horas, enquanto o fulano vai mantendo o nariz nas suas papeladas e desvia o olhar do cenário à sua frente. Ele, o único gajo que poderia fazer algo por quem entrasse por aquela porta.
Lá tive que impor o cabedal e chamar a atenção do rapaz para a minha situação confrangedora. Antes de me perguntar qual o problema pediu-me nome, data de nascimento e número de contribuinte. E o questionário só foi interrompido quando fiz estalar o cartão do meu seguro no tampo à sua frente.
Lá me sugeriu que procurasse a enfermeira da triagem. E eu lá fui.
Claro que no gabinete da dita enfermeira nem moscas pousavam. E ali fiquei, de expressão alucinada, enquanto pessoas se cruzavam comigo sem que alguém se desse conta de que eu estava mesmo à rasca, por muito macho que me revelasse ao suster lágrimas e a maioria dos gemidos.
Finalmente alguém entrou no dito gabinete e, de forma pouco simpática, perguntou-me ao que vinha e eu dei o meu palpite e despachou-me para uma porta "ao fundo à esquerda". Lá estava a porta, que até dizia "acesso reservado", e lá entrei e lá me mandaram sentar na cadeira e me enfiaram no pulso um catéter (acho que se chama isso) por onde me sacaram sangue e puseram a correr soro e a substância que finalmente apaziguou o meu suplício.
E depois lá fiquei umas horas à espera de um TAC, com aquilo enfiado no braço sem perceber para que serviria. E fiz o dito exame e saí e esperei mais um bocado pela consulta de urologia onde descobri que o resultado do exame deveria ter ficado em meu poder para entregar ao médico e não na enfermeira de triagem como me solicitaram. Consulta interrompida e toca a ir buscar o exame às urgências porque o senhor doutor estava muito contrariado mas também muito ocupado para fazer uma chamada e pedir o dito exame que, de resto, a enfermeira da triagem imputou ao senhor doutor como fazendo parte da sua obrigação recolher. Não o fez, ninguém o fez, e uma pessoa ali anda pelos corredores com uma cena enfiada no braço e uma pulseira cor de laranja no outro porque alguém num hospital privado (e caro, muito caro) não fez o que lhe competia.
Abreviando a descrição deste episódio nada consentâneo com a Anatomia de Grey que esperamos encontrar ali, digo-vos que só quando já tinha a guia de marcha para fora daquela balbúrdia me ocorreu perguntar a alguém se não seria bem pensado tirar-me a cena do pulso, pois já tinham passado umas horitas desde que alguém me dissera que iria fazer falta mais tarde e, vendo bem as coisas, estando eu de saída só mesmo se fosse para algum tipo de assistência domiciliária (que a ser prestada pela competente - leia-se bonita comó - enfermeira que me retirou a coisa até nem seria má ideia de todo...).
A custo, lá me mandaram ir tirar a cena ao mesmo sítio onde a colocaram, sempre com o ar de quem leva a toda a hora com os ignorantes de merda que não percebem nada destas coisas das agulhas sem dedal.
E pronto, depois foi pagar (mesmo com seguro) a módica quantia de cerca de 80 euros pela caca de serviço de um dos mais badalados hospitais privados deste país cada vez mais terceiro-mundista no desleixo e na falta de vergonha.
Desculpem maçar-vos com estes pequenos dramas do quotidiano, mas estamos em Agosto, este ano não vou de férias e alguém tem mesmo que aturar o meu mais justificado mau humor enquanto me vejo grego para escrever este texto com um antebraço inchado do hematoma tão doloroso que nem consigo tocar-lhe sequer...