REFLEXOS
Foto: Shark
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Uma grande chatice dos blogues secretos, aqueles que a pessoa faz para ser apreciada pelo que escreve e não pelo que (ou quem) é, consiste em não podermos depois incluí-los no "currículo" blogueiro.
E que é isso? - perguntarão vocês? E perguntam bem, pois eu próprio não conheço a resposta.
O currículo blogueiro será, presumo, uma relação dos blogues que a malta criou e manteve mais os colectivos nos quais tenha feito uma perninha. Isso e talvez mais umas estatísticas para impressionar, o número de postas publicadas, de comentários recebidos, de visitantes e por aí fora.
Claro que isto só interessa ao próprio, sobretudo se estiver em causa um gajo a caminho de seis anos disto, e por uma mera questão de vaidade e/ou de orgulho pela obra feita. É o reconhecimento dos outros e nada mais em troca disto tudo.
É que a cena dá trabalho, acreditem. E exige algum espírito de sacrifício quando, como este maníaco, se mantêm activos três blogues individuais e se entende por "activos" algo digno desse nome.
Seja como for, e ao fim de anos suficientes para se poder concluir que a blogosfera não é uma moda passageira, começa a fazer algum sentido esse conceito do resumo curricular do artista.
É que uma pessoa investe muito de si, em tempo e não só, a tentar produzir conteúdos que não a envergonhem nem façam sentir-se parvos os visitantes mais incautos.
Não é fácil, sobretudo quando não abunda o substrato ou não temos um tema permanente de eleição para nortear a escrita.
Tem mesmo que ser de improviso, conforme sai, tentando reunir o binómio escrita agradável/tema catita. E eu ainda lhe acrescento os bonecos, as minhas fotos, para aliviar a vista aos visitantes.
Depois ainda temos as caixas de comentários. E é fácil perceber que mesmo num blogue pouco comentado, se uma pessoa responde a todos os comentários que lhe deixam dificilmente não dá uma calinada e é num instante que diz aquilo que não queria.
São os ossos do ofício, cuja principal característica é tratar-se de trabalho à borla e que, por isso mesmo, pouco mais pode garantir ao criador do que a aceitação por terceiros de algum mérito que lhe assista.
E o maior de todos, para quem já publicou milhares (sim, milhares) de postas, coleccionou mais de 30 mil (sim, mais de 30 mil) comentários, tem um blogue a caminho de um milhão (comprovado) de visitantes e criou ou esteve ligado a mais de vinte blogues, é a paciência.
Sou um gajo difícil, impossível para a maioria. É mais uma questão de mau feitio do que de mau fundo, como prefiro acreditar. Mas torna complicada a tarefa de quem calhe gostar de mim e não cuide de manter uma prudente distância.
Nada disto me envergonha ou intimida ou seja o que for para lá do desconforto pontual que me provocam as desistências. E eu somo imensas, como qualquer gajo difícil, embora tenha a certeza de que algo de positivo dei a cada pessoa que embicou para aqui.
Tenho alguns tiques de menino mimado, algumas convicções demasiado arreigadas e, sobretudo, exijo demasiado dos outros. E a exigência, disparatada na dimensão mas justificada enquanto opção, é directamente proporcional à proximidade que me concedam.
Algumas dessas merdinhas, como as chamo, estão na origem da maioria das tais desistências. A meu ver é simples: só mesmo gostando muito nos predispomos a aturar alguém. É assim nos dias que correm e a vida que levamos acaba por nos dar cabo da paciência para levarmos com as peculiaridades de outrem.
E quando gostamos a sério aprendemos a lidar com esses pequenos quês que acabam por definir a personalidade e a conduta de cada pessoa. Coisas boas e coisas más, sempre na perspectiva de quem as avalia e, lá está, com a carga de subjectividade que as emoções mais fortes acabam por impor e assim se adicionam os filtros que nos permitem tolerar as diferenças (ou as parecenças) que nos irritam ou incomodam.
Eu gosto que quem gosta de mim me faça sentir no centro da sua atenção, nem que por uns minutos ao dia. E sou muito cioso desse protagonismo que sei não poder “exigir” a pessoas que não me sejam próximas, tal como entendo que os alvos de tal exigência se saturem de fingir um interesse nas coisas que valorizo que raramente consigo despertar por muito tempo junto de alguém.
A isso somam-se as minhas reacções intempestivas, capazes de deitar por terra qualquer hipótese de reconciliação. Ladro alto e ferro o dente sem morder. Mas nunca escondo o que me vai na alma, algo com que poucas pessoas conseguem ou querem lidar. A malta prefere passar o tempo a brincar, a fazer coisas giras e divertidas, em busca da adrenalina que eu suscito tanto como um caracol. Preferem fazer de conta, ignorar ou mesmo atacar, do que enfrentarem de forma frontal as suas fraquezas ou as razões dos outros.
Eu sou assim, difícil. Quase impossível. E estranhamente não me sinto particularmente incomodado com isso, até pelo que os factos da minha vida comprovam. Sou assim, como qualquer pessoa o é. Somos o que somos e não vale a pena pintar a manta, retocar o verniz. E com os estragos que a vida provoca, estamos cada vez menos disponíveis para os outros, para o outro. Acabamos centrados no nosso umbigo que achamos sempre ser o mais importante a salvar em qualquer derrocada. Alteramos os factos, se necessário, para convivermos melhor com a consciência de tudo o que deitámos a perder ou deixámos pura e simplesmente cair por não valer a pena.
Somos assim, a maioria, e ninguém tem que se queixar pois quem gosta fica e empenha-se e quem não gosta tem sempre o caminho escancarado.
À hora a que escrevo esta posta ainda não apareceu o miúdo de Mirandela que aos doze anos de idade terá preferido mandar-se ao rio Tua do que continuar a suportar o bullying (maus tratos constantes) que alguns colegas de escola lhe inflingiram.
E eu pergunto-me que espécie de escolas estamos a manter que não se apercebem deste tipo de fenómenos e das consequências terríveis que podem acarretar. E que tipo de pais estamos a ser que os nossos filhos nem nos têm por interlocutores válidos neste tipo de situação. E que tipo de filhos estamos a criar para se tornarem nuns pequenos monstros capazes de actos tão cruéis.
Foto: Shark
Tempos atrás fiz parte de um projecto colectivo da blogosfera que acabou mal. Aliás, acabando só podia ser mal tendo em conta aquilo a que se propunha.
Ao longo do processo de organização das ideias que levariam à concretização da coisa foram trocadas centenas de emails entre o grupo que dava corpo ao projecto, sendo óbvio que no teor dessas mensagens privadas (que o são) e, por inerência, com destinatários bem definidos e só esses seria fácil encontrar o porquê do fracasso do tal projecto bem intencionado que entretanto morreu à míngua de gente capaz de o ressuscitar. Eu incluído e acima de todos.
Claro que vivo com o peso dessa derrota pessoal e colectiva que me incomoda, pelo que representou de auspicioso e agora representa em sentido oposto. E seria, se eu alinhasse pela bitola de quem escreveu e de quem entendeu publicar a peça de primeira página do “i” relativa a um autor anónimo do Jumento, uma tentação limpar a face divulgando as mensagens privadas que pudessem provar-me certo nas minhas razões.
Seria errado e não há volta a dar. Quaisquer que fossem os meus objectivos ou razões, nada justificaria tal comportamento. Por constituir uma violação flagrante de princípios dos quais não estou disposto a abdicar.
E não se presuma alguma espécie de superioridade moral intrínseca da minha parte no parágrafo acima, pois isso seria retirar a questão do seu cerne: o senso comum e uma educação (e um carácter) elementar bastam para dissuadir os mais arrojados na novel arte da mediocratização global.
Na verdade, existem pressupostos sem os quais acabará por tornar-se impossível a troca de diálogo entre as pessoas. Um deles é o da confiança que nos merecem os interlocutores.
Claro sempre existiram os bufos, os chibos, os queixinhas e os cuscos capazes de meterem a boca no trombone e levarem a cabo inconfidências. Sempre existiram. Mas não passam a ser politicamente correctos só porque entretanto se multiplicaram ao ponto de quase fazerem parecer corajoso um acto que tresanda a cobardia, para além de constituir um rude golpe no tal pressuposto sem o qual um blogue colectivo, por exemplo, se torna inviável ou apenas intragável pela ausência de ligação entre os colaboradores desse trabalho.
aberrações estatísticas e analogia no mundo animal
Emails, apesar da sua plataforma electrónica, são como cartas envelopadas. Exactamente como os blogues são jornais de parede em formato html. Na essência, na utilidade e, lá está, no pressuposto da confiança que nos permite presumir a confidencialidade. A do anonimato também.
Seria ingrato se afirmasse que possuo razões de queixa nessa matéria, sendo até surpreendido pelo respeito aos tais princípios que todos conhecemos de ginjeira (mesmo aqueles que os violam) por parte de quem com ou sem razão me hostilizou no passado blogueiro e pessoal de que nem sempre me orgulho.
Ou seja, os Carlos Santos da blogosfera ainda constituem, acredito, uma minoria. E os pêpêémes ainda são mais óbvios na condição de meras aberrações estatísticas expressas à direita da vírgula apenas por uma questão de rigor matemático.
O problema é que basta um cãozito mais colérico ladrar com insistência no meio do silêncio do lugar e é como se ladrassem todos os canídeos das redondezas (está bem, ladram sempre mais uns quantos) e às tantas qualquer cão passa a ser visto como parte do problema sonoro da vizinhança.
E não me sirvo dos cães (de que tanto gosto) como exemplo para os conotar de alguma forma com as duas pessoas atrás referidas, mas apenas para frisar que um mau exemplo (ou dois) não basta para generalizar comportamentos ao ponto de os tornar recomendáveis. Essa democracia não funciona.
Tudo isto para manifestar a minha estupefacção pelo desplante com que de repente alguém passou a achar correcto, recomendável ou apenas inteligente e oportuno fazer uma manchete como a do “i” à boleia de uma corrente de ar fétido que agita o lodaçal dos que já perceberam que não chegam lá pelas vias ao dispor (eleições, essa eterna maçada...) e deixam o desespero de causa tomar conta da sua.
E essa está à vista. Nos fins como nos meios.
(Nota: se quiserem ficar mais a par dos acontecimentos recomendo-vos ESTE ponto de partida.)
Acabo de ouvir uma intervenção do jornalista Pedro Beça Múrias, despedido pela Media Capital enquanto estava de baixa para lutar contra um cancro.
Da conversa dele com o Mário Crespo, na SIC Notícias, retive (para lá do estofo de que o homem é feito) a noção clara do quanto os jornalistas enquanto classe estão à mercê dos caprichos de todos os poderes, com o do dinheiro à cabeça.
É frustrante para mim, que andei uns anos no ofício, ouvir as histórias dos jovens que trabalham por tuta e meia para poderem entrar na profissão (ao ponto de acabarem por desistir da carreira, quando já não aguentam mais trabalhar para aquecer), a recibos verdes ou nem isso, vendendo as suas palavras e o seu esforço por um preço miserável.
Já acontecia no tempo em que vivi a pele do estagiário, e já nesse tempo o sindicato era um espaço com malta porreira mas sem grande capacidade de intervenção, mas é óbvio que entretanto, com o advento dos gigantes da Comunicação Social (como o que despediu o Pedro mais uns quantos), a coisa piorou a olhos vistos.
É fácil, mesmo de fora, perceber até que ponto os jornalistas são reféns dos patrões, dos poderosos e das próprias consciências também. Nenhum jornalista digno desse nome consegue pactuar em silêncio com as diversas pressões a que se vêem submetidos, mesmo quando a mais óbvia é a das contas para pagar, e por isso mesmo presumo que muitos engolem em seco e ficam com as palavras entaladas na garganta perante a fragilidade da sua condição.
Acredito tanto em Jornalismo isento e independente nestas circunstâncias como na aparição de Fátima. Mas no primeiro dos casos sou menos agnóstico e mais ateu.
Com o poder político cada vez mais descaradamente ligado ao poder financeiro, com o poder judicial cada vez mais questionado e publicamente embaraçado pelos casos que a Imprensa vai revelando, os pilares da democracia sofrem um processo de erosão e depois, em teoria, tudo assenta cada vez mais sobre a liberdade de expressão e a verdade que os jornalistas (pessoas como nós, com uma vida para gerir) consigam divulgar.
A importância do Jornalismo sério para assegurar o bom funcionamento das instituições dispara quando nos confrontamos com cenários como o que descrevo acima.
É disso que estou a falar quando descrevo acima a situação paupérrima da classe de profissionais de quem dependemos sobremaneira para não nos comerem por parvos e desvirtuarem as regras do jogo democrático.
É coisa séria. Mas mesmo perante tamanha ameaça fico sempre com a sensação de que só uma confrangedora minoria parece de facto preocupada com este estado de coisas.
A vida gosta.
Saber deixar correr. A vida, tal e qual. Como um rio sem barreiras ou o sexo sem fronteiras que acontecem porque sim. Indomáveis, imparáveis no seu curso, no leito, nas batidas que se sentem no peito quando as margens se deixam beijar, os corpos a latejar pelo sangue que corre também nas veias amantes como a água naqueles sulcos permanentes de vida a acontecer, tal e qual.
E é preciso saber, sem dúvida, deixar correr dessa maneira livre e espontânea, simples e consentânea com o ritmo acertado pelos ponteiros desses relógios tão certeiros que o destino cuida de gerir por nós de forma tão aleatória como a que define o percurso de cada rio até à foz onde desagua e se transforma, por osmose desequilibrada nas proporções, numa nova força, salgada, uma outra energia qualquer, exactamente como gostamos de conceber o melhor fim.
Tal e qual, a vida. A correr, deixada assim, à solta pelo tempo marcado para percorrermos o caminho desde a nascente até onde se verifica o ocaso de cada luz individual. Como um rio banhado pelo sol com raios de calor.
Como um corpo e uma alma obrigados a deixarem (es)correr, tão simples, o amor.
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