A POSTA NA JUSTIÇA NEANDERTAL
Estão a correr o mundo as imagens de uma aplicação prática (e extrema) do conceito de justiça popular tão fácil de defender no calor de uma revolta imediata da turba.
Dois irmãos, com 16 e 18 anos, foram mortos à paulada no Paquistão perante câmaras e testemunhas, alegadamente por terem assaltado e assassinado alguém. Se efectivamente roubaram e mataram só os intervenientes e respectivos cúmplices por omissão poderão garantir, mas para lá da indefensável execução sumária e com métodos da Idade da Pedra salienta-se o facto de as imagens agora divulgadas provarem a existência de agentes da autoridade no local.
E essa presença passiva denuncia por si só a maior ameaça que estes momentos de barbárie representam, a falência do Estado de Direito que mesmo com as suas fraquezas é a única força entre nós cidadãos e um simples equívoco popular que pode resultar em injustiças sem retorno possível.
Sim, quando sentimos na pele as consequências de um acto de violência, de um crime por parte de alguém, o impulso primário é o da justiça pelas próprias mãos. Mas depois há, deve mesmo haver, um contra-impulso que nos justifica humanos e impede que nos entreguemos ao lado animal e sejamos capazes de, fora do âmbito de um processo legal é disso que se trata, nos revelarmos tão ou mais cruéis do que os facínoras a quem impedimos de repetirem a proeza imitando-lhes o comportamento que justificará(?) a punição descontrolada por parte de uma multidão que, na maioria, nem terá conhecimento dos factos que dão origem aos linchamentos como o que motivou esta posta.
Há, deve haver, algum mecanismo que nos afaste destas tentações instantâneas de ignorar as regras que levaram séculos a aprimorar, as leis e assim, e que servem acima de tudo para nos afastar do mal pior que é arriscarmos a morte à paulada de miúdos sem lhes dar uma hipótese de argumentação ou de defesa, numa orgia colectiva de violência sustentada de forma precária pelo testemunho a quente seja de quem for.
Às vezes fazem falta estes exemplos de selvajaria para darmos o devido valor ao sistema criado para nos proteger dos outros.
E de nós próprios, como o exemplo em causa comprova.