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CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

CHARQUINHO

Sedento de aprendizagem, progrido pelos caminhos da vida numa busca incessante de espíritos sábios em corpos docentes. (sharkinho at gmail ponto com)

23
Ago10

A POSTA NA JUSTIÇA NEANDERTAL

shark

Estão a correr o mundo as imagens de uma aplicação prática (e extrema) do conceito de justiça popular tão fácil de defender no calor de uma revolta imediata da turba.

Dois irmãos, com 16 e 18 anos, foram mortos à paulada no Paquistão perante câmaras e testemunhas, alegadamente por terem assaltado e assassinado alguém. Se efectivamente roubaram e mataram só os intervenientes e respectivos cúmplices por omissão poderão garantir, mas para lá da indefensável execução sumária e com métodos da Idade da Pedra salienta-se o facto de as imagens agora divulgadas provarem a existência de agentes da autoridade no local.

E essa presença passiva denuncia por si só a maior ameaça que estes momentos de barbárie representam, a falência do Estado de Direito que mesmo com as suas fraquezas é a única força entre nós cidadãos e um simples equívoco popular que pode resultar em injustiças sem retorno possível.

 

Sim, quando sentimos na pele as consequências de um acto de violência, de um crime por parte de alguém, o impulso primário é o da justiça pelas próprias mãos. Mas depois há, deve mesmo haver, um contra-impulso que nos justifica humanos e impede que nos entreguemos ao lado animal e sejamos capazes de, fora do âmbito de um processo legal é disso que se trata, nos revelarmos tão ou mais cruéis do que os facínoras a quem impedimos de repetirem a proeza imitando-lhes o comportamento que justificará(?) a punição descontrolada por parte de uma multidão que, na maioria, nem terá conhecimento dos factos que dão origem aos linchamentos como o que motivou esta posta.

Há, deve haver, algum mecanismo que nos afaste destas tentações instantâneas de ignorar as regras que levaram séculos a aprimorar, as leis e assim, e que servem acima de tudo para nos afastar do mal pior que é arriscarmos a morte à paulada de miúdos sem lhes dar uma hipótese de argumentação ou de defesa, numa orgia colectiva de violência sustentada de forma precária pelo testemunho a quente seja de quem for.

 

Às vezes fazem falta estes exemplos de selvajaria para darmos o devido valor ao sistema criado para nos proteger dos outros.

E de nós próprios, como o exemplo em causa comprova.

22
Ago10

EXIT

shark

Saía todos os dias para avançar no caminho, para dar mais um passinho rumo à felicidade que entendia fazer parte da prosperidade que perseguia como um burro, a cenoura imaginária no carro de luxo, potente, que o podia abraçar de repente com braços feitos facas afiadas no final de curvas mal calculadas à velocidade da vida como a decidira viver.

Saía todos os dias para se convencer da vitória, essa estranha sede de uma glória traduzida num apartamento bem situado, num bairro endinheirado onde se sentia entre iguais, todos eles em busca de mais daquilo que os movia, a fortuna que se dizia ao alcance dos mais capazes de acreditar nessa realidade e de encontrarem sempre mais vontade de subir esses degraus que permitiam definir posições e hierarquias, as decisões que certamente tomarias, invejoso ou invejosa dessa vida cor de rosa que não poderias jamais conhecer por detrás do tapume que verás sempre por baixo, à distância, para lá do muro protector do condomínio privado onde o amor se vê quase sempre relegado para experimentar amanhã ou depois.

 

Saía todos os dias à pressa para alcançar outro triunfo, a contrapartida chamada sucesso como o via na casa de praia que construía aos poucos em nome de outrem para evitar um problema fiscal, já não via como um mal a trapaça que antes sentia como uma ameaça à sua integridade agora perdida, a dignidade oferecida em troca de um alegado prémio de consolação que se assumia a mais forte emoção possível de cada dia no meio do cansaço visível que lhe marcava as feições, mesmo quando alimentava as ilusões de que comprava afectos com os sinais exteriores que lhe permitiam vangloriar-se perante a família de nunca faltar com nada a quem quisesse pedir, gente infeliz e mimada, incapaz de subsistir pelos seus meios ou de lutar por algo mais do que um qualquer bem adicional, um prémio imediato pela sua contribuição na imprescindível manutenção das aparências.

 

Saía todos os dias e imaginava uma reforma dourada, uma vida bem terminada num paraíso de transição para o céu que acreditava merecer até ao preciso instante em que um imprevisto enfarte lhe reduziu a cinzas a ambição que alimentava quando lhe destruiu no coração o pouco que ainda lá restava.

21
Ago10

PAREDES MEIAS

shark

O papel de parede florido começou a descolar, começou a descascar a fruta podre, estava por detrás uma parede esburacada pelo tempo e pelas infiltrações que a corroíam aos poucos e o papel, cheio de flores, conseguira até então esconder a quantidade tão imensa de humidade que se podia ali plantar um pequeno jardim.

 

Começou a perceber, por fim, a dimensão do equívoco quando do papel de parede florido já só restavam pequenos ramalhetes pendurados em pregos que antes haviam servido para as imagens entretanto amarelecidas de um tempo passado a fingir.

Só sobravam lembranças antigas de dias em que aquela casa sabia sorrir e as paredes pareciam canteiros e tudo era possível de ambicionar, um palácio até.

 

Canos ferrugentos à vista, como veias numa ferida aberta impossível de sarar. Aquela parede parecia possível reparar, mas não passariam de remendos que apenas adiariam, como o papel colado, adesivo, um final que não poderia ser feliz.

A parede degradada, apesar de disfarçada, não tinha salvação e agora a constatação era impossível de ignorar, o papel florido a destapar a gangrena interior e já jaziam murchas as suas flores aos pés da parede que cuspia agora aquela pele para que a deixassem morrer enfim.

 

Resistia a olhá-la assim, numa espécie de despedida, mas sabia que a vida não poderia continuar com a ferida a infectar e o tempo implacável a tornar cada vem mais inviável uma qualquer reparação, panaceia, parecia-lhe má ideia prolongar a vida daquela casa de uma forma artificial.

 

Acabaria afinal por montar uma tenda lá fora, incapaz de se afastar daquelas paredes que abraçara como refúgio e que justificavam um subterfúgio que o mantivesse por perto até que as ruínas desabassem sobre o seu sonho pueril e pusessem fim à esperança patética que alimentava no coração de que talvez ficando sozinhas aquelas paredes lograssem a sua regeneração.

18
Ago10

COMO COMBATER INCÊNDIOS COM A ÁGUA DO CAPOTE

shark

Confrontado com o panorama em matéria de incêndios no nosso país, o Ministro da Administração Interna respondeu que sim, que este ano foi pior que os dois anteriores mas foi melhor do que os de 2003 e 2005.

 

Eu nem sei o que dizer perante este tipo de argumentação por parte de um dos fulanos a quem confiamos a gestão dos nossos interesses individuais e colectivos. Então agora é assim? Se o ano for mau em algum aspecto basta recuarmos até um ano pior e tudo bem como dantes? A coisa agora vai lá por comparação com o passado tão distante quanto necessário para encontrar pior e não se fazer tão má figura?

Para mim isto não passa de serradura mandada para os nossos olhos e com um desplante que me fascina pela candura na expressão com que o dito Ministro recitou a ladainha preparada por um dos seus assessores.

Ah, caíram dez edifícios por erros de planeamento e de construção? Não há problema, em 1976 e 1988 caíram doze.

Ah, o crime violento aumentou em relação ao ano anterior? Mas em 1864, se a memória não me falha, aumentou mais zero vírgula não sei quantos.

E pronto, ficamos todos mais descansados com base na velha filosofia do foi mau mas podia ter sido ou, neste caso, até já foi pior.

 

Já várias vezes aqui me afirmei pouco entusiasmado com a ideia de correr com Sócrates e o seu Governo, precisamente por não encontrar em nenhuma das alternativas chão firme para sonhar com melhorias. Porém, isso não me condiciona em termos de coerência quando me deparo com estes exemplos de mediocridade que podem vir do actual Executivo socialista como de qualquer outro, de qualquer cor.

E falo de mediocridade intelectual, de falta de estrutura, de arcaboiço, de frontalidade para lidar com situações que tresandam a uma soma de fracassos na aplicação das medidas que o tal passado recente de 2003 e 2005 recomendava e os factos comprovam na respectiva ineficácia ou ausência.

É isto que está em causa, seja qual for o governante em funções.

 

Ardeu mais? Temos que tomar medidas imediatas para que não se repita o problema, penalizar os responsáveis ineptos, punir com severidade os culpados directos e nunca, de modo algum, chutar para o canto da estatística o problema que se quer escamotear.

 

É feio, é triste. E deixa-me preocupado a sério com o futuro desta realidade colectiva que parece só atrair para os seus comandos gente que só serve para a abandalhar cada vez mais.

 

Mesmo que tenham abandalhado mais ainda em mil novecentos e picos...

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